Todos os profissionais merecem descanso. Isso inclui os médicos que atuam no Sistema Único de Saúde (SUS) em Caxias do Sul. O problema é quando as férias, aliadas às licenças saúde ou maternidade, acentuam ainda mais as barreiras no atendimento nos postinhos. A população é prejudicada já que não há substitutos. Os pacientes buscam consultas nos bairros, mas sem ter médico disponível, recorrem aos serviços de urgência e emergência, como a UPA Zona Norte e a UPA Central, que lotam e tem um perfil de atendimento diferente das UBSs. E mais, os pacientes convivem com a incerteza do diagnóstico.
Um levantamento da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) realizado no dia 12 deste mês, aponta que, de 49 UBSs do município, 31 terão médicos em férias até o dia 3 de março. Isso resultará em 54 profissionais longe das unidades em determinados intervalos de tempo.
De 91 clínicos, 20 estão ou estarão de férias em fevereiro. De 55 pediatras, 17 ficam fora dos postos em vários períodos do mês. De 40 médicos de Estratégia Saúde da Família (ESF), seis estão em férias e, dos 41 ginecologistas e obstetras, 11 estarão de recesso. O número pode aumentar se considerar os atestados e as licenças.
De acordo com o município, nenhuma comunidade está desassistida, já que todas as UBSs contam com pelo menos um médico, sendo que a maioria das unidades dispõe de mais profissionais.
Além disso, os pacientes são remanejados para postinhos próximos ao do bairro onde moram. A situação, no entanto, tem revoltado a população, uma vez que os pacientes acordam cedo para tentar garantir atendimento, enfrentam longa fila e espera e nem sempre conseguem consultas.
60 LIGAÇÕES SEM RETORNO
O aposentado Jonas Montanari, 64 anos, conseguiu marcar consulta no último dia 11 depois de mais de um mês indo até a UBS Santa Lúcia Cohab. Ele reclama que o agendamento por telefone não está funcionado:
– Tentei agendamento por telefone, mas só dá sinal de ocupado. Uma outra senhora que estava na fila comigo também tentou. Somando as ligações dela e as minhas foram 60 chamadas sem atendimento, e na Ouvidoria da Saúde também 0chama e ninguém atende.
O aposentado questiona ainda as filas que se formam nas segundas e terças-feiras quando são distribuídas as fichas para os atendimentos da semana:
– Como vai ficar no inverno aqui na cidade? Quem tem problemas ficará ainda mais doente. Entendo que a demanda aumentou porque o bairro cresceu e o número de pessoas que cancelaram o plano de saúde tem impacto, mas precisa organização. Quem sabe ampliar o tempo que os médicos passam nos postos de saúde, porque o profissional atende 16 pessoas, mas poderia atender 32. Um plano de saúde não completo fica em torno de R$ 880, completo sai R$ 1,6 mil então, temos que esperar na fila para ser atendido – relata Montanari.
Camila Corrêa Silva, 25, também contatou à reportagem para reclamar da falta de especialista. Ela está no terceiro mês de gravidez e mora no bairro Cristo Redentor. A ginecologista do posto está de férias e só retorna no dia 22.
– Passei por problemas financeiros e cancelei o plano de saúde. Seria a primeira vez que iria recorrer ao SUS, mas como liguei e soube que a médica está de férias, optei por pagar a consulta particular. Eu não poderia usar esse dinheiro agora, mas vou parcelar no cartão para garantir – afirma Camila.
Situação semelhante em janeiro
Em janeiro, a situação foi similar. De 92 clínicos, 28 estavam de férias e quatro de atestado. Dos 37 de Estratégia Saúde da Família, cinco estavam de férias e um de licença para tratamento de saúde. Dos 55 pediatras, 13 estavam de férias, quatro de licença e uma médica de licença maternidade. De 41 ginecologistas e obstetras, 12 estavam de férias e um de licença.
Ainda segundo a SMS, foram realizados 51.134 atendimentos, sendo que 6.678 pacientes faltaram nas consultas, o que equivale a quase 13%.
Em uma das unidades mais movimentadas da cidade, a do Esplanada, no último dia 28, uma das filas, que era para agendar dentista, dobrava a esquina do posto de saúde. Na outra fila, o aposentado Julci Brandalise, 62, aguardava para garantir uma ficha para marcar consulta com um clínico geral.
– Cheguei às 4h e são 14 fichas. Já tinha vindo, mas aí eram 9 fichas e não consegui. Dessa vez consegui, mas é bem complicado – desabafou.
Marlene Chagas, 52 anos, e o filho dela, Jorge Felipe Chagas Vergara 15, chegaram no posto por volta das 5h para conseguir uma ficha e marcar consulta:
– Dependemos de saúde pública e nem sempre conseguimos atendimento. Um médico saiu mais cedo e outro estava de folga e aí os pacientes têm que esperar na fila – relatou Marlene.
Janaína Lira Lemos, 29, levou uma cadeira de praia para esperar o posto de saúde abrir:
– Para conseguir consulta tem que acordar bem cedo e passar a madrugada na fila.
Nas UBSs Desvio Rizzo e Cruzeiro, pais buscavam atendimento para os filhos. Luciane da Silva, 29, levou o filho Antoni, de um ano, para consultar:
– É a segunda vez que vim até o posto de saúde porque a pediatra dele está de férias. É rotina, e entendo que seja um período de férias, mas o atendimento fica prejudicado.
Na UBS do bairro Cruzeiro, um cartaz avisava aos pais que o pediatra está de licença por tempo indeterminado.
CONTRAPONTO
O secretário da Saúde, Jorge Olavo Hahn Castro, ressalta que a atual administração assumiu a pasta com déficit de 21 médicos.
– Tentamos realocar os profissionais, mas muitos pediram demissão para residência ou porque foram chamados pelo Exército. Essa baixa impacta.
Ele explica que os médicos aprovados no último concurso foram chamados. São 18 clínicos, três ginecologistas/obstetras, sete pediatras e cinco de Estratégia Saúde da Família.
– Enquanto não terminar as nomeações e o prazo do concurso, não podemos fazer contratos emergenciais. Podemos é remanejar profissionais, mas tem um limite. O ideal são as nomeações, mas não temos como saber quantos vão assumir.
Em relação à Ouvidoria, o secretário afirma que identificaram problemas no atendimento:
– Tinha só um funcionário, então ampliamos o horário dele, e nomeamos outro profissional para que possam atender.