Em Picada Café, município da região das Hortênsias com pouco mais de 5,6 mil habitantes, não há escola particular. Se um colégio privado funcionasse ali, certamente, não teria tantos interessados. Isso porque a oferta de disciplinas, oficinas e a estrutura encontrada nos colégios municipais é invejável a qualquer instituição de ensino.
Não só porque todas as salas são equipadas com ar-condicionado ou as quatro refeições diárias que alunos usufruem são elaboradas por nutricionista, mas também porque alunos de Picada Café que frequentam a rede têm aula de ginástica, música, alemão, ciclismo, danças aéreas, entre outros atrativos. É fácil, portanto, entender por que o município ocupa a primeira colocação do Estado no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) nas séries iniciais e terceiro lugar nas séries finais: os alunos sentem prazer em ir à aula, o que incentiva professores e pais a acreditar mais na educação.
— Nós nos sentimos em casa aqui, os professores estão felizes nos esperando, a turma é legal. Quando eu fazia aula de ciclismo, por exemplo, eu andava por toda a cidade com a turma de bicicleta. É muito legal — confessa o aluno Mathias Cauã Wickert, do 8º ano da Escola Municipal de Ensino Fundamental Santa Joana Francisca.
Os índices educacionais em Picada Café são elevados. No Ideb, alcançou nota 8 (de um máximo de 10) nas séries iniciais, o maior índice registrado em escolas municipais gaúchas. A própria média para a área no RS ficou em 5,6.
Pela quinta vez desde 2007, a cidade também conquistou o título de melhor educação do Estado pelo Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese). Esta estatística é elaborada pela Fundação de Economia e Estatística (FEE) e foi divulgada em março deste ano. Para seguir na liderança de rankings tão respeitáveis, a prefeitura encontra respostas em uma decisão política que parece ser convincente. Desde que emancipada de Nova Petrópolis, em 1992, os secretários de Educação de Picada Café já foram diretores de escolas ou professores que atuaram em cargos de liderança em instituições públicas.
— Como todos os professores e diretores são concursados, acabam vivendo essa filosofia de trabalho que é dar boas condições aos professores nas escolas, e isso chega ao aluno. Nós investimos muito em qualificação e formação dos docentes. Eles estão a todo momento participando de jornadas pedagógicas ou outros estudos — destaca o secretário de Educação, Marcelo Marin, que, inclusive, passou pela direção da Escola Santa Joana Francisca.
O investimento no orçamento anual do município em educação também é expressivo. Em 2017, segundo dados da Secretaria de Educação, 32,75% do orçamento foi destinado à área, quando o obrigatório em lei é de 25%. Segundo a pasta, todos os jovens de quatro a 14 anos estão matriculados, e a taxa de evasão escolar é zero.
"Seu filho está feliz na escola?"
Obviamente, o desafio de oferecer ensino de qualidade aos 1.143 alunos inscritos na rede pública de Picada Café é infinitamente menor do que em cidades grandes como Caxias do Sul, Bento Gonçalves ou Farroupilha _ para comparar, apenas o Instituto de Educação Cristóvão de Mendoza, em Caxias, tem cerca de 1,2 mil estudantes. Mas há um ingrediente muito importante em Picada Café que mantém alunos e professores motivados: os pais abraçam os colégios de verdade.
— A participação dos pais em assembleias, entregas de boletim ou em eventos que convocamos chega a 98%. E os pais que faltam, geralmente, nos avisam antes. Ou nós ligamos e marcamos algo individual. Tem pais que dão a vida pelo colégio — comemora Rosmary Fritzen, diretora da Escola Santa Joana Francisca.
Os pais respondem a fichas de avaliações aos diretores a cada três ou seis meses. Nas correspondências devolvidas à direção, estão sugestões de assuntos para serem trabalhados, dicas para melhorias em sala de aula e a atenção especial à pergunta: "seu filho está feliz em nossa escola?".
O horário da escola, inclusive, foi alterado para que os pais possam deixar as crianças e adolescentes antes de iniciar o expediente nas fábricas calçadistas que movimentam boa parte da economia da cidade: os portões abrem às 6h30min.
Ao todo, Picada Café tem cinco escolas públicas: uma de Ensino Médio, da rede estadual, além de duas de Ensino Infantil e duas de Ensino Fundamental (com turno integral), todas municipais. Há duas creches infantis gratuitas, geridas por uma parceria público-privada com investimento da prefeitura, empresa e pais. Para as creches, o investimento é de R$ 20 por mês dos pais. Nas escolas, o turno integral custa R$ 35 mensais às famílias.
"O público precisa ter a garantia da infância", diz especialista
Formatos de educação como os que os colégios municipais de Picada Café oferecem costumam dar certo por fugir do tradicional currículo e, desta forma, atraem o aluno ao colégio. Mais horas em sala de aula nem sempre precisam oferecer apostilas extensas ou intensificar a conhecida fórmula de decorar conteúdo para provas: é preciso que o aluno tenha tempo para ser criança ou adolescente.
— O público precisa ter a garantia de ser infância, a garantia da ludicidade e da imaginação. O esporte oferece isso, claro, e as diferentes estratégias que dão noção plena da infância. Quanto mais você se aproxima do currículo convencional da escola, você cria mais aversão do que aproximação — opina o professor e doutor em Letras Delcio Agliardi.
O especialista ainda pondera os benefícios que atividades diferentes inseridas no currículo escolar podem trazer: socialização, interesse e gosto sobre temas como literatura, que desenvolvem aproximação com a comunicação e a palavra.
— Você não pode terceirizar o cuidado da família para a escola, mas pode pensar: se houvesse um indicador de felicidade, quais são as crianças felizes em sua infância? A escola pode contribuir para isso. É lógico que isso refletirá nas notas, no rendimento— observa.
A professora Maria Beatriz Luce, mestre e doutora em Educação pela Michigan State University (EUA), afirma que é importante, porém, ponderar que indicadores como o Ideb nem sempre mostram o rendimento completo do aluno, já que foca em português e matemática e abrange somente determinados períodos. No entanto, mostra que esforços como os que acontecem em Picada Café costumam ter bons resultados em sala de aula.
— Antigamente, esta região do Estado tinha uma educação muito frágil, com altos índices de analfabetismo, inclusive. Isto mostra que é bom termos um bom planejamento da educação em todas as condições das escolas, incluindo forte formação dos professores, para trabalhar com desafios como analfabetismo — afirma.
Cooperativa lucrativa e horta para alimentar
Os quase 200 alunos que frequentam o ensino integral na Escola Municipal Santa Joana Francisca participam de aulas dificilmente encontradas em escolas públicas. De patinação à edição de vídeos, de aula de alemão até a prática de ciclismo. O tempo livre é preenchido com exercícios que trabalham noções de civilidade, habilidades manuais, lúdicas e cognitivas das crianças. O resultado disso tem a participação direta de jovens que defendem seu colégio.
— Estes dias, uma criança fez um ato de vandalismo no banheiro, estragou um vaso. A indignação dos alunos quanto a isso nos deixou surpresas. Eles sentem que o colégio é deles, acreditam e se orgulham do que aprendem aqui — afirma a diretora Rosmary Fritzen.
A professora do 4º ano Neusa Morshel Weber somou a experiência do trabalho rural com o curso de Gestão Rural, e criou uma horta de dar inveja a muitas famílias: aipim, alface, cenoura, nabo e até moranguinhos são cuidados pelos alunos, que aproveitam para provar estas delícias nas refeições da escola.
— Meu pai trabalha na roça, mas eu não participava tanto. Mudei bastante depois que comecei a ajudar na horta do colégio, me interessei mais em agricultura familiar — admite a aluna Thais Lehmen, 12 anos.
A professora Thais Stoffel ensina tecnologia para as crianças: eles gravaram e editaram vídeos que divulgaram a festa do município neste ano nas redes sociais. Há também uma cooperativa _ criada, organizada e mantida por alunos e ex-alunos. Neste ano, eles fabricaram sabonetes, álcool em gel e gel para cabelo e comercializam a preços simbólicos. A renda é revertida para consertos e outras melhorias dentro do colégio. No momento, eles lutam para arrecadar recursos para consertar o ar-condicionado de uma das salas.
— Nós temos livro-caixa, fizemos ata, cuidamos do financeiro. Eu tenho uma noção muito boa de administração aqui — afirma a presidente da cooperativa, Tainara Adams, 14.
O QUE É O IDEB
# O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) é o principal indicador da qualidade da educação básica no Brasil. A cada dois anos, em uma escala que vai de 0 a 10, calcula o desempenho das escolas públicas e privadas do país no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, a partir questões aplicadas aos alunos em provas de língua portuguesa e matemática e da taxa de aprovação.
# A meta para o Brasil é alcançar a média 6 até 2021. As escolas da rede privada participam por adesão, e não é calculado o Ideb delas, apenas a média de toda a rede.
# Os resultados do Ideb 2017 para escola, município, unidade da federação, região e país são calculados a partir do desempenho obtido pelos alunos que participaram do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) 2017 e das taxas de aprovação, calculadas com base nas informações prestadas ao Censo Escolar 2017.
# Somente têm suas notas divulgadas as escolas com pelo menos 10 alunos matriculados nas etapas avaliadas _ 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e 3º ano do Ensino Médio _ e em que o número de alunos participantes do Saeb 2017 tenha