O descumprimento de acordos de financiamento à pesquisa científica sinalizado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) diante do corte de verbas federal preocupa universidades de todo o país. O clima de tensão gerado pela incerteza a respeito do futuro da educação universitária permeia os debates do Fórum de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação da Região Sul (Foprop Sul) 2019.
Desde a manhã desta quinta-feira (5), o evento reúne representantes de instituições fomentadoras de pesquisa do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná na Universidade de Caxias do Sul (UCS), instituição que, desde o início de 2019, já contabiliza 41 bolsas que deixaram de ser ofertadas pelo sistema Capes, o que representa um valor total de R$ 801 mil anual que deixará de circular na cidade.
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Realizado anualmente, o Foprop Sul traça desafios e objetivos posteriormente levados ao encontro nacional, que neste ano ocorre em novembro, no Rio de Janeiro. Para o mesmo mês está prevista uma conclusão a respeito da Lei Orçamentária Anual (LOA), apresentada pelo Governo Federal com a proposta de reduzir pela metade o investimento em pesquisas científicas no ano que vem.
— Não temos dúvidas do impacto intelectual que isso causa, mas queremos mostrar pra sociedade que não é só isso. O bolsista está consumindo, alugando imóvel na cidade, comprando no supermercado, então o corte representa um dinheiro negado não apenas ao pesquisador, mas à sociedade como um todo — aponta o pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação da UCS, Juliano Rodrigues Gimenez.
De acordo com ele, a UCS conta atualmente com 261 bolsas ativas de pós-graduação, que englobam cursos de mestrado e doutorado, além de outras 230 bolsas de iniciação científica para estudantes de graduação e Ensino Médio. Segundo Gimenez, o valor de incentivo anual totaliza R$ 7 milhões.
— A previsão de corte da LOA causaria um impacto absurdo, temos que espernear para que esse orçamento não seja aprovado da maneira como está posto — afirmou o pró-reitor, que pretende aproveitar o fórum para elaborar um manifesto colaborativo com apontamentos a respeito dos cortes realizados e sinalizados pelo Ministério da Educação.
Gimenez levantou a questão abrindo o encontro da tarde de ontem, que debateu perspectivas e desafios para o fomento à pesquisa, pós-graduação e inovação no Brasil, reunindo cerca de 50 pessoas no Bloco M da UCS.
O encontro previa uma explanação do presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), general Waldemar Barroso Magno Neto, porém ele não compareceu.
Também previsto na programação, o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc), Fabio Zabot Holthausen, trouxe dados da pesquisa científica catarinense e enalteceu um programa de incentivo que está sendo elaborado com a ideia de destinar parte dos recursos estaduais à pesquisa que seja voltada para a solução de demandas do setor produtivo, da sociedade e do próprio governo.
O presidente reforçou a importância da busca de soluções conjuntas que reduzam o impacto dos cortes, anunciando um chamamento que será realizado em breve visando um programa de fomento conjunto na Região Sul.
Diagnóstico da crise
O Rio Grande do Sul ocupa hoje a quarta posição no ranking nacional, contribuindo com cerca de 11% da produção científica brasileira. Dos 23,5 mil pesquisadores matriculados em pós-graduação no Rio Grande do Sul, 40% contam com bolsas que recebem um investimento mensal de R$ 6,6 milhões. Somente para UCS são R$ 454,9 mil repassados por mês.
Estes foram alguns dados apresentados pelo presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs), Odir Antônio Dellagostin durante o encontro.
— É importante que a gente comece a pensar em valores e não só em números de bolsa — destacou Dellagostin, lembrando que a Fapergs complementa os incentivos federais, porém não tem como substituir o orçamento que poderá vir a ser cortado.
— Pra vocês terem uma ideia, dos R$ 22 milhões que seriam investidos pela Capes em 2019, o valor repassado não chegou a R$ 7 milhões. O Capes está deixando de cumprir acordos de investimentos previstos para bolsas de pós-graduação em universidades gaúchas.
Dellagostin apresentou ainda o Programa Doutor Empreendedor, que está sendo elaborado como alternativa perante o cenário da redução de oportunidades aos pesquisadores no meio acadêmico, além do índice de desemprego entre mestres e doutores, que hoje chega a 25%.
Desenvolvido em parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e com o Sebrae, o projeto pretende disponibilizar bolsas de pós-doutorado para quem tenha interesse em empreender. Com um custeio total de R$ 24 mil, que cobre custos como a elaboração de um plano de negócios, o programa selecionará acadêmicos que apresentem projetos de desenvolvimento científico e tecnológico.
— Queremos dar perspectiva aos estudantes que entram hoje nos cursos de doutorado e entendemos que esta será uma forma de transformar conhecimento em riqueza para a população.
O que fazer?
— Precisamos parar de passar pano, o que está acontecendo é aterrador — declarou o professor Flávio Fernando Demarco, da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel), que diante de cortes federais deverá fechar as portas no mês que vem por falta de condições financeiras.
Demarco coordena o Foprop Sul deste ano e encerrou o encontro da tarde de quinta-feira com uma análise a respeito da situação das agências financiadoras de pesquisa nacional e propostas de ações que podem ser adotadas pelas instituições de ensino.
— O estrangulamento de financiamento pode resultar em uma estagnação do nosso nível de produção científica. Estamos economizando no que gera tecnologia e empregabilidade. Não é este o tipo de economia que queremos — ressaltou.
Para Demarco o momento pede que as instituições se manifestem, denunciando os cortes e promovendo mobilizações que possam debater alternativas. Além do documento que será elaborado no fórum local, ele propõe que as instituições busquem os parlamentares representantes de cada Estado para evitar que o projeto de cortes na lei orçamentária seja aprovado.
Programação
Na manhã desta sexta-feira (6), o Forpop-Sul, sediado pela UCS, contará com uma mesa redonda sobre Inovação, Ciência e Tecnologia como Estratégia de Evolução da Matriz Econômica. O encontro prevê a participação do secretário adjunto e diretor-geral da Secretaria Estadual de Inovação, Ciência e Tecnologia, Fernando Mattos, e do secretário de Desenvolvimento Econômico Sustentável de Santa Catariana, Lucas Esmeraldino. O evento, que teve início na manhã de quinta-feira, se encerra nesta sexta, ao meio dia.