Caxias do Sul,1986. Em um sábado daquele ano, o residente Osvaldo Simões Pires von Eye, então com 27 anos, deixou o Hospital da Pontifícia Universidade Católica (PUC), em Porto Alegre, e seguiu até o Hospital Pompéia, onde veio captar os rins de um soldado do 3º Grupamento de Artilharia Antiaérea (3ºGAAe).
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para os 100 anos do Hospital Pompéia
Foi o primeiro contato do médico com a instituição que o recebeu e onde von Eye permanece trabalhando há quase 30 anos.
- O doutor Domingos D'Ávila, que era chefe do setor de transplantes do hospital da PUC, me chamou e perguntou se eu queria vir fazer a captação de órgãos em um paciente. Era o meu primeiro ano na residência em nefrologia e uma oportunidade de aprender. Sabia apenas que era um soldado que tinha disparado acidentalmente uma espingarda e entrado em morte cerebral. Na época, não existia equipe de captação no Pompéia. O doutor Luiz Alberto Zanettini, que já tinha formação em retirada de órgãos, se dispôs a fazer comigo a captação - recorda.
Passado um ano, von Eye voltou a Caxias e reencontrou Zanettini. A reaproximação lhe rendeu um convite: a cidade precisava de alguém que trabalhasse com nefrologia. No final daquele ano, o médico começou a fazer plantão de UTI e atendimento nefrológico no Pompéia, além de trabalhar no Hospital Saúde.
- Entre 1989 e 1993, a gente atuou no setor de hemodiálise do Saúde. A partir de 1996, eu, a doutora Luciana (Leonardelli) e mais dois colegas montamos o serviço de diálise aqui no Pompéia, no espaço onde era o antigo arquivo morto. Desde então, já fizemos mais de 200 transplantes (uma média de 11,77 por ano) - conta.
A média de cirurgias desse tipo, no entanto, foi bem maior nos primeiros anos, quando não havia a central de transplantes, revela von Eye:
- Naquela época, a gente fazia em torno de 24 transplantes por ano. Isso era mais do que em qualquer lugar do mundo. Dois por mês para o tamanho da população que tínhamos era quase zerar a lista. Se aparecesse um doador, a gente transplantava antes de precisar fazer diálise. Mas não era por mérito da equipe, mas por mérito da população de Caxias do Sul.
De acordo com o médico, a comunidade respondeu muito positivamente ao trabalho de conscientização sobre os transplantes iniciado dentro do hospital.
- Era uma época em que o conceito de morte cerebral, apesar de ser claro, ainda não era muito arraigado numa população como a nossa, uma população latina, que é muito carinhosa, que tem dificuldade em aceitar a retirada de órgãos de um familiar - diz.
Por um trabalho de sensibilização bem feito, acredita o médico, a captação de órgãos na cidade e também na região sempre foi eficiente. Isso ficou claro quando criou-se a lista única de espera por transplantes.
- Chegamos a mandar 60 órgãos para a central em Porto Alegre e voltavam cinco ou seis por ano para cá. Isso acontecia porque esse trabalho de conscientização não foi tão bem feito em outros lugares do Estado como Porto Alegre, Santa Maria e Passo Fundo, outras unidades transplantadoras. Não é que nós estivéssemos tirando mais órgãos, nós estávamos aproveitando melhor os órgãos que nos ofereciam. Se o paciente entrou em morte cerebral, havia uma mobilização para não deixar ir junto com ele para o túmulo um órgão que poderia salvar uma pessoa - comenta.
Para o nefrologista, além dos transplantes, o serviço de hemodiálise do Pompéia deu tão certo em função da vontade de aprender, de fazer algo melhor e da não acomodação dos profissionais e da própria instituição de saúde.
- É muito confortável, de repente, numa cidade do interior, colocar o paciente numa ambulância e mandar para Porto Alegre. Isso não me satisfaz. Cada vez que isso acontece, para mim, é uma derrota. Enquanto a gente não está satisfeito, enquanto sabe que pode fazer melhor, há espaço para crescer. E o hospital sempre foi muito partícipe nisso - elogia.
Apesar de confessar já ter tido convites para trabalhar em outras instituições maiores, von Eye garante que seu prazer é estar no Pompéia, onde já foi diretor clínico e membro da comissão de controle de infecção hospitalar, entre outras funções:
- O que mais chama mais atenção aqui é a franqueza nos relacionamentos. Desde o começo a gente sempre teve muita liberdade de negociação e discussão. É um hospital que conhece suas limitações, mas também tem total noção de que pode fazer mais. E não fazer mais por fazer. É fazer mais para melhorar a vida da comunidade. Cada vez que ele melhora uma ala, traz mais problemas para si mesmo. Arruma mais uma dívida, arruma mais pacientes para atender, mais funcionários que precisam ser contratados...Mas o objetivo final é resolver o problema da população.
E como imagina o hospital daqui a 50, 100 anos? O caminho, acredita ele, é o hospital tornar-se uma instituição de ensino, uma vez que o Pompéia já deu os primeiros passos nesse sentido, com a escola de enfermagem, o programa de residência médica, do qual von Eye é coordenador, e a formação em outras áreas como nutrição, fisioterapia, hotelaria...O que não deve mudar, afirma, é endereço. O que deve se alterar é o entorno do Pompéia, com menos estabelecimentos comerciais e mais espaços voltados à área de saúde.
- O hospital é imprescindível, o resto, não.
Referência
100 anos do Hospital Pompéia: médico Osvaldo Simões Pires von Eye teve o primeiro contato com o hospital em 1986
Em 1996, o médico e três colegas montaram o serviço de diálise no Pompéia
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