Um copo de suco de uva por dia pode auxiliar na recuperação muscular de atletas, proteger o sistema nervoso e impedir a ação de radicais livres que podem causar doenças degenerativas de envelhecimento. A conclusão é da biomédica, sommelière e pesquisadora Carolina Dani, que há 20 anos estuda o derivado da fruta e a respectiva ação antioxidante no organismo.
Tema de um simpósio que debateu, recentemente, em Bento Gonçalves, a produção e os benefícios para a saúde do suco de uva, o produto genuinamente brasileiro tem chamado a atenção do mercado externo pela forma de elaboração, que mantém a cor, o aroma e o sabor da fruta.
— Como a gente faz no Brasil é uma vocação muito brasileira, então praticamente não temos competição de mercado. Os Estados Unidos trabalham muito com o suco concentrado, então esse modelo integral, sem adição de água, açúcar e conservantes é genuinamente brasileiro — garante Carolina.
Foi a partir da assinatura de um convênio que o suco de uva pôde ganhar a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM), o que possibilita a promoção mais adequada do produto fora do país. A sigla determina um código numérico que passa a representar a mercadoria no Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, sendo utilizada em todas as operações de comércio exterior dos países do Mercosul.
Assinado em novembro do ano passado pelo Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado do Rio Grande do Sul (Consevitis-RS) e pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), o convênio garante ainda R$ 10 milhões para promover as vinícolas fora do país.
— Até então promovíamos apenas o vinho e o espumante brasileiro. Agora o suco de uva foi incluído e passa a ser explorado a partir desse ano. Vamos começar a entender os mercados prioritários e como vamos condicionar o produto em termos de marca e categoria. A partir de 2025 passaremos a executar as ações — explica o gerente de Promoção para Mercado Externo do Consevitis, Rafael Romagna.
O desafio, segundo Romagna é encontrar uma conotação, em inglês, que expresse a pureza do suco brasileiro, que é a principal característica que fez chamar a atenção do consumidor estrangeiro:
— Fora do país se utiliza muito do termo “100% fruta”, mas que ignora a adição de água. Já trouxemos compradores e jornalistas para missões técnicas e introduzíamos o suco como um produto extra que ganhou o paladar de quem provou e disse que só aqui se produzia com tamanho sabor e originalidade — diz.
De acordo com dados do governo federal, a exportação de suco de uva no ano passado gerou uma receita de U$ 2,4 milhões.
Benefícios para a saúde
Quando iniciou as pesquisas de doutorado, em 2004, a professora Carolina Dani se deparou com poucos estudos que comprovassem a ação da bebida no organismo. Foi preciso identificar os compostos de um produto derivado da uva que não fosse o vinho, já conhecido entre os pesquisadores.
— No suco a gente interrompe a fermentação, então não sabíamos quanto desses compostos da uva estariam presentes no suco. Encontramos uma gama enorme de compostos fenólicos que conferem atividade antioxidante ao corpo e protegem fígado e sistema nervoso. É um produto rico em resveratrol e também antocianinas — explica Carolina.
Encontrados no composto que dá cor ao suco de uva, os dois últimos elementos citados pela pesquisadora significam a prevenção de doenças como o parkinson, por exemplo. Testado em idosos, o suco de uva combinado com exercícios mostrou na pesquisa de Caroline uma melhora de memória, equilíbrio e redução de colesterol e gordura abdominal.
— Se mostrou uma excelente opção para atividade física, sendo uma fonte rápida de carboidrato no pré-treino e um anti-inflamatório no pós que diminui dores e libera ácido lático — recomenda.
No entanto é preciso estar atento para a quantidade de açúcar, mesmo que natural, que compõe o suco de uva integral. A dose recomendada da bebida por dia é de 100ml a 200ml para crianças e de 300ml a 400ml para adultos.
Fruta o ano todo, mas em forma de bebida
É a simplicidade de tornar a uva uma bebida, apenas separando o sólido do líquido, que faz o suco produzido na Serra ser tão atrativo para o mercado externo. Em outros países a forma reconstituída da bebida é mais popular, mas não carrega a característica considerada pelo gerente de enologia da Cooperativa Nova Aliança, André Gasperin, como principal para um suco de qualidade:
— Um suco para mim, como técnico, é que tu tenhas a mesma sensação de comer a fruta. É uma maneira que se encontrou de disponibilizar a uva o ano todo. Diferentemente da forma reconstituída, que concentra em até 70% a bebida integral e o torna uma espécie de geleia, para depois adicionar água e engarrafar. Esse é o processo usual realizado em diversas frutas. Na forma integral, a água é da própria fruta — explica.
É o processo de pasteurização que garante a validade do produto com duração de até dois anos. O aquecimento gradual com temperatura que pode chegar até 85ºC e o resfriamento brusco é o procedimento que possibilita as longas viagens que o suco produzido na Serra tem feito.
— Isso elimina os micro-organismos que transformariam a bebida em vinho. Abreviamos o processo no meio e quanto mais rápido for feito melhor para a qualidade. O vinho demora até fermentar e estabilizar, o suco não. Temos condições de receber a uva de manhã e no final da tarde engarrafar — revela Gasperin.
Feito a partir de uvas isabel e bordô, o suco ganhou tamanha atenção que atualmente são criadas variedades específicas para a elaboração da bebida com manejos específicos do vinhedo, em um cuidado que começa na terra e segue até a gôndola.
— Setorialmente o que se fala é que o dia que o mundo conhecer o nosso suco vai faltar uva. É um produto com potencial fantástico a ser explorado — define Gasperin.
Se depender da Embrapa Uva e Vinho, de Bento Gonçalves, a falta da fruta não será opção. É que desde 1977 a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária mantém o programa com o objetivo desenvolver novas formas de cultivo da uva, entre eles um específico para a produção de suco.
E a partir de três cultivares tradicionais, isabel (produtiva, mas deficiente em cor), bordô (de cor intensa, mas com produção instável) e concord (de ótimo sabor, mas com nível de açúcar baixo), outros cinco surgiram com o melhor que cada um deles oferecia. A maior contribuição do melhoramento genético, segundo a pesquisadora Patrícia Ritshel, é o aumento no ciclo da safra, que passou de 30 para até 70 dias:
— O agricultor ficava restrito a um mês de safra. Quando antecipamos o ciclo, começamos a colher em janeiro e podemos terminar lá no início de março — explica Patrícia.
Crescimento médio de 92% a cada ano
É o volume da colheita e a qualidade da safra que determinam a quantidade da bebida enviada ao Exterior. Na Cooperativa Vinícola Aurora, em Bento, foram mais de 770 mil litros no ano passado. O valor representa uma queda de 20% no que foi exportado em 2022, ano de recorde na produção que registrou mais de 960 mil litros de suco de uva exportado.
Desde 2012, quando a empresa iniciou as vendas externas, a média de crescimento é de 92%. E de acordo com a supervisora de Exportação, Giórgia Forest, a demanda só aumenta com envios já realizados para 17 países.
— A partir de 2010 os investimentos ganharam força por um movimento vinícola que passou a valorizar o produto e vender para outros Estados. Nosso primeiro cliente foi o Paraguai e hoje temos a China que compra 40% do volume exportado — exemplifica a supervisora.
Giórgia viaja o mundo para oferecer o suco de uva produzido em Bento Gonçalves. Nos Emirados Árabes Unidos e no Japão, pôde ver de perto o porquê de a bebida feita na Serra ter ganhado o paladar estrangeiro:
— Nesses países existe muito consumo de bebida à base de uva e há muita demanda, mas é tudo reconstituído por ser mais fácil e barato. Não é todo mundo que consegue fazer com a tecnologia que fazemos, é preciso um grande maquinário para produzir em larga e escala e fazer com que não fermente. O reconstituído tira a polpa para ser congelada e ser utilizada de diversas formas.
Interesse que cresce a cada geração
Na Terceira Légua, interior de Caxias do Sul, e às margens da Estrada Municipal do Vinho, a família Arbugeri ilustra o interesse crescente pela produção de suco de uva. Aluno da Escola Família Agrícola da Serra Gaúcha (Efaserra), Gabriel Arbugeri, 16, acompanhou os investimentos feitos pelo pai, em 2013, como forma de diversificar os produtos. Agora pretende ampliar a produção por entender que o consumo aumentará nos próximos anos.
— Tem muita oferta de bebida alcoólica, vejo que a gurizada não se interessa por beber vinho, então o consumo pode baixar. Diferentemente do suco que é consumido em escolas e tem benefícios para a saúde — opina o estudante.
Na cantina familiar foram investidos cerca de R$ 150 mil no equipamento que pasteuriza, armazena e engarrafa o suco. São os tanques e as máquinas mais modernos na vinícola, que surgiu em 1970 e ainda tem o vinho como carro-chefe. O suco surgiu, para André Arbugeri, 44, pai de Gabriel, como um produto que diversificou o que era ofertado e acabou caindo no gosto da geração mais nova.
— Fiz 4 mil litros na primeira vez, e já chegamos a fazer 12 mil. É feito conforme a safra, foi por causa do suco que modernizamos a cantina e utilizamos essa estrutura também no vinho — disse André.
Já o avô, Darci Arbugeri, 71, e que nunca focou no suco pelo volume de trabalho proporcionado pelo vinho e por não imaginar o interesse do mercado no passado, começa a se convencer de que é o produto a ser consumido cada vez mais, e por conta também de uma necessidade:
— A lei seca diminuiu o consumo de vinho, a saída é beber suco — brinca Darci.