Para homenagear as vítimas da covid-19 e também pedir, em prece e oração, pela saúde de toda a população, cerca de mil cruzes foram instaladas em frente ao Santuário de Nossa Senhora de Caravaggio, em Farroupilha, na manhã desta segunda-feira (29). A ação leva o nome de Vida que Cuida da Vida, lembrando sobre a responsabilidade que cada um tem pela vida do próximo.
– A ideia surgiu das lágrimas das pessoas que nos pedem oração e acolhimento. Queremos nos solidarizar com a dor. As cruzes lembram não só a morte, mas a vida que perdura – diz o padre Gilnei Fronza.
Uma dos voluntários que chegou cedo ao Santuário foi o construtor Edison Martins, 37 anos:
– Queremos demonstrar nossa gratidão pela Santa. Em tempos de pandemia, temos que ser solidários uns com os outros.
Entre as cerca de 15 pessoas que doaram seu tempo para a realização da ação na manhã desta segunda-feira estava Fernanda Giacomin Gaio, 19. A estudante, moradora de Mato Perso, em Flores da Cunha, tem um motivo especial para estar na atividade. Ela perdeu a avó, vítima de covid-19, há seis dias.
— Fizemos uma despedida, mas não da maneira que gostaríamos. Poucas pessoas puderam estar presentes e se despedir dela. Aceitei o convite (para participar da ação) para fazer essa homenagem a ela e a todos. Uma das cruzes que coloquei foi lembrando dela e especialmente para ela — diz.
Além de Fernanda, que carregava as estrutura de um lado para o outro e as posicionava nos espaços, estava Jenifer Ignácio Romio, 24. A empresária de Garibaldi se concentrava em fazer um bom trabalho.
— Meu cunhado é padre no Santuário e já ajudo por aqui aos domingos. Esta é uma ação bacana porque muitos não se despediram de seus entes — afirmou.
"Sinal de vitória", diz bispo emérito
Durante a ação desta segunda, junto ao reitor Gilnei Fronza estava o bispo emérito da Diocese de Caxias, Alessandro Rufinoni. Atualmente ligado ao Santuário, ele acompanhou de perto a atividade e também conferia, por volta das 7h, cada cruz que era colocada no espaço:
— Estou dando meu apoio a esses jovens voluntários, a ideia é homenagear os falecidos. A cruz é um sinal de amor, Jesus nos amou morrendo na cruz e é um sinal de ressurreição. Para nós é um sinal não de vergonha, nem de humilhação, mas de vitória.
Chimbinho não deixou de participar
Entre os voluntários estava um dos fiéis mais assíduos do Santuário de Caravaggio: o cachorro Chimbinho. Sempre ao lado do padre Gilnei, ele caminhava e descansava entre as cruzes. Segundo Fronza, ele foi deixado na região há cerca de cinco anos. Foi adotado quatro vezes, mas sempre retornou. Assim, Fronza passou a abrigá-lo e alimentá-lo.
— No início ele participava da missa deitado no meu pé, mas um dia latiu sem parar. Então não deixei mais ele participar (risos) — disse.
Na segunda-feira e na terça-feira haverá celebração de missa às 17h e do terço às 18h na frente do Santuário. A programação será transmitida pelas redes sociais do Santuário (Facebook, Instagram e YouTube). Quem quiser prestar homenagem a algum familiar que tenha partido e dedicar orações, pode enviar o nome completo dele pela rede social, ao clicar no post e deixar o nome nos comentários.
A importância do luto - "Nem que seja em uma experiência coletiva", diz psiquiatra
A atividade proposta pelo Santuário é bem-vinda para muitos, mas nem todos têm o entendimento da profundidade do significado. A ação foi criticada por internautas - alguns alegam que a cena é "mórbida". O psiquiatra Caetano Fenner Oliveira resume a simbologia:
— A mente humana precisa de um amparo, nem que seja uma experiência coletiva de enlutamento — diz.
Segundo o especialista, o ritual coletivo de elaboração do luto atravessa milênios de história e é sagrado para todas as orientações religiosas, inclusive, nas práticas agnósticas (posição filosófica que acredita que a razão humana não consegue justificar a existência de uma divindade).
— Nada mais indicador de empatia e impulso civilizatório do que quando nos consolamos uns aos outros num momento de morte. É difícil elaborar alguma perda sem o apoio de um ritual e da companhia de outras pessoas importantes. A pandemia traz lutos interrompidos e empilhados em nosso imaginário de povo — cita.
Oliveira lembra dos processos pós-morte frequentemente não vividos em épocas de guerra.
— Lutos interrompidos serão transmitidos até a segunda ou terceira geração. A mente humana fica funcionando pela metade, sempre aquém de sua potência quando se acumulam perdas e faltas. Se todos estiverem em um empenho fraterno, isso levará a um fortalecimento do vínculo comunitário, nem que seja virtual. Precisamos ser mais gentis uns com os outros quase como escovamos os dentes, como se fosse uma higiene mental básica. Isso cola o tecido social rasgado de tanta briga política e óbitos estúpidos.