É o detalhe que dificulta a inclusão total de estudantes especiais na rede pública de Caxias do Sul. Desde o início do ano, alunos da Escola Helen Keller, no bairro Cruzeiro, estão com livros e cadernos guardados no armário de casa porque não têm transporte para ao colégio.
Longe de professores e colegas, deixam de aprimorar a língua brasileira de sinais (libras), passam o dia sem qualquer atividade pedagógica e postergam a possibilidade de conquistar a independência por meio do conhecimento.
Em agosto, a Justiça determinou que a prefeitura providenciasse ou pagasse pelo transporte em caráter liminar. Três meses depois da decisão, nada mudou. O município contesta a liminar. É essa indefinição que aflige pelo menos seis famílias.
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A Helen Keller atende 95 alunos no ensino fundamental especial. Desse grupo, alguns pais pagam por vans e micro-ônibus privados. Outros são beneficiados pela condução especial mantida pelo município. Há, porém, famílias que moram em bairros distantes da escola e que não possuem recursos para bancar o preço exigido pelos transportadores particulares. É um serviço que pode custar mais de R$ 300 por mês para quem reside no lado oposto da cidade, por exemplo.
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Moradora do Desvio Rizzo, Helena de Castro Araújo, 17 anos, parou de estudar em junho. Antes disso, já frequentava a escola de forma intercalada por conta da dificuldade de deslocamento. Surda e muda, ela precisa de monitoramento para circular pela rua. Os pais, Vandilmar e Heleny, não têm carro e trabalham o dia todo. É difícil, portanto, levá-la ao colégio sem que isso signifique faltar ou chegar atrasado ao trabalho. O casal tentou uma alternativa numa escola pública do bairro, onde sem tradutor de libras não haveria como incluir a garota.
- Pelas contas, um transportador teria que cobrar uns R$ 1 mil todo mês para buscar e trazer minha filha. De ônibus da Visate não tem monitor. Não somos ricos, e não temos o que fazer - desabafa Vandilmar.
O que diz Roberto Bolsoni, procurador do município:
O município oferece a educação e uma escola de excelência. Também há alternativas de transporte gratuitas nas linhas regulares. Nossa visão é de que se há transporte regular para especiais disponíveis, não há por que o município pagar por um serviço particular. Temos diversas ações pedindo isso, mas há casos que aparentam mera comodidade da família, que se pede um motorista e um monitor. Há casos, por exemplo, de uma mãe que pede que o ônibus entre no condomínio e deixe e criança na porta de casa. Sustentamos que a decisão é incabível e estamos contestando. Onde está a responsabilidade dos pais que estão se furtando da obrigação?
Direito previsto na Constituição
A ação que concedeu a liminar pelo transporte dos alunos da Helen Keller foi ajuizada pelo Ministério Público (MP). O entendimento da promotoria e da Justiça é de que o acesso à educação é garantida pela Constituição e está prevista nas leis de proteção às pessoas portadoras de deficiência.
Mãe de uma criança especial, Carina dos Santos Pereira tem se empenhado em buscar respostas do município. Ela e outros pais participaram de várias reuniões em diferentes setores públicos, sem sucesso. Conforme Carina, apesar de os motoristas privados cobrarem mais caro dos alunos especiais que residem longe da escola, não haveria empresas interessadas porque são poucos passageiros numa rota extensa.
- Esse problema sempre teve na escola, pois é a única que atende pessoas com deficiência auditiva na cidade. Estamos tratando disso desde o início do ano. Quando meu marido não pode buscar nosso filho, tenho que negociar para sair mais cedo do trabalho. Parece simples, mas não é fácil - desabafa Carina.
Os pais concordariam em pagar pelo transporte, mas desde que o custo fosse compartilhado com o município. As famílias, porém, lembram que outros municípios já garantem o serviço para todas as crianças com deficiência, caso de Curitiba, Santa Cruz do Sul, Campo Bom e Brasília. William Pereira, 20, só frequenta o colégio no improviso. O pai dele é autônomo e consegue levá-lo quando não tem trabalho.
- Sem aula, meu filho perde muita coisa: não fala com os colegas, deixa de aprender - lamenta Elton Pereira.