"Podemos voltar a sair, a ter uma rotina, ir a um restaurante, mas é preciso manter o distanciamento social e usar máscaras. Tem que ter bom senso e consciência que o perigo existe. O vírus está mesclado em meio à multidão, e não temos como saber quem está infectado".
O alerta é da infectologista Giorgia Torresini sobre as frequentes aglomerações flagradas pela fiscalização da prefeitura nos últimos dias em Caxias do Sul. À frente do combate ao coronavírus no hospital do Círculo, a especialista ressalta que o distanciamento social é necessário e segue em vigor porque sem vacina a prevenção é a única alternativa para evitar o contágio:
— Eu vejo que as pessoas já estão cansadas de ficar em casa, mas elas não avaliam os riscos. É preciso o bom senso e os limites. Todos já sabem que o vírus tem um poder de contágio muito grande.
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Juliana Argenta Calloni, que assumiu a diretoria das Vigilâncias em Saúde de Caxias do Sul no lugar da infectologista Andrea Dal Bó, que segue atuando no Centro Especializado em Saúde (CES), reitera que o distanciamento é a única alternativa para controlar a disseminação.
— A principal maneira de transmissão é por gotículas da saliva e por isso é importante o uso da máscara. Se as pessoas estão aglomeradas e sem a máscara, aumenta muito o risco de contágio. O tossir, o espirrar e até mesmo o falar são meios de transmissão da doença. Como muitas estão infectadas sem saber, vão transmitir o vírus para um maior número de pessoas.
Já Giorgia afirma que o alvo de preocupação, nos casos onde há um grande número de pessoas, é o pré-sintomático.
— Muitas vezes, essa pessoa é confundida com o assintomático, que não tem sintomas. Na verdade, o pré-sintomático é aquela pessoa que está bem, sem sintomas, então ela saí de casa, tem contato próximo com outras pessoas, sem usar máscara e transmite o vírus. Esses casos são responsáveis por 47% das transmissões. A pessoa não sabe que tem, e está transmitindo o coronavírus há pelo menos três dias, e irá ficar doente.
Ela acrescenta que o sintomático ainda é responsável por 45% dos contágios:
— Aquela pessoa que tem dor de cabeça, dor no corpo, febre e tosse faz com que os demais se afastem porque dispara um alerta e um senso de proteger, então ninguém quer ficar por perto, e mesmo assim ainda é o segundo maior risco de contágio.
Já o assintomático tem uma carga viral baixa, sem sintomas e ele nunca vai adoecer, segundo a infectologista.
—Essa também transmite pouco o vírus — menos de 5%, e por não entender essa nomenclatura e achar que o assintomático transmite pouco, mas ignorando o pré-sintomático, as pessoas acabam voltando à rotina, a conviver e aumento o contágio.
Já Juliana lembra que, como os sintomas são os mesmos de uma gripe comum, o risco é ainda maior:
— Há pessoas que têm esses sintomas e não associam ao coronavírus. Eles acabam levando uma vida normal, saindo, e circulando, e se ficam sem máscara em meio às demais pessoas, irá ocorrer o contágio. Como não tem vacina, temos que nos cercar com outros meios de prevenção, e o distanciamento social aliado ao uso de máscara são as formas de manter o vírus longe.
Giorgia finaliza:
— Há informações distorcidas e as pessoas acabam se baseando nelas para sair de casa. Precisamos manter o distanciamento social porque a pessoa que é pré-sintomática é o caso mais perigoso. Ela se mistura no ambiente social por estar se sentindo bem, sem saber que está infectada. Fica doente e então vemos a contaminação em núcleos familiares, de grupos de amigos, e entre pessoas conhecidas.
CONSCIENTIZAÇÃO PARA CUIDAR DE SI E DO OUTRO
É comum a fiscalização dos municípios identificar aglomerações em festas, postos de combustíveis, restaurantes, parques, praças e em jogos de futebol. Em Caxias do Sul, a situação é a mesma: uma série de flagrantes nos últimos dias mostra que uma parcela dos caxienses ignora os protocolos de distanciamento. Em outros casos, restaurantes com mesas ao ar livre registram lotação e clientes bem próximos uns dos outros.
Por outro lado, há aqueles que desde o início da pandemia encaram com seriedade as medidas de combate e prevenção e estão há cinco meses sem conversar pessoalmente com quem more em outra casa. Só vai ao mercado, à farmácia e à padaria, mantendo distância de dois metros das outras pessoas, como medida de segurança. Não vai ao shopping, lojas ou restaurantes e não frequenta festas. Muitas dessas pessoas não têm visto sequer os familiares. Outra parte da população, contudo, não leva as medidas a sério tanto porque ignora a gravidade do vírus, quanto porque não tem mais condições físicas e mentais de permanecer a distância:
— O isolamento e o distanciamento social são agressivos ao ser humano porque vivemos em comunidade. A gente sabe que a interação necessita do olho no olho, pele na pele toque, do toque, é preciso que haja uma interação de verdade. Além disso, tem a necessidade de compartilhar as experiências e sozinho é muito difícil lidar com essa situação — explica a psicóloga, especialista em terapia cognitiva comportamental, Milena Bugs Antunes.
Ela ressalta ainda que no começo o pânico era geral ao lidar com o novo normal:
— Acredito que agora as pessoas pensam que uso de máscara e lavar as mãos ou usar álcool gel vai resolver tudo porque elas "normalizaram" a nova realidade.
Para Joselaine de Barros, especialista em comportamento, as pessoas parecem estar cansadas ou tentam se acostumar com a dor, os números de mortes e de casos e, neste momento, entram em ação os mecanismos de defesa:
— Algumas têm o mecanismo da negação, nada está acontecendo, nenhum familiar meu ainda pegou, é só a imprensa. Ai engatamos a projeção, que é outro mecanismo de defesa: a imprensa que está inventando isso, as pessoas que não se cuidam e a responsabilidade é do outro de se isolar e se cuidar. Nesse caso a pessoa se isenta da própria responsabilidade.
O mecanismo de defesa que seria o mais saudável, é o de sublimação, quando a pessoa fez atividades para si e para o outro, transformando o que é ruim em bom.
— O momento é novo, e talvez a gente tenha que se habituar, e talvez em manter essa regras para a vida, porque podem vir outras pandemias, e então estaremos preparados — alerta Joselaine.
As duas psicólogas frisam, no entanto, que apesar dessa necessidade de estar em contato com as pessoas, é um momento atípico e que ainda exige cuidados e conscientização para cuidar de si e do outro:
— É necessário empatia, se colocar no lugar do outro e pensar, principalmente, naquelas pessoas que são do grupo de risco. Tem que refletir e pensar como os outros países tiveram sucesso controlando a pandemia com distanciamento social, que sem dúvida até então é o único jeito de controlar o contágio — diz Milena.
Joselaine fala que o autocuidado é um sinal de inteligência:
— Para enfrentar as adversidades, riscos e perigos pensamos em nos proteger, em nos cuidar em busca da autopreservação, e foi assim que sobrevivemos e prosperamos durante todos esses anos.
Para conseguir lidar com o distanciamento, Milena orienta.
— Tem que criar uma rotina criativa dentro de casa para se sentir bem: gerar emoções positivas, organizar um jardim, cozinhar, ler um livro, e até mesmo se distanciando das redes sociais que gerem ansiedade. É necessário ter novos hábitos e pensar em estratégias e atividades que dão prazer e que muitas vezes a gente não fazia porque estava nessa questão muito mais externa do que interna.
Para Joselaine cada um tem que fazer a sua parte:
— Para que todos estejam bem tenho que fazer a minha parte, e não esperar que só os outros façam. É o momento de cada um ser responsável pela manutenção das regras, e que cada um seja responsável por fazer a sua parte em busca de uma sociedade melhor, e para isso precisamos pensar e cuidar dos outros.
Para finalizar, ela fala da questão mais ética:
— Eu devo fazer isso? E se conscientizar que nesse momento eu não devo para o meu bem e para as pessoas que eu amo. O quanto antes nos cuidarmos individualmente, antes vamos sair de tudo isso. E, por último, eu posso fazer isso? É moral, é ético ir para uma festa, que agora é clandestina? Cada um tem que se questionar, e se cuidar e se cobrar e fazer a sua parte no combate ao vírus.
MUNICÍPIO BUSCA CONSCIENTIZAÇÃO
O secretário de Urbanismo, João Uez, ressalta que é preciso que a população se conscientize de que o distanciamento é necessário:
— Se a população não se conscientizar não adianta ter um fiscal em cada esquina. Uma minoria da população ainda não entendeu o significado e a gravidade da covid-19 e talvez só vão entender quando sentirem na pele, quando perderem um familiar ou na própria pele.
A preocupação aumenta ainda mais com a chegada de dias secos e quentes: quando o número de pessoas nas ruas deve aumentar.
— As aglomerações têm crescido, e vão aumentar com a chegada do calor e do sol. Pedimos àqueles que têm consciência sobre a necessidade de manter o distanciamento que orientem seus familiares e amigos — ressalta Uez.
O diretor de Fiscalização da Secretaria de Urbanismo (SMU) de Caxias do Sul, Rodrigo Lazzarotto ressalta que o comportamento das pessoas é decepcionante:
— Temos um número reduzido de fiscais, e batemos nessa tecla porque a equipe está esgotada devido às inúmeras ações para fiscalizar e verificar as denúncias. Estamos decepcionados com o comportamento e a falte da conscientização. Não há como proibirmos. Já recebemos mais de uma vez denúncias de uma mãe que o filho está indo jogar futebol numa quadra de futebol set. Vamos lá, fechamos e reabre no final de semana seguinte.
Ele desabafa:
— Há campanhas, ações, notificamos, multamos, e as denúncias chegam perto de 5.600 desde março. É um comportamento ligado à educação, as pessoas desconhecem que a pandemia provoca várias mortes, que os jovens estão morrendo, que o vírus não é algo simples e a gente tem trabalhado da forma que pode. Vamos continuar com a fiscalização, mas sem a conscientização das pessoas não vamos chegar a lugar nenhum.