As polêmicas e discussões rondaram a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Central de Caxias do Sul antes mesmo dela deixar de ser o Postão e começar a funcionar no novo formato, nos últimos minutos do dia 19 de dezembro de 2019. E continuaram durante esse um ano de operação. A mais recente é sobre o futuro da unidade: mesmo cercado de questionamentos e críticas, o Instituto Nacional de Pesquisa e Gestão (Insaúde) vai seguir administrando a UPA Central em 2021.
Para entender como se chegou a esta questão é preciso voltar ao início do ano passado, quando a então gestão do ex-prefeito Daniel Guerra (Republicanos) anunciou que a unidade teria uma gestão compartilhada, administrada por uma empresa, mas com supervisão do município. O modelo foi adotado sem consulta e, portanto, sem a aprovação do Conselho Municipal da Saúde, que não é apenas colegiado consultivo e sim deliberativo sobre as ações e políticas públicas da área da saúde no município.
Para readequar os espaços e modernizar a estrutura, o prédio do antigo Postão foi fechado para uma reforma, em 17 de outubro de 2018. E aí, mais protestos. Tanto o conselho quanto os servidores eram contrários à interrupção total do atendimento no local. O assunto foi parar no Ministério Público que estipulou providências ao município para garantir assistência à população, durante o período em que as atividades fossem cessadas. O serviço inicialmente previsto para seis meses levou 13. Além disso, a obra foi cercada de mistérios. Nem a imprensa nem a Comissão de Saúde da Câmara de Vereadores teve acesso ao interior do imóvel. O secretário de Saúde à época, Júlio César Freitas, tentou impedir a própria fiscalização da Gerência do Trabalho (antigo Ministério do Trabalho e Emprego) de entrar no prédio. Não conseguiu e foi convidado a deixar o local pela Guarda Municipal.
Reabertura
Depois de um ano e um mês fechado para os reparos, o prédio teve as portas abertas aos usuários, que esperavam em fila no lado de fora, pelo então prefeito. Isso ocorreu horas antes de ele ser julgado em processo de impeachment, que acabou o afastando da administração municipal, no dia 22 de dezembro de 2019. A retomada dos atendimentos no local ocorreu 41 dias antes do fim do prazo acordado com o Ministério Público por meio de um Termo de Ajustamento de Conduta – 31 de dezembro daquele ano. A unidade abriu sem alvará dos bombeiros e com atendimento parcial por falta de profissionais para a pediatria.
Dos R$ 6,3 milhões investidos pela prefeitura na obra, R$ 4,8 milhões foram para compra de móveis e equipamentos médico-hospitalares. Já R$ 810 mil foram aplicados na obra propriamente e R$ 723,4 mil em custos com compra de itens como central telefônica, videomonitoramento, entre outros. O custeio para garantir o pleno funcionamento do serviço era de R$ 1.957.000,00 milhão por mês. Nos últimos meses, o valor sofreu uma alteração em função do programa Testar RS do governo estadual, passando a R$ 2.043.000,00, e deve voltar à quantia original em março.
Habilitação como UPA ainda não veio
Com o início da operação, o município pediu a habilitação da unidade como UPA de porte 3 junto ao Ministério da Saúde para, com isso, receber verbas federais e estaduais para o custeio na ordem de até R$ 525 mil por mês. Segundo a prefeitura, a proposta já foi enviada duas vezes para Brasília. Ambas foram rejeitadas pelo ministério, que alega falta de recursos devido à pandemia. Ou seja, o dinheiro não veio.
Segundo o secretário municipal da Saúde, Jorge Olavo Hahn Castro, as verbas federais foram voltadas para o combate à covid-19. Dessa forma, a unidade segue sendo mantida apenas com recursos do cofre público municipal. A exceção são gastos com a covid-19 para os quais os municípios receberam repasses do Ministério da Saúde.
– Quando recebemos a UPA, ela não tinha pediatria, não tinha o quadro completo de profissionais; não tinha o plano de combate a incêndios (alvará dos bombeiros, na verdade), que é o pontapé inicial para todos os papéis; não tinha habilitação; não podíamos nem registrar o diretor técnico do local porque não tinha nada. Foram regularizados todos os papéis, quando terminamos, o governo federal não tinha verba para nos repassar. A verba foi utilizada para combater a covid, então, estamos no aguardo – descreveu o secretário.
No Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES) a unidade ainda consta como Pronto-Atendimento 24 horas.
Foram mais de 75 mil atendimentos neste ano
De janeiro ao final de novembro (dezembro ainda não está contabilizado) deste ano foram feitos 75.523 atendimentos na UPA Central. Houve uma crescente de janeiro a março, quando se chegou a 8.168 assistências. Com o começo da pandemia, os números reduziram quase pela metade entre abril e junho, voltando a subir a partir de julho mensalmente, até o pico, em novembro, de 10.201 atendimentos. Os dados consideram os atendidos na tenda montada em frente da unidade para pessoas com suspeita de covid-19. Foram 17.507 atendidos na tenda até o final de novembro, mês que registrou a maior procura (4.068).
O presidente do Conselho Municipal da Saúde, Alexandre Almeida, diz que há problemas trazidos pelos usuários e outros ligados à administração.
– Dizer que a terceirização era a solução para não demorar mais o atendimento, não é verdade. Continua demora de três a quatro horas de espera. Tem falhas de estrutura interna e na tenda, que no inverno era muito frio e agora, está insuportável (o calor). Faço parte do conselho gestor da unidade, mas não teve nenhuma reunião até hoje. O Tribunal de Contas do Estado solicitou que fosse montado, porque, quando é organização social, é obrigado ter o controle social dentro do conselho gestor. Além disso, claro que estamos em uma pandemia, mas já vinha, desde antes, em torno de 30% a 40% das metas não sendo cumpridas dentro do contrato – pontuou Almeida.
– O atendimento na UPA Central tem algumas deficiências que estamos sanando, principalmente adequar os profissionais à demanda, que cresceu muito. Essa defasagem aumentou com o Testar RS, então, estamos contratando mais funcionários e mais equipamentos para agilizar o atendimento do Testar RS – declarou o secretário da Saúde, Jorge Olavo Hahn Castro.
Denúncias levaram à vistorias na unidade
Em plena pandemia, em agosto deste ano, a demissão de 12 profissionais, após o vazamento de fotos de uma confraternização dentro da UPA Central, desencadeou uma série de denúncias sobre irregularidades no local. Funcionários denunciaram falta de distanciamento entre pacientes na sala da medicação, utilização de camas por mais de um servidor sem troca de lençóis, não testagem de todos os profissionais, entre outras situações. Após vistoria nas dependências, o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) Serra fez 19 apontamentos para adequações. Mais uma vez, a unidade tornou-se pauta do Ministério Público. A promotora Adriana Chesani pediu ao Conselho Municipal de Saúde fiscalização na unidade.
A prefeitura oficiou o Insaúde para que executasse as adequações. Até esta publicação, a prefeitura não informou se os problemas foram sanados. Já o conselho informou que não foram feitas novas fiscalizações na unidade.
"Esse não é o modelo que a prefeitura gostaria", diz secretário sobre gestão da UPA Central
Mesmo com a administração conturbada, o contrato com o Insaúde foi renovado por mais um ano. O documento venceu em novembro, foi feito aditivo de prazo até o dia 14 deste mês e, depois, a renovação. Na última semana, o vereador Alberto Meneguzzi (PSDB), integrante da Comissão de Saúde do Legislativo, pediu esclarecimentos ao município sobre o futuro da unidade:
– Se teve algum tipo de renovação (do contrato) não passou por Comissão de Saúde, Câmara de Vereadores... não tenho informação sobre isso – disse o parlamentar, referindo a falta de comunicação do Executivo com o Legislativo.
O presidente do Conselho Municipal da Saúde, Alexandre Almeida, também disse que o órgão não foi consultado sobre a renovação.
O secretário disse que "esse não é o modelo que a prefeitura gostaria", mas como o município já recebeu a UPA Central com este formato de gestão compartilhada com organização social, não achou apropriado mudá-lo, ainda mais durante a pandemia.
– A opção foi de renovar o contrato por um ano, e a próxima administração pode tomar a atitude que ela achar necessária. O modelo que a prefeitura prefere é o de parceria com instituições de ensino – declarou Castro, se referindo à administração que é feita pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) na UPA Zona Norte.