Como alguém que passou a infância e a adolescência no esquema sala de aula-professor-quadro-livros se sente quando é apresentado a uma faculdade virtual? Com mais de 10 anos de experiência na condução de disciplinas presenciais, o professor de Ciências Contábeis e mestre em Administração Alex Eckert, 44 anos, matriculou-se como aluno de Educação a Distância (EAD) para obter uma resposta. Assim como muitos colegas, Eckert se viu em meio a uma ruptura de conceitos no Ensino Superior, condição que coloca os docentes como aprendizes e ao mesmo tempo como personagens centrais para que a qualidade da educação não decaia com a expansão da modalidade na cidade e pelo país.
Desde que a Universidade de Caxias do Sul (UCS) mudou a grade curricular e determinou que 20% das disciplinas da maioria das graduações seriam a distância, abrangendo um público de seis mil alunos, Eckert estabeleceu uma parceria com Marlei Salete Mecca, coordenadora do curso de Ciências Contábeis da instituição. Os dois gravam aulas em vídeo no estúdio dos cursos de Comunicação Social da UCS para os estudantes do curso que estão em casa — o material é aproveitado nas disciplinas presenciais. Para quem dominava a retórica diante de uma plateia de 20, 30 pessoas devidamente acomodadas numa sala, ministrar aulas por meio de vídeo foi como cair de paraquedas num mundo em construção, onde nada está devidamente no lugar.
— Fiz o curso pela questão da empatia, para me imaginar do outro lado, ver como um estudante recebe essa mudança — conta Eckert.
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A UCS está entre os estabelecimentos de ensino que agregaram oficinas de aprendizado da linguagem digital aos docentes. Na mesma linha, seguem as instituições que tradicionalmente apostam muito no presencial e adaptam-se à evolução digital, como a Uniftec e a FSG, entre outras. Mais do que o conhecimento adquirido nos mestrados, doutorados e pós-doutorados, os professores agora precisam dominar as técnicas de repassar conteúdos para um público sem rosto com a agilidade e a linguagem que a internet exige, situação um pouco diferente das aulas presenciais, onde os livros de papel reinam soberanos e a conversa é olho no olho. Não basta, porém, dominar redes sociais ou a produção de infográficos bacanas, é necessário ter performance cativante quase como a dos apresentadores de TV e youtubers para que os receptores do outro lado da tela do celular ou computador assimilem o conteúdo. E como ser natural num ambiente artificial?
— Na adaptação, a maior dificuldade para o aluno e é administrar o tempo. No caso do professor, é a adaptação ao modelo de ensino. Tem professor que prefere usar avatar nas videoaulas, com narrativa de áudio apenas. Tem professor que prefere estar na frente da câmara, tem professor que monta a aula toda com vídeos — exemplifica Luciana Müller Somavilla, coordenadora do Núcleo de Educação a Distância (Nead) da UCS.
— Damos diversas orientações, que vai desde o comportamento na frente das câmeras, como fazer um roteiro, todos os passos para que os professores se sintam mais à vontade. Para nós é um mundo novo, estávamos acostumados a entrar numa sala de aula, dar o conteúdo. Falta, às vezes, é um pouquinho da técnica e da performance — explica a professora de telejornalismo da UCS, Marliva Gonçalves, responsável pelo treinamento atrás das câmeras.
Os docentes também são desafiados a criar fórmulas de vínculos com alunos que só irão ver duas ou três vezes no semestre ou nem isso.
— Na sala de aula, o professor responde na hora, na EAD pode demorar. O aluno é imediatista, ele precisa daquela resposta instantânea para seguir adiante para as próximas etapas. A vantagem da sala de aula talvez seja essa. Na EAD, a gente tem que imaginar como contornar isso — diz Eckert.
No semestre passado, a professora de Química da UCS Venina dos Santos viveu pela primeira vez a experiência de ministrar aulas virtuais. Ao final da disciplina, misto de encontros a distância e presenciais, quis saber a opinião dos alunos.
— Lá na avaliação (online) comentaram que ainda não estavam habituados à modalidade e que as arestas precisavam ser aparadas. Como era novo para mim, para eles também era. Neste semestre, já mudei algumas coisas que, ao meu ver, tinham problemas antes — revela Venina.
O reitor da Uniftec, Claudio Meneguzzi Jr, reforça que a inclusão dos professores em EAD é um passo decisivo na educação, mas é só uma das etapas.
— Acredito que vamos ter professores com mais competências. A EAD te torna autônomo. A ferramenta existe, mas tu precisa aprender a aprender para estar na EAD. Lembrando que as profissões não vão durar a vida inteira, pois você vai ir e voltar várias vezes para a faculdade — pondera Meneguzzi.
O que é melhor: educação a distância ou presencial? Professores respondem
— Ainda é um pouco precipitado fazer uma análise do que é o melhor. A gente está testando o modelo. Acredito que nós teremos um perfil diferente de aluno para a área EAD, ele precisar ter uma metodologia de ensino diferente, a autonomia, a disciplina. Na sala de aula, ele encontra o professor, tem horário de início e término da aula. Na EAD não, ele tem que criar isso, criar a disciplina para poder fazer os trabalhos, fazer o tempo necessário. Não basta estar acostumado com a internet e as redes, pois isso não é o compromisso formal, é diversão e lazer.
Marlei Mecca, coordenadora do curso de bacharelado em Ciência Contábeis
— O curso presencial tem a vantagem do contato direto com colegas e professores. Contato pessoal, o que potencializa e facilita o compartilhamento de experiências, construção de amizades e roda de contatos: muitos alunos descobrem oportunidades de trabalho e negócios conversando com colegas e professores, durante a aula ou intervalos. Nesse sentido, a socialização e o encontro, beneficia a vida pessoal e profissional. Em minha experiência, o contato com o professor facilita o aprendizado. Isso porque temos alunos com diferentes estilos de aprendizagem, e muitos dependem da interação, dos debates, dos questionamentos e atividades desenvolvidas em grupo, na sala de aula, para a construção e elaboração do seu conhecimento. Não tem melhor ou pior, quando se trata de modalidade de ensino. Mas o aluno deve procurar a que melhor de adapta com seu perfil e estilo de vida.
Caila Lanfredi, coordenação do curso de Pedagogia da Faculdade Ideau
— A EAD é uma revolução, um desafio. Talvez se pudesse ter feito de outra maneira, mas já que isso está posto, temos que fazer o melhor possível. Por isso, todos estão se movimentando, os professores, a instituição, os funcionários e os estudantes para fazer disso o melhor possível. Sinto que o aluno ainda é um pouquinho inseguro pelo ambiente (virtual), apesar dele estar acostumado com internet e redes sociais, não é a mesma coisa.
Marliva Gonçalves, professora de Comunicação Social da UCS
DEPOIMENTO
Estudante diz que ter um professor em sala é melhor
— Fiz dois anos de educação presencial, fiquei como estagiária alguns meses na mesma faculdade e não tive como pagar as mensalidades porque estavam subindo cada vez mais. Então, decidi ir para a EAD, pois lá eu teria condições de pagar, fiz minha matrícula, só que teve um porém: quando cheguei lá, não havia nenhum professor ao meu lado, não havia colegas também. Imaginava que teria uma pessoa para orientar no exato momento que surgiriam as dúvidas, só que não tinha. As dúvidas eram enviadas por um portal, que seriam respondidas um ou dois dias depois. Fiquei um semestre fazendo educação a distância e afirmo: esse semestre desaprendi muita coisa do que havia adquirido em dois anos com um professor do meu lado. Como consegui um emprego agora, decidi voltar neste ano para o presencial. Estudo de segunda a quinta, tenho professores que me orientam, tiram as dúvidas na hora, olham no nosso olho. Tenho colegas para trocar ideias, experiências na área. Então, ter um professor do teu lado é ótimo. Essa é a vantagem de ter estudar e ter um professor perto do jeito tradicional.
Vitória Demuti Munhoz, 19, estudante de Pedagogia