O empresário caxiense Eduardo Bernardi curtia férias no Nordeste, entre o final de abril e o início de maio, quando a chuva que provocaria a maior enchente da história do Rio Grande do Sul começou. Quando passou a se preocupar com a remarcação do voo e com os dias a mais que teria de permanecer em Maceió (AL), de início nem lembrou que seu carro, deixado em um estacionamento próximo ao Aeroporto Salgado Filho, na Capital, pudesse estar submerso. Até meados de maio, nem mesmo a empresa que administra o espaço sabia a real situação dos veículos que lá estavam enquanto os donos viajavam.
A perda total do automóvel, da marca Volvo, poderia ter sido uma dor de cabeça ainda maior se não fosse a eficiência da agência de seguros caxiense que atende ao empresário. Combinado com a sensibilidade da seguradora em indenizar o cliente de maneira muito mais ágil e mais desburocratizada do que o habitual.
— Antes mesmo da empresa que administra o estacionamento dar uma posição, meu corretor tinha informações de que os carros tinham sido perdidos e se antecipou para fazer o processo do sinistro, deixando por conta da seguradora se iria indenizar ou não. Foi quando tivemos a surpresa agradável e muito atípica. A seguradora aceitou o sinistro sem sequer ter recebido uma foto do veículo. E, na hora de indenizar, como o Detran não tinha como emitir o documento de venda, eles aceitaram que tudo fosse feito através de procuração, de forma digital — relembra Bernardi.
Embora Caxias não esteja entre os municípios mais afetados pela cheia das águas nas ruas, diversos caxienses perderam patrimônio nas regiões onde os alagamentos foram mais severos, tendo de acionar os respectivos seguros para amenizar as perdas. Foi o caso do empresário caxiense Gladimir Zanella, cuja empresa do ramo de alimentos, a Mundial Foods, tem filial em Canoas, na Região Metropolitana. O alagamento no bairro Rio Branco danificou os sete caminhões que estavam na garagem da filial, sendo que um teve perda total. Assim como Bernardi, Zanella contou com o seguro para mitigar o prejuízo.
— Já tivemos que acionar seguro por conta de acidentes, mas ser pego assim de surpresa com um alagamento foi a primeira vez. Mas a indenização nos deu uma segurança para, pelo menos, mitigar o prejuízo, que foi feio. Foram dois meses tendo de atender a demanda na Região Metropolitana com a frota de Caxias, o que aumentou muito o custo. Ainda mais com várias estradas interrompidas. Foram dois meses bem complicados — diz o empresário.
Clientela que havia sido perdida com a pandemia começa a retornar, diz corretor
Casos como os de Bernardi e Zanella estão entre os mais de 48 mil sinistros que contribuem para um total que beira R$ 4 bilhões em indenizações pagas pelas seguradoras por sinistros relacionados à enchente, conforme dados levantados pela Confederação Nacional das Empresas de Seguros (CNseg). Em Caxias, os pedidos mais recorrentes foram para automóveis. Apenas em uma seguradora, a Fedrizzi, foram cerca de cem acionamentos de seguro, sendo quase todos para clientes caxienses cujos veículos estavam em regiões alagadas. Após a catástrofe, houve aumento na procura por novos seguros.
— Tivemos um aumento na procura, principalmente para seguros de automóvel. Alguns clientes, que na pandemia haviam deixado de fazer o seguro do seu automóvel, voltaram a nos procurar para refazer por conta do que aconteceu. Inclusive algumas pessoas nos procuraram para fazer seguro contra terremoto, porque também tivemos uma situação de tremor de terra em Caxias, o que preocupou a população. Muitos nos procuraram para fazer o primeiro seguro, após terem sofrido danos em suas residências, como ocorreu na região de Ana Rech. Infelizmente, a gente tende a aprender na dor — comenta o diretor da empresa, Guilherme Fedrizzi.
Fedrizzi observa que o episódio da enchente foi um momento importante para as seguradoras mostrarem sua importância oferecendo respostas rápidas quando os clientes sequer tinham condição de acessar os bens segurados:
— As seguradoras foram muito sensíveis, no sentido de acelerar os processos de indenização. Normalmente, uma indenização de um veículo com perda total leva em torno de 15 dias, após o processo burocrático de envio de documentação e de vistoria. Vimos muitas companhias neste momento aceitarem o sinistro sem nem mesmo ver os veículos, além de flexibilizar a parte de documentação, considerando também o período em que o sistema do Detran estava fora do ar. Elas entenderam que os clientes precisavam daquele dinheiro, muitas vezes não para adquirir outro automóvel, mas para pagar contas, para comprar comida, para pagar o aluguel. Foi uma atitude muito proativa.
Percentual baixo de bens segurados contribui para valor mais elevado
O valor próximo a R$ 4 bilhões pago em indenizações pelas seguradoras aos gaúchos afetados pela enchente deve refletir no bolso dos segurados, na hora de renovar serviços ou contratar novas apólices. Quem afirma é o corretor e Delegado da Região da Serra do Sindicato dos Corretores de Seguros do RS (Sincor RS), Ricardo Pozza, acrescentando que o percentual de bens segurados no Brasil é pequeno (cerca de 30% da frota de veículos e 3% das residências), o que contribui para que os valores sejam mais elevados do que poderiam ser.
— O cálculo do valor do seguro é feito em cima da massa segurada: se houvesse mais seguros, o valor seria menor. Diante de tudo isso que aconteceu, o consumidor vai sentir no bolso, sem dúvidas. O prejuízo que as seguradoras tiveram deve provocar reajustes em todas as regiões, de forma proporcional — avalia.
Pozza acrescenta que as corretoras também irão sentir no faturamento os efeitos da enchente. Isso por conta do índice de sinistralidade, que reflete na premiação recebida pelas corretoras ao atingirem metas contratadas junto às seguradoras parceiras:
— A corretora comercializa o seguro e a seguradora dá a garantia. Para a seguradora, quando ela tem prejuízo, baixa o resultado do corretor. Se ele tem um resultado positivo, irá receber um valor adicional. Se for um resultado negativo, irá receber menos. As seguradoras passam por metas que, se a corretora atinge, ela recebe um bônus além da comissão garantida.
O dirigente destaca ainda que o Sincor RS atua no sentido de tentar convencer as seguradoras a incluírem a cobertura contra alagamentos nos planos básicos de seguros, algo que só existe para seguros de automóvel:
— Nosso sindicato está indo atrás, porque a reivindicação é de que se coloque a cobertura de alagamento na cobertura básica. Todo seguro de residência e patrimônio tem uma cobertura básica para incêndio, explosão, implosão, mas não está incluída a cobertura para alagamento, que precisa ser contratada como um adicional. Há localidades em que as seguradoras não estão sequer aceitando fazer a cobertura por alagamento, devido ao risco muito alto.
No interior, seguro agrícola não cobre deslizamentos
Em Bento Gonçalves, onde a chuva provocou deslizamentos em diversas localidades do interior, deixando centenas de famílias desabrigadas e devastando parreirais, corretoras especializadas em oferecer seguro agrícola, como a AgroRural, registraram perda de clientes.
Márcio Ebert, proprietário da empresa, comenta que não existe seguro que cubra sinistros de deslizamentos ou desmoronamentos, como os registrados em maio.
— Os seguros para o setor agrícola cobrem granizo, geada e ventania, e apenas durante o período da produção. Com a plantação em dormência, mesmo se os parreirais contassem com seguro para deslizamentos, este não estaria ativo — explica.
As perdas provocadas pela enchente fizeram com que parte da clientela da AgroRural, cerca de 5%, procurasse a empresa para cancelar totalmente ou em parte o seu seguro, uma vez que não haverá safra para o próximo ano:
— Nós temos pouco mais de 600 segurados e cerca de 30 nos procuraram para retirar parte de suas áreas do seguro, ou para cancelar totalmente. Porque, quando tu perdes todo um parreiral, vão dois ou três anos até recuperar. E como os seguros agrícolas começam a ter vigência só no momento em que existe a produção, neste caso é compreensível quando o produtor retira o seguro da sua terra.
Ebert considera que não deve haver um aumento nas taxas de seguro, uma vez que não houve prejuízo para as seguradoras no caso específico do setor agrícola:
— Como não vai gerar tantas indenizações, não deve mexer nas taxas. Quando há uma geada geral ou uma chuva de granizo, que gera muitas indenizações, a contratação do seguro pro ano seguinte sempre vai ser um pouco mais cara. É uma equação normal: quanto maior o prejuízo da seguradora num ano, maior a taxa no ano seguinte.