Dados apontados pelo Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre (DPVAT) mostram que, diariamente, 150 pessoas morrem no trânsito no país. É como se um avião caísse todos os dias. A estatística é impactante e repetida frequentemente pelo fiscal de trânsito Leonardo Hackbart, 47 anos, em abordagens ou palestras. Ele usa esse dado para ilustrar por que é tão importante ser responsável no trânsito e obedecer às leis de trânsito. Um dos profissionais mais antigos da equipe em Caxias do Sul, Hackbart completa 15 anos de serviço neste mês — mesmo tempo de criação da fiscalização de trânsito.
Leia mais
Em Caxias do Sul há 74 agentes para fiscalizar uma frota de 308 mil veículos
Conheça o bloqueador de fuga, o novo aliado nas fiscalizações de trânsito em Caxias
Excesso de velocidade foi infração mais recorrente nas rodovias estaduais da Serra
Apesar de o controle das ocorrências somente com danos materiais ter sido repassado à administração municipal em 1998 — naquele período, a prefeitura repassou à Codeca a contratação dos agentes — foi em 2003, com a realização de um concurso público, que aqueles funcionários foram integrados ao quadro de servidores da Secretaria de Trânsito, Transportes e Mobilidade e se tornaram, oficialmente, fiscais municipais de trânsito, os conhecidos amarelinhos.
Por regra, a principal função deles é permitir que o trânsito flua com mais segurança, garantindo a mobilidade em ruas e avenidas da cidade.
— Nosso papel é proteger a vida e a integridade física das pessoas. Eu estou ali para cuidar das pessoas, não para multar. Só vou fiscalizar quando há algo errado — argumenta Hackbart.
A tarefa dele e dos 73 colegas não é fácil. Conforme o diretor de Trânsito e Transportes da secretaria, Pedro Cogo, não são raros os casos em que os servidores são agredidos verbal e fisicamente por condutores.
— Acho que esse embate com o condutor que não admite o erro é a parte mais difícil do nosso dia a dia. Nosso trabalho é pensar no todo. No momento em que se notifica um motorista que estacionou em uma saída de garagem, por exemplo, garante-se o direito de uma família de sair de casa, muitas vezes por uma necessidade urgente — justifica Cogo.
Mais transparência durante as abordagens
Quando 50 fiscais concursados começaram a atuar, em 2003, eles fiscalizavam apenas com auxílio de caneta e bloco e duas viaturas davam conta da demanda dos servidores, que, em sua maioria, patrulhavam o trânsito a pé. Hoje, são 10 viaturas, uma van e 15 motocicletas. Está em teste o uso de câmeras digitais individuais de corpo, que ficarão acopladas ao uniforme dos agentes.
Dessa forma, as abordagens em todas as operações da secretaria ficarão gravadas, permitindo que a população também solicite quando necessário. Além de adicionar tecnologia ao serviço, a medida permite mais transparência ao trabalho dos agentes. A câmera gravará com áudio, modo de visão noturna, gerar fotografia em cada frame e informar data, horário e local da cena gravada.
— O uso desse equipamento demonstra a confiança que temos no trabalho dos nossos agentes, no modo como fazem as abordagens e como o motorista reage a isso — afirma Cogo.
O secretário de Trânsito, Cristiano de Abreu Soares, também se diz confiante no serviço da equipe:
— Infelizmente, detectamos que a forma como as pessoas reagem às abordagens nem sempre é adequada e com educação. Ninguém recebe uma multa e fica satisfeito. Mas é preciso mudar a forma de como as pessoas enxergam os fiscais. Eles estão aí para educar o motorista.
"Multas não vão para salários", diz diretor de trânsito
O diretor de trânsito e transportes da secretaria, Pedro Cogo, também lamenta que as pessoas continuem reproduzindo a informação de que os fiscais de trânsito têm meta de multas a expedir. Segundo ele, todo o valor arrecadado com as multas cometidas no município é enviado a um caixa específico e só pode ser aplicado em sinalização, engenharia de tráfego e campo, policiamento, fiscalização e educação, conforme determina o Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
— Ou seja, nenhum centavo vai para o bolso do fiscal. É falsa esse senso comum de que o fiscal está multando para garantir o salário ou o pagamento do 13º. Esses valores só podem ir para essas áreas — garante.
Embora não exista um balanço do total de multas emitidas nesses últimos 15 anos, o diretor afirma que o primeiro lugar na lista das infrações mais cometidas seja o estacionamento irregular. Neste ano, por exemplo, já foram 8.701 casos.
— Decorre principalmente da área de estacionamento rotativo — avalia Cogo.
Ainda em 2018, também aparecem frequentemente na relação das mais frequentes o excesso de velocidade (5.580 infrações), ultrapassar o sinal vermelho (2.180) e dirigir falando ao celular (2.162)
Início teve foco educativo
A prefeitura assumiu a fiscalização de trânsito em setembro de 1998 para cumprir exigência do Código de Trânsito, que determina que a fiscalização seja de responsabilidade dos municípios. Após uma ação popular questionar a fiscalização feita pela Codeca, pelo fato de a segunda etapa do convênio não ter recebido autorização do Legislativo, foi criada a fiscalização de trânsito em 2003. Durante o período anterior, quem prestava o serviço era a Brigada Militar.
— Nós começamos com o foco de educar. Tanto é que uma das primeiras ações foi a organização da Escola Pública de Trânsito, que fazia esquetes sobre uso de cinto de segurança e outros assuntos importantes. A primeira função do agente é educar, mas sinto que hoje, lamentavelmente, é levado de uma maneira mais focada em punir — critica o ex-secretário de Trânsito Édson Marchioro, que ajudou a implantar o serviço.
Marchioro lembra de campanhas de conscientização como a ação Quem avisa amigo é, que trabalhava com motoristas que cometem irregularidades no estacionamento rotativo pago. Atualmente, a fiscalização tem um novo combate: motoristas que trafegam mexendo ou falando no celular. Neste ano, foram 2.162 motoristas autuados.
— É claro que uma parcela da população não se adequa e precisa ser punida, mas é sempre bom lembrar que demonstrar autoridade não precisa ser autoritarismo. Por isso, sempre que possível, ações que levam ensinamentos de forma lúdica e preventiva precisam ser reforçadas — sugere Marchioro.
"Há também um papel social", diz diretor da EPTC
Em cidades que apostam e usufruem de tecnologia nos processos de fiscalização, não é necessário um número elevado de fiscais. A opinião é do diretor de operações da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), Fabio Perwanger. A EPTC é responsável pela gestão do trânsito em Porto Alegre, e dispõe de 500 agentes, em média. Os recursos tecnológicos que Perwanger cita vão desde câmeras de videomonitoramento até o talonário eletrônico, usado pelos fiscais na hora de emitir multas. Isso agiliza o trabalho e minimiza erros, garante. O sistema é usado na Capital e também em Caxias do Sul.
— O cenário ideal é trabalhar a fiscalização em três pilares: engenharia, fiscalização e educação. Só uma das pernas não funciona. O agente tem de punir e educar. Emitir uma notificação é apenas 15% do que o agente faz todos os dias — opina.
O papel do fiscal vai além: em Porto Alegre, são vistos como "os olhos do prefeito", segundo o diretor, já que passam maior parte do tempo nas ruas e podem levar as demandas da população para o gabinete da prefeitura.
— Há também um papel social importante. Nós tivemos uma redução importante no número de acidentes fatais, vidas que poupamos graças à presença do agente de trânsito nas ruas. Há 20 anos, perdemos 199 pessoas no trânsito dentro de Porto Alegre. Hoje, são 72 pessoas. Há muitas vidas perdidas, mas a redução se deve também aos agentes da EPTC — garante.