A partir deste ano, a cor amarela – aquela que pressupõe atenção, cuidado – passa a nortear oficialmente o mês de setembro em Caxias do Sul. Uma lei ordinária, sancionada pelo prefeito Daniel Guerra (PRB), institui o Setembro Amarelo na cidade, cuja intenção é criar ações de conscientização e manter o alerta sobre a necessidade de prevenção ao suicídio.
Há pelo menos cinco anos, porém, um trabalho voluntário e fora do âmbito institucional, vem ajudando a salvar muitas vidas: o dos integrantes do Centro de Valorização da Vida (CVV). Anônimos, eles dedicam seu tempo a ouvir pessoas que procuram apoio emocional ligando para o número 188.
Em todo o Rio Grande do Sul, o serviço atende a cerca de 900 ligações por dia. Hoje, em Caxias, há 58 voluntários atuando na parte organizacional da entidade ou se revezando no atendimento ao público em turnos de quatro horas. São pessoas que, a partir da vontade de ajudar, capacitaram-se e descobriram que é possível salvar vidas, simplesmente, escutando.
Do corpo para a alma
A unidade do CVV em Caxias existe desde 2012. O aposentado Marino Monteiro da Silveira, 59 anos, acompanhou as atividades da entidade desde o início.
– Eu comecei porque já estava aposentado e pretendia fazer alguma coisa em auxílio aos outros – explica.
Policial militar por mais de 20 anos, o aposentado conta que não sabia do que se tratava o CVV. Ele foi convidado para uma reunião e se interessou pela forma de atendimento às pessoas.
– Eu tinha uma referência no contato com o público, de poder perceber algumas coisas – lembra.
Após mais de duas décadas cuidando da integridade física das pessoas, ele teve de aprender a zelar pela saúde mental dos que procuram o atendimento do CVV.
– Os fatos são parecidos, mas a função que tu exerce é diferente, né? – pondera.
O voluntário dedica quatro horas semanais ao plantão do CVV, período no qual recebe ligações e conversa com pessoas em busca de apoio. O papel principal do voluntário, explica, é ouvir.
– A gente começa a perceber que o ser humano é único, é muito frágil. Por não serem ouvidos e não serem vistas é que as pessoas acabam buscando esse trabalho nosso – acredita.
Ser útil sem dar uma receita
Ao entrar no CVV em 2016, o aposentado João Machado, 60 anos, teve de reaprender a se comunicar.
– É uma quebra total dos paradigmas. Na vida lá fora, a gente tem de dar encaminhamento aos contatos que faz. Aqui não, você apenas se coloca à disposição para conversar – relata o ex-publicitário.
No CVV, os voluntários não podem se identificar a quem está do outro lado da linha, conforme explica Machado. A dedicação dele à atividade transparece pela torrente de informações que despeja sobre a história e filosofia do CVV e o número de atendimentos da entidade. Durante as conversas com quem liga para o 188, porém, a dinâmica se inverte:
– Com certeza, é mais ouvir do que falar. Me parece que hoje, com essa correria toda, as pessoas não têm com quem parar e conversar sem nenhuma avaliação ou julgamento.
Machado conta que está satisfeito com a atividade que escolheu.
– No inicio foi muito difícil, estamos acostumados a ouvir problemas e dar soluções, a vida é assim. Aqui, a gente se exercita para ouvir, escutar. Entrar dentro do sentimento da pessoa mesmo. Ser útil sem dar uma receita. De cada 10 ligações, em nove conseguimos reverter. Isso é uma compensação sem preço – conclui.
"Me sinto uma pessoa muito melhor", conta voluntária do CVV
Voluntária no CVV desde o final do ano passado, Eloisa escolheu manter o pseudônimo que usa nos atendimentos ao conversar com o Pioneiro. A empresária de 55 anos, moradora de Flores da Cunha, foi atraída à entidade pela vontade de ajudar.
– Eu sabia que esse problema (da solidão, da depressão) existia, mas não pensei que fosse tão grande – diz.
Para atender o público nos plantões, Eloisa passou por um curso que dura cerca de dois meses. Hoje, já com mais experiência, ela acredita que recebeu mais do que doou:
– Eu também lido com pessoas no meu trabalho e, tanto ali quanto na família, eu me sinto uma pessoa mais tolerante, respeito mais os outros. Esse voluntariado ajudou a mudar também a minha vida – destaca.
Outro ponto que surpreendeu Eloisa foi a relação de respeito entre os voluntários. De acordo com ela, é a ajuda mútua que permite que ela mantenha a energia durante os atendimentos, que ocorrem de forma sigilosa e anônima.
– A gente faz um treinamento para ouvir e processar e não levar para a vida da gente. Quando não consegue fazer isso, a gente divide a carga com o colega.
A voluntária incentiva outras pessoas a participarem do CVV.
– Você faz o curso para ser voluntário, mas se não quiser, ou não tiver tempo, vai se tornar uma pessoa melhor. Já é uma lição de vida.
COMO AJUDAR
O Centro de Valorização da Vida sobrevive da verba arrecadada com eventos, como jantares, bazares e palestras. A entidade também busca voluntários para atuar nos bastidores da organização ou nos plantões de atendimento.
Mais informações:
E-mail: caxiasdosul@cvv.org.br
Facebook: facebook.com/cvv141
Telefone: (54) 3534-8408
O SETEMBRO AMARELO EM CAXIAS
O quê: abertura da programação do Setembro Amarelo
Onde: auditório do Bloco H da Universidade de Caxias do Sul
Quando: sábado
9h: abertura com o quarteto de cordas da OSUCS
9h10min: palestra O suicídio do ponto de vista filosófico, sociológico e psicológico, com Luís Fernando Biasoli, Caetano Kayuna Sordi Barbará Dias e Tânia Cemin Wagner
9h30min: palestra Psiquiatria e suicídio, com Ricardo Nogueira e Andres Kieling
10h30min - Psiquiatria e suicídio, com Ricardo Nogueira e Andres Kieling
11h50min: Palavra do Centro de Valorização da Vida (CVV)
*As palestras serão transmitidas para salas do Bloco H. As inscrições para assistir às palestras por videoconferência são gratuitas e podem ser feitas até este sábado. Para participar, é necessário se inscrever pelo site ucs.br.