Maicon é corretor de imóveis, tem 30 anos e mora no bairro Consolação, em Caxias do Sul. Vânio, 37, trabalha em uma metalúrgica e vive no Nossa Senhora das Graças. Valdoir, morador do bairro Tijuca, já é aposentado. Os três fazem parte de um dos tipos de arranjo familiar menos frequentes no Brasil: o de pais que vivem apenas com os filhos, sem a presença de outros parentes.
De acordo com o Censo de 2010, apenas 1,76% dos lares do país estão configurados dessa maneira.
– Isso sempre ocorreu em algumas situações mais esporádicas. Antigamente, se a mãe não podia ficar com os filhos, muitas vezes quem assumia eram os avós – explica Maria Elisa Carpena, professora de Psicologia da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
Os números do censo confirmam: em mais de 10% das residências de Caxias, as mulheres são as únicas responsáveis pelos filhos. Os homens, em apenas 1,79%. O pequeno percentual, porém, vem aumentando: era de 1,34% em 2000.
Para Maria Elisa, há uma tendência de maior aproximação dos homens com os filhos, mas o processo é gradual:
– Hoje em dia, os homens se apropriam do papel de cuidador. É uma mudança cultural, de olhar. Uma diminuição do machismo, de certa maneira. É outra forma de olhar as relações.
Confira a seguir conta as histórias de três homens que, por circunstâncias distintas, fazem papel de pai e de mãe.
30 anos de superação
Toda quarta-feira, pela manhã, Valdoir Silveira de Jesus, 55 anos, acompanha o filho Pablo, 30, até a aula de natação. Os dois seguem juntos para o vestiário. Com movimentos suaves, Valdoir ajuda Pablo a colocar o traje de banho e eles seguem para a piscina lado a lado. O rapaz é autista, tem deficiência auditiva e problemas de visão. O pai cria o filho sozinho desde que ele era um bebê, quando a mãe saiu de casa.
– Há mais ou menos 15 anos, ela voltou a estar mais presente. Geralmente, a mãe fica com o filho, e o pai, a cada 15 dias, pega um pouquinho. O meu caso é ao contrário – conta Valdoir.
Desde o início, a criação de Pablo foi difícil, começando pela descoberta dos problemas de saúde, as sucessivas cirurgias e depois a procura por entidades de auxílio para pessoas com deficiência. Valdoir, no entanto, é pragmático ao relatar o que enfrentou:
– Eu não digo o que a maioria diz, que se tivesse que passar por tudo isso, passaria de novo. Eu não. É muito sofrido. Há muitos momentos bons, mas foi horrível, e às vezes ainda é.
O amor do pai pelo filho, no entanto, fica claro pelas atitudes. Além acompanhar Pablo na piscina toda a semana – atividade que não seria possível sem a presença de Valdoir – ele também leva o rapaz para passeios diários de bicicleta. Para conseguir cuidar de Pablo durante 30 anos, Valdoir teve de fazer sacrifícios. Soldador na Marcopolo durante 27 anos, optou pelo turno da noite até se aposentar e enfrentou escolhas difíceis na vida pessoal.
– Eu tenho uma companheira há 12 anos, mas não moramos juntos. Ela é viúva, já casou, já viveu. Para mim, esse é o preço a pagar: abrir mão. Mas temos de seguir em frente – afirma.
O tamanho das dificuldades parece diminuir quando Valdoir recorda momentos marcantes com o filho:
– Quando ele caminhou a primeira vez, deu aquele ânimo. Outra coisa que marcou muito a minha vida foi uma vez que ele teve piolho. Ele era cuidado em uma casa a umas duas quadras da minha, na época, e ali pegou. Aí, acabei raspando a cabeça dele. Ele sentiu que haviam cortado o cabelo e aí percebi como ele ficou triste! Colocou a mão na cabeça e deve ter pensado: “fiz alguma coisa errada e o pai me castigou, né?”. Então, eu pedi para a cabeleireira: ‘‘raspa a minha também”. Aí, coloquei a mão dele na minha cabeça, e ele riu. “Se o pai fez, também era uma coisa normal”, deve ter pensado – diverte-se.
Pablo não se expressa e mal tem contato com o mundo externo. No entanto, por meio da convivência e dedicação diárias, Valdoir desenvolveu quase um instinto para comunicar-se com o filho.
– A maioria das pessoas confunde uma coisa: eu sou separado da mãe dele, não dele. Eu também não tive isso (acompanhamento paterno), então eu sei a importância. Às vezes, as coisas que tu aprenderia com 10 anos levam 40 anos pra aprender. A presença do pai é imprescindível – garante.
REAPRENDENDO A VIVER
Vânio Palhano de Oliveira, 37 anos, perdeu a mulher há cinco anos, em decorrência de um câncer, e se viu sozinho com os filhos Julia e Rodrigo, que tinham cinco e nove anos na época. Após a tragédia, o pai morou temporariamente com as crianças na casa dos avós, mas nunca pensou em se desfazer da guarda deles. Dez meses depois, eles decidiram restabelecer a vida em uma nova casa. Com a perda, surgiu o sentimento de cumplicidade.
– A coisa mais difícil numa situação dessas é ver os teus filhos chorando e pedindo pela mãe. Sempre estive com eles, foram tudo o que me sobrou nessa tragédia. A gente acabou um ajudando o outro. Eles me viam numa situação ruim e não queriam demonstrar que estavam sofrendo. E eu, para ser forte perante eles, também queria mostrar que estava bem – lembra o pai.
Vânio destaca que a lenta reconstrução do lar só foi possível com a ajuda de pessoas próximas. Hoje, ele tem outra companheira, com quem divide os momentos com os filhos.
– Até hoje a minha filha mais nova chora bastante. Mas ajudou o fato de essa pessoa entrar na minha vida. Claro que nem se compara com a mãe, mas deu uma quebrada naquele clima – diz.
O pai afirma que sempre tentou dividir ao máximo a tarefa de cuidar dos filhos e da casa com a ex-esposa, mas o período em que ficou sozinho com os filhos não veio sem desafios.
– Eu acabei aprendendo meio que na marra o que não sabia. Então, quando a gente aprende na prática, é mais dolorido. Porém, se torna mais concreto, porque tu é obrigado a fazer. Tem situações que não pode deixar com outra pessoa, "é eu ou eu mesmo".
Vânio é categórico na opinião que tem sobre o papel dos homens na vida dos filhos:
– Se eu fosse mandar um recado para os pais, seria que participem mais da vida dos seus filhos, que não deixem só para a mãe aquela parte da escola, da lição de casa... A partir do momento em que tu começa a cuidar mais do teu filho, tu percebe que ele sente mais amor por ti. A gente tem de estar sempre presente na vida dos filhos para que eles estejam presentes na nossa vida.
UNIDOS NA LUTA
O corretor de imóveis Maicon Henrique de Leão, 30 anos, estava tendo um ano transformador em 2013. Há pouco mais de um ano, ele havia se reconciliado com a companheira, Ana Paula, e vivia a experiência de criar um filho com ela. Porém, em maio daquele ano, tudo mudou. A mulher, então com 23 anos, morreu em um acidente de trabalho.
– A minha vontade sempre foi ser pai e sempre foi criar meu filho com a mãe. A morte dela foi um baque para nós. Foi cedo, então se desfez a casa, se desfez a família – conta Maicon, enquanto sustenta no colo o filho Danilo, de cinco anos.
Na época, Danilo tinha um ano e três meses. Sem chão, o pai teve de tomar uma decisão importante:
– Ou eu ficava na casa que a gente morava, da minha ex-sogra, ou eu pegava um lugar para eu criar ele, para nós tocarmos a vida. E foi o que eu fiz.
Maicon recorda a dificuldade de superar a perda, ao mesmo tempo em que tinha de estar presente para o filho.
– Na época, foi bem difícil. Ainda é difícil, principalmente em datas próximas. A Ana ia fazer 28 anos no dia 13 (de agosto) esse ano. Mas não adianta, ele depende de mim.
Danilo ouve atentamente a narrativa, sem nunca deixar o colo paterno. Ele só abre a boca quando o pai conta o que mais gostam de fazer juntos: assistir a desenhos na TV e brincar de luta, personificando super-heróis.
Qual herói é o pai?
– O Hulk! – responde Danilo, de bate-pronto.
E quem ganha a luta?
Danilo hesita, mas é categórico:
– Dá empate!
Maicon relata que, na prática, não teve grande dificuldade para se adaptar à vida de pai em tempo integral.
– Eu só conheci meu pai com seis anos e minha mãe com 14. Desde cedo eu aprendi a fazer coisas dentro de casa, ajudei minha madrasta a criar meu irmão... Não foi uma infância muito feliz, mas o que eu aprendi, no fim, pude usufruir com o Danilo – pondera.
Mesmo com todas as responsabilidades, o pai acredita que outros homens deveriam se empenhar mais na vida dos filhos.
– Eu acho que o homem é muito focado em trabalho, em buscar coisas materiais. Eu vejo isso pelo meu pai, sempre muito trabalho, trabalho. Então é bem complicado. Hoje, eu vejo que se inverteram valores, a mulher trabalha, ajuda em casa, cria os filhos, e o homem às vezes não cumpre esse papel – avalia Maicon, que também se mantém presente na vida do enteado Davi, que vive com a avó.
– O meu filho é uma benção. Se não fosse ele, hoje eu não sei o que seria de mim. Eu trabalho para ele, só penso no melhor para nós – conclui.