Quando entregou o comando da Diocese de Caxias do Sul, em julho de 2011, dom Paulo Moretto fez um pedido. Ele queria morar no Hospital Pompéia. Ficaria responsável pela capela, rezaria missas, visitaria doentes. Seria uma forma de se manter em atividade e, mais do que isso, estar próximo da obra que sua mãe, Paulina Soldatelli Moretto, morta em junho de 2002 aos 90 anos, ajudou a criar e a manter viva.
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produzido para os 100 anos do Hospital Pompéia
- Infelizmente, não foi possível. Entendeu-se que seria muito pesado para mim assumir tantas responsabilidades - explica o religioso, sobre a negativa do pedido.
Dentre suas memórias favoritas ligadas ao hospital, dom Paulo faz questão de relembrar Spanha, um velho que morava pelas ruas e vivia de pequenos biscates. O bispo não recorda de onde o homem tinha vindo, mas recorda que ele tinha sotaque espanhol. Soube depois que Spanha havia deixado a família para circular pelo mundo junto com um circo.
- Ele bebia muito, mas não fazia mal a ninguém. Eu tinha muita pena dele e, de tanto eu pedir, meu pai fez uma casinha para ele no fundo do nosso terreno - conta.
Doente e com problemas nas pernas, Spanha foi levado ao Hospital Pompéia por dona Paulina e pelo marido, Isidoro Moretto.
- Ele recebeu atendimento digno, foi bem cuidado mesmo. Porém, a doença piorou, e ele teve os pés amputados. Mas nunca cansava de dizer que estava feliz por estar em um lugar onde era bem tratado. Tenho certeza de que o Spanha morreu feliz. Quando morrer, quero encontrá-lo lá no céu - brinca.
Do menino que explorou os corredores do Pompéia de calças curtas ao bispo que conduziu a diocese por 28 anos, dom Paulo não se cansa de elogiar o trabalho prestado pelo hospital nesses 100 anos de existência:
- Foi e ainda é o hospital que recebe os pobres e as pessoas que dependem da saúde pública de braços abertos. Essas pessoas são o motivo de ser do hospital, tanto é que ele continuou atendendo todos, mesmo em períodos de muita dificuldade. Eu sempre digo que preferiria ver o Pompéia fechado do que ele passar a não atender mais os pobres.
Dos tempos em que ainda era criança, Dom Paulo lembra também da irmã Romana, religiosa que acolhia os doentes mais pobres com especial carinho e cuidado.
- Recordo que foi dela que ouvi pela primeira vez as palavras de Jesus, e em italiano, "beati e pacifici perche sarano chiamati figlioli di Dio" (felizes os construtores de paz porque serão chamados filhos de Deus).
Dona Paulina
Dona Paulina Moretto nasceu em 1913, o mesmo ano em que foi fundada a Associação das Damas de Caridade, que deu origem ao Hospital Pompeia. Se estivesse viva, portanto, estaria completando 100 anos no dia 3 de junho.
O primeiro contato de Paulina com o Pio Sodalício ocorreu na infância, conforme relato publicado no livro Em Presença do Tempo, de Tânia e Charles Tonet. Em seu depoimento, ela recorda a visita das damas a São Marcos, sua cidade natal. Foi no lugarejo que a menina conheceu as mulheres, que, vestidas de preto e usando chapeuzinhos, passavam de carroça para arrecadar recursos para a implantação do hospital e para as obras de caridade.
Mal sabia Paulina que anos mais tarde ela própria seria uma das damas de caridade - e uma de suas principais líderes por décadas. O convite para integrar o grupo partiu de Luisa Ronca, então tesoureira da entidade e madrinha de Isidoro Moretto. Em 1953, começava a caminhada de Paulina no Pio Sodalício, entidade que presidiu durante 22 anos consecutivos (1974 a 1996).
100 anos
'Foi e ainda é o hospital que recebe os pobres e as pessoas que dependem da saúde pública de braços abertos', diz dom Paulo Moretto sobre o Pompéia
Mãe de dom Paulo presidiu o Pio Sodalício das damas de caridade durante 22 anos
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