O Hospital Virvi Ramos, em Caxias do Sul, chega nesta quarta-feira ao final do terceiro mês de aplicação de plasma convalescente em pacientes com covid-19 que precisaram de cuidados intensivos. Das 38 pessoas que se submeteram à transfusão desde o dia 26 de maio até a noite da última segunda-feira, 12 já tiveram alta hospitalar (31,6%), 13 morreram (34,2%) e 13 seguem internadas em recuperação (34,2%).
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Tanto a instituição de saúde quanto o município são cuidadosos ao manifestar opinião sobre a comprovação da eficácia do tratamento experimental. Mas ambos concordam ao dizer que o plasma convalescente tem efeito de impedir o agravamento da doença quando aplicado de forma precoce nos pacientes.
Por acreditar no tratamento, o secretário de Saúde de Caxias, Jorge Olavo Hahn Castro, diz que vai manter a oferta para pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) mesmo após o final do que chama de estudo. É que a parceria entre município, hospital e Hemocentro Regional de Caxias do Sul (Hemocs) vai até o 50º paciente, ou seja, está com 76% de andamento. No acordo, o município custeia os insumos necessários para o processo, no valor de R$ 1.750 para cada paciente participante do estudo. O dinheiro vem da verba destinada pelo governo federal para o combate à covid-19.
– Com já tínhamos a máquina, decidimos que faríamos o estudo para favorecer a população do SUS. Aparentemente teve bons resultados, principalmente quando usado mais cedo. Após o estudo, o paciente do SUS vai ter garantido o tratamento. Vamos tentar manter com esse equipamento, mas tem outra forma de coletar – declarou o secretário.
A direção do hospital está negociando com os planos de saúde para avaliar a possibilidade de eles oferecerem o tratamento para conveniados, além disso, deverá estipular um valor para procedimentos particulares. Não há previsão de preço, pois quando o plasma compatível não está disponível na cidade, é preciso buscar em hemocentros de outros locais e isso tem um custo maior.
– É uma oportunidade que as pessoas têm que ter, mesmo que não possamos afirmar que 100% dos pacientes vão se beneficiar do tratamento, já temos alguns resultados que apontaram um desfecho positivo – declarou a diretora executiva do Virvi Ramos, Cleciane Doncatto Simsen.
O tratamento experimental é ofertado a todos os pacientes que chegam ao hospital com indicação para Unidade de Terapia Intensiva (UTI), independente do estágio da doença, conforme a infectologista e coordenadora do setor controle de infecção do hospital, Andreia Dal Bó. Os critérios são ter 18 anos ou mais e a confirmação da covid-19 por exame RT-PCR, aquele feito a partir de amostras das vias aéreas e da boca.
– O objetivo da pesquisa é avaliar a resposta do paciente nas diferentes fases. O número é pequeno ainda (de pacientes), mas o que já percebemos é uma redução na mortalidade. É o que os estudos recentes mostram – explica a médica.
Ela se refere a uma publicação americana recente que indica que quanto mais precoce a aplicação e mais anticorpos tiver o doador, melhor será a resposta do paciente ao plasma recebido, o que ocasionaria a redução no número de mortes. Para a especialista, isso reforça a necessidade de identificação precoce dos pacientes pela testagem e também da chegada à UTI em estágio inicial da doença. Segundo ela, os resultados obtidos até o momento nos casos de transfusão precoce são a não necessidade de entubar os pacientes e a redução de mortes.
– Todas as pesquisas mundiais têm revelado o papel do plasma no tratamento de covid-19. Diante da ausência de outro tratamento eficaz, o plasma veio para mostrar a sua importância. Não só no caso da covid-19, mas, provavelmente, para outras doenças infecciosas no futuro – avalia a infectologista.
De acordo com a médica intensivista responsável pela UTI do Virvi Ramos, Eveline Maciel Correa Gremelmaier, as aplicações de plasma convalescente feitas antes do 10º dia do surgimento dos primeiros sintomas têm tido resultado aparentemente melhor:
– Os pacientes têm benefício maior de não evolução para ventilação mecânica, não desenvolvem toda a cadeia de disfunção orgânica, cardiovascular, hepática, renal... O plasma é uma forma de conferir à pessoa que recebe uma imunidade imediata. Estamos dando a ela as células de defesa, os anticorpos de alguém que já se curou. No momento em que ela ainda não desenvolveu a sua defesa, ela recebe isso pronto. É como se bloqueasse a evolução da doença. Mas, infelizmente, os pacientes têm chegado ou em ventilação ou tendo que ser entubados ao entrar na UTI.
Na região, o Hospital Tacchini de Bento Gonçalves também passou a adotar o plasma convalescente no tratamento de pacientes com covid-19. Porém, o hospital não informa quantas pessoas receberam nem o estado de saúde delas.
Dona Ivete de volta ao parreiral
Pouco mais de um mês depois de deixar o Hospital Virvi Ramos, a reportagem conversou com dona Ivete Zinani Marchi, 68 anos, uma das pacientes que recebeu plasma convalescente, após uma tarde de lida no parreiral na última segunda-feira. E não é só isso. Ela cuida das tarefas da casa, onde mora com a família no bairro Galópolis, em Caxias, e garante que os sintomas da covid-19 e o período de internação estão apenas na memória.
Ela conta que sentia muita dor nas pernas quando procurou o hospital para fazer o exame depois que descobriu que uma filha estava com o novo coronavírus. Quatro dias após fazer a coleta, teve crises de tosse e voltou ao hospital, passou por exames e foi internada. No mesmo dia, teve febre de quase 40 graus. No dia seguinte, foi levada para a UTI. Não chegou a ser entubada, mas recebeu oxigênio para ajudar na respiração. Um familiar autorizou o tratamento com plasma. Ela ficou quatro dias em cuidados intensivos.
– Senti diferença sim, porque a dor nas pernas não tive mais. E eu estava com pulmão tomado. Tinha umas pintinhas. Eu me senti muito bem com esse plasma. Eu não sabia o que era. Para mim, foi bom. (A doença) Passou. Graças a Deus – contou dona Ivete.
Carlos trocou de emprego e já passeia com a família
O caxiense Carlos da Silva Borges, 40 anos, chegou ao Virvi Ramos no dia 15 de junho e, no mesmo dia, recebeu a transfusão de plasma convalescente. Uma semana depois, deixou a UTI . Ele foi o quarto paciente a receber o tratamento e o primeiro a ter alta.
Carlos relata que tinha sintomas gripais que não passavam e soube que um colega de trabalho com quem teve contato testou positivo. Ele procurou o Hospital Geral, onde permaneceu cerca de quatro dias internado até ser transferido para a UTI do Virvi Ramos.
– Tinha febre, falta de ar, forte dor de cabeça e perda do paladar – lembra.
A ideia é que ele fosse entubado, mas aceitou a transfusão de plasma.
– Quando se chega na UTI, se está aos frangalhos, bem entregue. Comia duas colheradas de gelatina e depois colocava a máscara para respirar. Não conseguia ficar sem a máscara (de oxigênio). Achei que ia morrer. Pensei: Vou fazer (transfusão) para tentar sair daqui. No segundo dia (pós-transfusão) já começou a ter uma melhora. Me senti um pouco mais forte, mais disposto. A cada dia me sentia melhor que o anterior. Acho que recebi uma segunda chance – conta Carlos.
Ele ficou sete dias na UTI e outros sete no quarto. Saiu do hospital, trocou de emprego e agora já passeia com a família. Segundo o metalúrgico, para voltar a fazer atividades do dia a dia, como ir ao mercado, levou cerca de duas semanas. Mesmo sendo um tratamento experimental, ele recomenda.
Renan retomou exercícios para se fortalecer
Quando percebeu que estava com febre no início de julho, o agente penitenciário Renan Sudré, 31 anos, se preocupou. Ele foi ao hospital, fez a coleta para o teste RT-PCR, se afastou do serviço e voltou para casa. No dia seguinte, a febre aumentou e começaram as dores no corpo e na cabeça. No dia 10 de julho, foi internado. Piorou nos dias seguintes e, no dia 12, foi levado para a UTI, onde ficou por 23 dias.
– Me sentia muito fraco. Não tinha força nem para levantar da cama. Na hora, tu fica com muito medo. Tinha medo de morrer, porque eu estava muito ruim, me sentindo muito mal. Estava respirando com muita dificuldade. Fiz sem nem pensar muito – relatou Renan, que respirou com ajuda de cateter e máscara de oxigênio.
Ele lembra de ter recebido duas bolsas com plasma convalescente e de ter começado a melhorar depois do 18º dia de UTI.
– Fiquei mais disposto, a respirar melhor e não sentir tanta necessidade da máscara. Acho que é um tratamento válido, mesmo sendo experimental – conta.
Atualmente, diz que ainda não está completamente bem. Perdeu muito peso durante o período em que esteve no hospital. Sente cansaço. Mas, em consulta com pneumologista na última segunda-feira, o médico disse que os danos no pulmão são reversíveis.
– Não estou 100%, mas, agora, a recuperação é questão de tempo.
Cleciane dirige de novo o hospital que faz as transfusões em Caxias
A diretora executiva do Hospital Virvi Ramos, Cleciane Doncatto Simsen, foi uma das pessoas que se submeteram ao tratamento. Como se trata de estudo experimental, ela diz que não é possível afirmar de forma definitiva a eficácia do uso do plasma convalescente, mas que afirma que evoluiu bem a partir da transfusão.
– Eu tinha um cansaço respiratório. Recebi o plasma à noite e no dia seguinte me senti melhor. Não sei dizer se isso é parâmetro, mas a grande dúvida é: se eu não tivesse feito o plasma, eu teria evoluído para ventilação mecânica? O que tenho certeza é que não evoluí para ventilação mecânica e que isso é muito bom – pondera Cleciane.
Transfusão inédita
Na manhã desta terça-feira, o Hemocs realizou a primeira coleta de plasma convalescente feminino por aférese (equipamento que faz a separação dos componentes do sangue). A técnica de enfermagem Angélica Provensi, 26 anos, doou 400ml de plasma. Ela tem tipo sanguíneo A positivo e está recuperada da covid-19 há 42 dias.
Até esta terça, o hemocentro já registrou 161 cadastros. Alguns foram excluídos por não se encaixarem nos critérios e alguns ainda não foram avaliados. Do total, 49 pessoas estavam aptas para doarem plasma convalescente (três mulheres e 46 homens), mas apenas 29 compareceram para efetivar a doação ( 28 homens e uma mulher). Os doadores têm idades entre 18 e 56 anos. São originários de Caxias do Sul, Porto Alegre, São José do Herval, Farroupilha, Garibaldi, Bom Jesus, Bento Gonçalves, Passo Fundo, São Sebastião do Caí, Flores da Cunha, Campestre da Serra.
Dependendo do peso, da altura e da avaliação dos exames a pessoa pode doar 400 ou 600 ml de plasma.
Os tipos de doação de plasma
Por aférese (equipamento que separa os componentes do sangue)
:: É necessário ter testado positivo para covid-19, pelo exame PCR ou teste sorológico, e estar recuperado e sem sintomas há no mínimo 28 dias.
:: No caso dos homens, podem doar aqueles entre 18 e 59 anos. O plasma é destinado para o projeto de pesquisa junto ao Hospital Virvi Ramos, que contempla apenas homens.
:: Para as mulheres, a idade é de 18 até 59 anos. Também serão aceitas mulheres que tiveram até duas gestações e/ou abortos. O plasma é destinado para uso compassivo.
Por doação de sangue convencional
:: É necessário ter testado positivo para covid-19, pelo exame PCR ou teste sorológico, o que confirma que o indivíduo foi infectado, além de estar recuperado e sem sintomas há, no mínimo, 28 dias.
:: Podem doar homens e mulheres, entre 16 e 69 anos, em bom estado de saúde e que sejam aprovados em triagem médica do Hemocs.
:: As amostras serão testadas em busca de anticorpos IgG contra o novo coronavírus. O plasma é destinado para uso compassivo.
Como contatar o Hemocs
:: Os interessados entram em contato pelo WhatsApp 54 99929-7491 para agendar, em horário comercial.