O pedido de perdão à comunidade caxiense do bispo diocesano dom Alessandro Ruffinoni é uma atitude inédita no clero da Serra. O posicionamento do líder religioso só chegou no quinto dia após o padre cantor Ezequiel Dal Pozzo ter sido indiciado pela Polícia Civil por suspeita de ter agredido uma mulher que se dizia ex-namorada dele. Não há registros de uma iniciativa semelhante na história da Igreja Católica de Caxias do Sul e região, já que poucas vezes líderes recuaram tão claramente diante de crises na instituição. O gesto de humildade é uma resposta ao constrangimento causado pelas denúncias, sendo que o clero caxiense afirma aguardar um desfecho do caso na Justiça antes de manifestar opiniões sobre os envolvidos nas denúncias.
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— O mínimo que posso fazer é pedir perdão porque há muita gente que se sentiu ofendida, desiludida com a religião. Eu me sinto humilhado e ofendido, e encontro dificuldade em fazer minhas visitas pastorais. Preciso levar alegria aos bairros, mas é também um momento de dor — admite dom Alessandro.
O bispo não adianta qual será o futuro do padre Dal Pozzo dentro da igreja. Ele diz que aguarda os próximos passos da investigação já que "não está autorizado a condenar ninguém". Por enquanto, Ezequiel não pode celebrar missas na Diocese de Caxias do Sul, que abrange 32 municípios na Serra. Ao sinalizar o arrependimento da igreja diante da exposição causada pela divulgação do caso, dom Alessandro demonstra um pouco do que é a nova igreja proposta pelo argentino Jorge Bergoglio, o papa Francisco. Ao conduzir a celebração de Pentecostes na Praça São Pedro no ano passado, o papa ressaltou que o perdão é "o começo da nova Igreja".
— O perdão é a cola que nos mantêm unidos, o cimento que une os tijolos da casa. O perdão liberta o coração e permite-lhe recomeçar: o perdão dá esperança. Sem perdão não se edifica a Igreja — explicou Francisco.
Dom Alessandro também já deu demonstrações de aproximação com o povo. Por exemplo: celebrou o Natal e a Páscoa de famílias que moram em uma área invadida, no Vila Verde II, e também tentou intervir para protelar o despejamento dessas comunidades previsto para esse mês. No próximo fim de semana, o bispo batizará quatro crianças do loteamento. Ele pediu que os pais escolhessem o cenário do batizado e, por isso, irá fazer a cerimônia com os pequenos na Catedral Diocesana. Nada, porém, se compara ao pedido de perdão.
Só o futuro dirá qual será o impacto que o gesto de dom Alessandro terá na comunidade católica e nas relações da igreja com seus próprios sacerdotes e com outras instituições. Mas a atitude é vista como o começo de um novo momento.
— Eu, pessoalmente, acho muito realista esse pedido de perdão. É um novo espírito de humanidade, de reconhecimento de que somos santos e pecadores. Podemos afirmar que hoje há mais transparência entre os padres. A solidariedade é maior entre os religiosos, sem serem corporativistas. Antigamente, bispos e cardeais costumavam esconder as coisas — reflete Pedrinho Guareschi, escritor, teólogo e doutor em Psicologia Social e Comunicação.
"Quem consegue nos perdoar, nos perdoe"
Por que o senhor pediu perdão?
O mínimo que posso fazer é pedir perdão porque há muita gente que se sentiu ofendida, desiludida com a religião. Me sinto humilhado e ofendido, e encontro dificuldade em fazer minhas visitas pastorais. Eu preciso levar alegria aos bairros, mas é também um momento de dor.
Como o senhor avalia esse momento?
Como padres, leigos, sacerdotes, religiosos esse momento serve para refletir. Porque nossa conduta precisa ser vista como exemplo. E então é preciso pensar: será que minhas atitudes são prudentes? É preciso de muita oração, luta e boa vontade. Que quem entende a situação e consegue nos perdoar, nos perdoe. Quem precisa de um tempo para isso, que tenha esse tempo.
O que pode acontecer com o padre Dal Pozzo?
Não estou autorizado a condenar ninguém. Ninguém está. Vamos esperar a investigação andar.
"O gesto de pedir perdão é grandioso"
Ao reconhecer os erros, a Igreja Católica toma uma atitude coerente e que abre prescedente para um diálogo cada vez maior com outras religiões e crenças, algo impensável décadas atrás. Quem defende essa teoria é o professor assistente-doutor e Chefe do Departamento de Ciência da Religião na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, Wagner Lopes Sanchez. O especialista reconhece que o catolicismo muda de comportamento ano a ano desde o Concílio Vaticano II, da década de 1960, e que o contexto de igreja humana e misericordiosa se fortalece com a chegada do Papa Francisco em 2013.
— Quando a igreja se coloca diante do mundo em atitude de humildade, cooperação e diálogo, tira aquela impressão de que é a dona da verdade, única portadora da verdade. O gesto de pedir perdão é grandioso, e Francisco tem feito isso em escândalos como o de Chile. É quando alguém se coloca disposto a mudar, é coerente — opina o professor.
O momento em que líderes se desculpam à comunidade também tem um aspecto pedagógico, opina Sanchez: o de religiosos e outras autoridades refletirem sobre o lugar que ocupam, sobre sua atuação e sobre a impossibilidade da religião esconder ou camuflar atitudes incorretas:
— A ponto de um papa vir à público e dizer que errou é uma questão extremamente dolorosa. É claro que é mais doloroso para as vítimas, como nesse caso de abuso sexual (quando Francisco pediu desculpas em relação a casos que ocorreram no Chile), mas para a igreja também é. Quando alguém diz que uma atitude coloca em dúvida a credibilidade de uma instituição como esta, é algo muito sério, algo que pessoas que exercem cargos de autoridades devam refletir sobre seu lugar na sociedade.