- Mais do que fome pessoal, é preciso saciar a fome coletiva contra a corrupção e os direitos não garantidos: educação, saúde e segurança, e principalmente educação. É preciso perceber o que está por trás dos protestos. Não é 20% no preço da passagem que faz com que o Brasil se movimente. Tem os gastos talvez superfaturados para uma coisa que é boa, a Copa, mas que está havendo uma injeção de dinheiro muito grande que não tem um retorno bom para o povo. Não basta ir para a rua se não sabe por quê. A manifestação é importante enquanto for pacífica. Outra coisa boa é que ela não é muito política, muito partidária, é o povo que está mobilizado. As pessoas cansaram.
Padre Rudinei Zorzo, referencial do Setor Juventude da Diocese de Caxias do Sul
Seguidamente rotulados de alienados e egoístas, jovens brasileiros surpreendem o mundo com sua fome de mudança. Como os Titãs Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Britto, que no final dos anos 1980 diziam não querer só comida, a turma de hoje traz à reflexão o debate sobre os serviços públicos e a qualidade da política, entre outras demandas relevantes.
Nesta terça-feira, jornalistas do Pioneiro perguntaram a jovens, engajados ou atentos aos protestos: você tem fome de quê? As respostas, a seguir, ajudam a compreender o que está acontecendo nas ruas do país.
- A juventude tem fome de respostas. Já sabemos de onde vem e queremos saber para onde vai a alta arrecadação. Financiamos duplamente o governo com pagamento de tributos e substituição do serviço público pelo privado. Jovens somente aceitam respostas coerentes com demonstração e transparência. Estamos escrevendo a nova história, mas precisamos repensar o futuro, exigindo, com atitude, decisões mais acertadas. O Brasil se levanta por uma nova forma de gestão pública. Somente com o envolvimento efetivo dos brasileiros poderemos alterar de maneira positiva os acontecimentos políticos e sociais de nosso país.
Patrick Mezzomo, presidente do Departamento de Jovens Empresários da CIC/Caxias
- A juventude tem fome de justiça, de ética, de coerência. Mudança nos valores políticos, sociais, econômicos, onde haja uma verdadeira democracia, que nos permita escolher representantes fiéis às causas da nação, que ouçam a voz cansada desse povo que hoje se une para dizer chega!, que não deixe espaço para corrupção, que promova iniciativas de verdadeira inclusão social. Mudança nos valores sociais, em que o ser possa valer mais que o ter ou o fazer, em que relacionamentos duradouros valham mais que relacionamentos efêmeros. Acreditamos que precisa haver sérias reformas e mudanças para melhorar a educação, a segurança, o transporte, a mobilidade urbana. Protesto para reivindicação, sim! Para baderna e violência, não!
Eduardo Ferreira Julianote, presidente do Conselho Municipal da Juventude
- De mudança. Quando conseguirmos alcançar o país inteiro, podemos dar as nossas ideias da construção de uma nova nação. Podemos criar tópicos para discutir sugestões desse novo projeto, desde democracia deliberativa através da internet, até outras ideias. Eu defendo uma autonomia legislativa maior para os estados (nos EUA, os estados podem ter leis diferentes. Aqui no Brasil, leis penais, civis, entre outras, são todas federais), e uma melhor distribuição dos impostos, já que grande parte do que uma cidade como Caxias arrecada nem fica aqui, vai para a União e uma outra parte para o Estado. O município que deveria ter mais dinheiro para investir em questões da região acaba por ter que ficar mendigando.
Ismail Fagundes, estudante de Direito
- Eu tenho fome de liberdade e transparência de verdade. Chega de pão e circo. Chega de política brasileira voltada para outros países. Quero política voltada para o futuro, para meus futuros filhos e netos. Saúde, educação e segurança já! E chega de impunidade para os reais criminosos. O que me leva para a rua? Pensei que ia morrer sem ver uma movimentação como na época dos caras pintadas acontecer novamente. Antes o problema era persuadir a massa. Agora o povo está na rua. Agora arregaçamos as mangas e vamos mostrar para o Brasil e para o mundo que a imagem que veem lá fora é diferente da imagem que os olhos dos brasileiros veem. Quero ser a mudança que quero no meu país.
Felipe Augusto Guerra Rodrigues, estudante de Publicidade e Propaganda
- Temos fome de mais investimentos em infraestrutura e menos em medidas exclusivas de estímulo ao consumo. Temos sede de pensamento de longo prazo e não de medidas de caráter eleitoreiro. Sentimos que recebemos muito pouco diante de tudo aquilo que pagamos. Os desvios de caráter e de dinheiro, por parte do poder público, são como uma chama propulsora para levar-nos às ruas pedindo mais respeito e seriedade. Apoiamos aquela que é chamada nas redes sociais de "Revolução do Vinagre", mas temos a certeza que a verdadeira revolução começa dentro de nós, através de nossa postura e atitudes. É preciso olhar mais para o outro e menos para nós mesmos. Que os protestos sem violência ajudem a sociedade a entender isso.
Lucas Enrico Gregol, analista de Inteligência de Mercado
- Acredito que os jovens e sobretudo a sociedade em geral têm muita fome de mudança no que diz respeito ao cotidiano, ou seja, um transporte público justo e de qualidade, saúde, educação como bem maior e de fundamental importância para uma nação desenvolvida. Estas manifestações que tomaram as ruas do país mostram que os brasileiros não apagaram da memória a sua história, aquela que vai às ruas reivindicar os seus direitos, que já tirou um presidente ou já derrubou um regime ditatorial. O que vemos nos dias de hoje é uma afirmação de direitos, o país está muito melhor do que foi antes, mas ainda é pouco e tem condições reais de avançar muito mais.
Lucas de Lima - DJ Negadalucas, estudante de Relações Públicas
- De igualdade, de um mundo mais justo, contra o preconceito e a desigualdade. Estamos lutando pelo nosso futuro e de nossos filhos. A população sempre esteve desperta, só que agora está havendo uma abrangência maior, pois tem mais gente entrando na causa. Não podemos nos acomodar.
Bruna Bolson, líder estudantil
- Quero um país com menos corrupção. Ela envolve todos os pontos que contestamos. Envolve um péssimo uso do dinheiro público. Dinheiro que não está sendo investido em educação, segurança, saúde. O que tem acontecido nas principais capitais não trata apenas de R$ 0,20. Aqui em Caxias vai haver uma redução de R$ 0,10. Queremos um preço mais justo: queremos que baixe para R$ 2,50, porque em um transporte público, e de qualidade, não deveria ser cobrado nada. Além disso, os salários dos governantes poderiam ser mais justos. Além de ganharem muito, trabalham pouco.
Afonso Dalla Rosa, do Grupo Anonymous Caxias do Sul
- A gente tem fome de educação, de saúde. Se na rede particular temos que esperar até três horas para ser atendido, imagina como está na rede pública! Lá no Nordeste não há água para beber. Se esse investimento da Copa fosse direcionado à essa região, ou outras, seria melhor aproveitado. Você olha estádios sendo construídos lá no Amazonas ou em Brasília que serão abandonados depois. São muitos impostos que o governo põe em cima de tudo. Tem muita ganância por traz disso tudo. A gente quer saúde, educação, diversão, arte e cultura. Todo protesto é válido, desde que a ordem seja mantida.
Adão Dias, metalúrgico e líder sindical
- Fome de justiça. Sou faminto por uma educação mais eficaz e atraente. Insaciável por respeito mútuo e liberdade de expressão. Fome por uma comunidade menos violenta e mais feliz. Somente com a fome saciada chegaremos lá. É preciso saber o que queremos.
Jankiel Francisco Claudio, Poetas Divilas
- Tenho fome de justiça e igualdade social, porque assim como algumas pessoas não têm dinheiro, tem gente comprando carro de luxo por meio de roubo. Há muito tempo tem sido assim, com injustiça e desigualdade. Segunda-feira é um dia que vai ficar na história.
Vitória Bonatto, do grupo Anonymus Caxias
- De uma nova democracia. Acho fascinante isso que está acontecendo, embora ainda não entenda direito o que possa vir a representar. Embora as pessoas estejam nas ruas com sentidos e objetivos diferentes, há um sentimento coletivo. Por si só, as pessoas estão tomando uma atitude, não são mais espectadoras de sua própria vida e sua realidade. Acho também que não dá para ir à rua sem propósito, só porque todos estão indo, porque há uma festa na rua. Eu iria a uma manifestação para erguer uma bandeira branca, para sinalizar que tudo pode - e vai - dar certo.
Márcio Ramos, ator, diretor e professor de teatro
- Fome de liberdade de expressão, para defender direitos subtraídos pela falta de políticas públicas de inclusão social, direito ao transporte público acessível, saúde, segurança e educação a todos.
Lucas Matheus de Souza, líder estudantil
- Como acadêmica do curso de Licenciatura em História, acredito que uma das principais bandeiras a serem levantadas é a questão da melhoria na educação em todo o país, que irá refletir na construção do pensamento crítico dos jovens e consequentemente na sua insatisfação diante das injustiças. Reivindicamos por tudo que acreditamos ser nosso direito.
Francieli Beltrame Formaio, líder estudantil
- Fome de governantes respeitando seu povo, dando a ele dignidade. Fome de ver as pessoas respeitando a si, tendo orgulho do que são. Fome de ver o respeito de todos por todos.
Gabriel Leonardelli, ator e publicitário
- Fome de uma política mais séria, transporte público digno e direito do povo se manifestar. Quem colocamos dentro da Casa do Povo tem que ouvir quem os elege. Somos injustiçados desde o descobrimento do Brasil. O protesto de segunda foi válido para o pessoal ir para a rua. É muito mais do que a tarifa de ônibus. O que estamos pedindo é investimento em educação, saúde. Tem R$ 1 bilhão no estádio em Brasília, enquanto há hospitais precisando de investimento e professores ganhando um salário mínimo.
David Tonolli Neto, do Clube do Rock