Foi na dor de perder o pai para a covid-19 — Victor Manuel Veloso Mendez, 64 anos —, que o caxiense Daniel Veloso, 34, encontrou motivação para criar um projeto que salvasse vidas. O profissional, que já atuava de forma autônoma na área de informática, automação e sistemas robóticos, decidiu aplicar seus conhecimentos no desenvolvimento de uma câmara de sanitização, com tecnologia ultravioleta.
O recurso não é novidade, mas o propósito, sim: disponibilizar no mercado uma versão de baixo custo e maior potência de radiação, garantindo acessibilidade ao equipamento e eficiência na eliminação de coronavírus — além de outros agentes infecciosos — de superfícies como peças de vestuário ou equipamentos hospitalares, incluindo máscaras de proteção.
A máscara, aliás, tem um papel importante nessa história. Seu Victor — ou Chileno, como era conhecido — morava sozinho e, por integrar o grupo considerado de risco para covid-19, tomava o máximo de cuidados e sequer saía de casa. Veloso, filho dele, diz que foi ao receber a visita de um amigo que o pai acabou sendo infectado.
— Meu pai não quis usar a máscara naquele momento porque ela estava suja. O amigo dele acabou tossindo e transmitiu o vírus. Depois da morte fomos organizar a casa e eu vi uma máscara dele que estava por lavar. Aquilo me doeu demais e eu pensei que precisava usar o que eu sabia para evitar outras mortes — relata o empreendedor.
Segundo ele, a ideia já havia sido cogitada em meados de abril, mas acabara ficando de lado em meio aos compromissos cotidianos. O impulso para retomada do projeto foi tão intenso que, três dias após a morte do pai, Veloso já tinha o primeiro protótipo da câmara.
— Passei as madrugadas chorando e trabalhando, tirando forças da dor que é enterrar um pai em um saco plástico, sem sequer poder me despedir — comenta o filho.
Chileno foi internado cerca de dez dias após a visita do amigo, direto na UTI, em 11 de junho. Ele foi o terceiro paciente a receber transfusão de plasma convalescente contra a covid-19. Em uma matéria publicada pelo Pioneiro, no dia 15 de junho, divulgando a necessidade de mais doadores, Veloso relatou o arrependimento que o pai manifestara antes de entrar em coma. Após oito dias de internação, no dia 19 de junho, o idoso acabou morrendo.
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— Foi bem triste pensar que se eu tivesse a máquina antes ele poderia estar vivo agora. O ensinamento que fica pra mim é que, neste momento, precisamos usar nosso conhecimento para salvar o máximo de pessoas possível. Uma segunda onda está por vir e vamos sobreviver se tivermos mais segurança, principalmente nos hospitais — aponta Veloso.
Tecnologia adaptada
A Câmara de Sanitização UV-C Violet Plus+, como foi batizada, trata-se de um compartimento que dispõe de um circuito de lâmpadas que emitem radiação ultravioleta, sendo destinada à higienização de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), utensílios pessoais, domésticos e de trabalho. Seu uso pode ser aplicado em hospitais, laboratórios, clínicas, farmácias, além da indústria, comércio ou mesmo instituições como escolas.
— Minha esposa é professora e o retorno às aulas presenciais me fez pensar numa forma de garantir mais segurança para os estudantes e profissionais. Efetivar a troca segura de máscaras em uma sala de aula com 60 alunos é algo bem difícil, sem contar o impacto ambiental gerado pelo descarte — avalia o caxiense.
O uso da radiação ultravioleta para a eliminação de microorganismos em máscaras de proteção foi implementada em pesquisa da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. A tecnologia, que já era utilizada antes da pandemia em diversos setores, foi o ponto de partida para Veloso, que apenas tratou de adaptá-la a um formato que atendesse às necessidades cotidianas do contexto atual, utilizando materiais de baixo custo, para viabilizar a acessibilidade.
O preço de venda do produto está na faixa de R$ 5 mil, enquanto outros equipamentos que utilizam a radiação ultravioleta, com a mesma potência, são encontrados, hoje, no Brasil, por valores acima de R$ 45 mil, segundo Veloso.
— Nosso objetivo não é lucrar, é salvar o máximo de vidas possível — afirma o idealizador.
Além do menor preço, um aumento considerável da intensidade de radiação pretende garantir mais eficácia na desinfecção. Segundo o criador, equipamentos convencionais emitem cerca de 0,1 watt por metro quadrado. Na câmara caxiense, os objetos são expostos a 20 watts por metro quadrado — uma potência 200 vezes maior.
— Usamos uma dose exagerada, pra funcionar mesmo, garantindo a segurança com um mecanismo de proteção que desliga o equipamento na abertura da porta, e um microprocessador que dosa a quantidade exata de radiação. É como se fosse um microondas: com a porta fechada, não causa nenhum dano a quem o utiliza — explica Veloso, que tirou o projeto do papel contando com uma equipe multidisciplinar.
A ele coube o desenvolvimento do projeto, em si, além da parte de automação e eletrônica, com participação de Rodrigo Cettolin. O grupo também é formado por Thiago Nery, que realizou o projeto mecânico; Valteno Henrique Brunetto, no marketing e design; e Rafael Bettoni, estudante de medicina que contribuiu com pesquisas médicas e biológicas, mas acabou morrendo ainda antes do lançamento do produto.
Com abertura de vendas em meados de outubro, o equipamento já está sendo solicitado por alguns laboratórios. Segundo Veloso, a empresa também está sendo procurada por representantes interessados em intermediar a comercialização. Ele explica que o país ainda não tem uma legislação específica para este tipo de produto, mas que a comercialização é permitida, uma vez que as lâmpadas são certificadas.
Além de basear-se em estudos que já comprovavam a eficiência da tecnologia na eliminação de microorganismos, o projeto também conta com análises laboratoriais que seguem sendo realizadas, com diferentes materiais. O processo fica por conta da biomédica Hortencia Bohrer Ballesteros, que é professora e coordenadora do curso de Análises Clínicas da Escola Técnica SEG São Francisco, em Caxias do Sul.
— O equipamento se mostrou realmente eficaz no combate a microorganismos e agentes infecciosos como o coronavírus. Vale destacar que nada orgânico pode ser colocado na máquina, ela serve apenas para objetos, sendo um meio seguro de sanitização seca, não residual. Essa união da ciência, da tecnologia e da saúde pública é muito importante para a população neste momento — afirma a professora.
Mais detalhes sobre o equipamento podem ser conferidos no site da empresa.