Um grupo de mães fez uma manifestação em frente à Secretaria Municipal da Educação (Smed) de Caxias do Sul, na tarde desta segunda-feira (30), para chamar a atenção sobre a falta de monitores especializados para crianças e adolescentes com transtorno do espectro autista (TEA) nas escolas da rede municipal. A ausência deste profissional (também chamado de cuidador), que é responsável pelo acompanhamento do estudante e auxílio ao professor em sala de aula, é apontada pelas famílias como um obstáculo para o aprendizado e o desenvolvimento das crianças com autismo e na inclusão delas com os demais colegas na sala de aula. Um suposto caso de abuso sexual contra duas crianças em uma escola de Caxias, que pode ter ocorrido em razão da falta desse cuidador, também motivou a manifestação e o alerta para o tema (leia mais abaixo).
Durante o protesto, mães e representantes de entidades se revezaram no microfone para solicitar que a Lei federal 12.764/2012 seja atendida pelo município. A legislação específica que as pessoas com autismo (que não é uma doença, e sim um transtorno) possuem os mesmos direitos de pessoas com deficiência. Por isso, também precisam de profissionais especializados para acompanhamento em sala de aula. Para resolver a demanda, seriam necessários 120 monitores somente para a Educação Infantil na cidade — não há um levantamento para o quadro necessário no Ensino Fundamental. Atualmente, para solicitar um monitor para o filho na sala de aula, as famílias apresentam o laudo médico, via escola, para uma equipe da Smed, que avalia caso a caso.
De acordo com a gerente executiva do Instituto UniTea, Ivonete Gaike, os servidores da secretaria examinam como é a independência da criança, entendendo se ela consegue se locomover, se alimentar e ir ao banheiro sozinha, por exemplo. Para ela, esses pré-requisitos não contemplam todas as necessidades.
— Se ela (criança) consegue fazer essas atividades normalmente, a Smed não autoriza a monitoria. Mas entendemos que vai muito além disso, envolve a condução desse ser, que é vulnerável, e tem menos capacidade de se proteger. Precisa, sim, ter um olhar muito particularizado, até mesmo para questões de aprendizado. O que temos hoje é a monitoria simplificada a questões como locomoção e alimentação, por exemplo — explica ela.
Em casos onde a monitoria é autorizada, famílias relataram que existem casos onde há uma falta de conhecimento dos profissionais sobre como uma criança com autismo deve ser acompanhada em sala de aula. Outra reclamação é que a rotatividade dos monitores, que são contratados por uma empresa terceirizada que presta serviço ao município, prejudica no fortalecimento dos vínculos, que se perdem a cada troca do monitor.
— A gente sente falta de monitores preparados para o dia a dia dos nossos filhos. Entendo que é um descaso, que estamos tentando conversar com o poder público, mas sempre dizem que não há recursos, que vão tentar fazer algo, mas de fato a gente não vê nenhuma medida concreta — avalia Ivonete.
Para a auxiliar de embalagem Daiane Nascimento, 32 anos, deixar o filho Leonel, 3, na escola, se tornou um sinônimo de preocupação. Leonel foi diagnosticado com autismo no início deste ano e se comunica de forma não verbal. Com o laudo médico em mãos, Daiane solicitou à Smed que o filho recebesse o acompanhamento de um monitor na escola infantil que frequenta. A resposta veio como uma medida paliativa: a turma que Leonel frequenta foi reduzida de 14 para nove estudantes, o que Daiane entende como uma alternativa ineficaz.
— Meu filho não consegue ficar em locais fechados, ele fica nervoso quando precisa ficar acondicionado em um mesmo espaço por muito tempo. Ele é a única criança com autismo na turma. Preciso que ele tenha um acompanhamento exclusivo. Como ele não tem interesse em fazer as atividades, acaba ficando muito sozinho e não se desenvolvendo como deveria ser no ambiente da escola. A redução de alunos não mudou em nada — conta.
Para ela, que precisa deixar Leonel na escola para poder trabalhar, destinar algumas horas do dia para reivindicar o direito das crianças é a única saída.
— Ele chora cada vez que deixo ele na escola. Por mais que eu peça para me avisarem, nunca sei se está tudo bem. Fico com o coração apertado. Por isso, vou falar quantas vezes forem necessárias. Estamos pedindo o que é um direito — argumenta Daiane.
Quem também levou a luta por melhores condições de ensino para pessoas com transtorno de espectro autista (TEA) para a porta da Smed foi a confeiteira Juliana Santos, 35 anos. Ela é mãe de Vitor Gabriel, um adolescente de 13 anos que é autista. Cansada de reivindicar a presença de um monitor para o filho na rede municipal, ela buscou há três anos por uma vaga na Escola Estadual Especial João Prataviera, no bairro Pio X, que é referência no atendimento de crianças e adolescentes com deficiência intelectual e autismo.
Na prática, Juliana entendeu ser melhor retirar o filho do ensino regular e buscar apoio em uma instituição voltada para o atendimento de crianças com deficiência e outras comorbidades, como o autismo.
— Meu filho tem momentos de surto, onde ele não era compreendido pelos outros alunos e também pelos professores. Ele precisa ser acompanhado de forma especializada. Por conta dessa necessidade do monitor, lutamos de todas as formas e nunca tivemos retorno da Smed. Por isso, achei melhor tirar ele da escola no mesmo bairro para colocar em outra, mais longe — afirma.
Para facilitar o deslocamento e permitir que o filho desenvolva outras habilidades, a mãe gostaria de voltar a matricular o filho na escola anterior.
— Ele está bem onde está, mas faz muitas atividades motoras, sendo que ele tem potencial para ler e escrever, por exemplo. Mas para isso precisa ter monitor. Estou aqui (na manifestação) por mim e pelas outras mães que sofrem pela mesma situação — conta.
Smed diz que trabalha para contratar monitores especializados
Durante a manifestação, seis mães foram chamadas para se reunir com a titular da Smed, Sandra Negrini, onde permaneceram por quase uma hora. Por meio de nota, a Smed informou que a secretária ouviu as demandas e apresentou iniciativas que estão em andamento para melhorar o atendimento educacional especializado de crianças e jovens no município.
Ainda de acordo com o posicionamento da Smed, entre as medidas, estão a contratação de cinco profissionais com especialização em análise do comportamento aplicada (ABA, na sigla em inglês). Este profissional aplica um conjunto de procedimentos que ajudam a ampliar a capacidade de comunicação de pessoas com TEA, auxiliando-as a se relacionarem melhor com a sociedade e com o ambiente. Eles devem assumir as funções em meados de julho, segundo a prefeitura.
O texto informa ainda que a Smed disponibilizou um total de 10 vagas para esta habilitação, mas apenas cinco interessados se apresentaram. Os profissionais habilitados em ABA serão responsáveis pela capacitação dos demais envolvidos no atendimento educacional especializado.
Além disso, a secretaria informou que também está trabalhando na qualificação do termo de referência (mecanismo que rege os parâmetros licitatórios) para contratação de cuidadoria, melhoria e ampliação das horas de capacitação para os cuidadores, considerando as especificidades das crianças e jovens e suas necessidades. Além disso, também estão sendo acrescentadas ao quadro mais duas profissionais especificamente designadas para qualificar os diagnósticos e propor formas de intervenção.
Polícia Civil apura suposto abuso sexual em escola envolvendo criança com autismo
De acordo com a titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), Thalita Andrich, o suposto abuso sexual contra duas crianças em uma escola de Caxias, que foi citado na manifestação, está sendo apurado. Uma das vítimas é autista. A autoria do suposto abuso é atribuída a colegas de escola, que também seriam crianças.
— A DPCA precisa confirmar se os envolvidos de fato são crianças, se são menores de 12 anos, para que possamos então encaminhar para o Conselho Tutelar, que fica com esses casos. Ouvimos a mãe da criança para ela explicar o fato, como ocorreu e como ela teve conhecimento da situação e o que ela sabe de detalhes, porque a ocorrência chegou ampla, e precisamos de diligências para obter informações oficiais e encaminhar ao Conselho Tutelar.
A delegada também solicitou documentações à direção do estabelecimento de ensino para saber se há registro em ata e quais foram os encaminhamentos. Thalita ressalta ainda que como são menores de 12 anos entende-se que não há prática nem de ato infracional.
— A gente vai ouvir todo mundo para encaminhar a Secretária de Educação ou ao Ministério Público conforme o quer for apurado. Vamos juntar documentos e ouvir o responsável pela escola.
Para a gerente executiva do instituto UniTea, Ivonete Gaike, esse caso não deve ser tratado como isolado e serve como exemplo da importância do monitor em sala de aula.
— A gente não sabe muito sobre o caso, sabemos que está em apuração, mas entendemos que a ausência de um monitor na sala de aula faz com que uma criança tenha que passar por uma situação como essa. Esse é mais um fator que nos faz estar aqui — relata.