O som das ferramentas trabalhando deu lugar ao silêncio da falta de demanda nos canteiros de obras de Caxias do Sul. A construção civil foi o único setor da economia caxiense que demitiu mais que contratou em 2023. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, apontam que o saldo foi de -90 vagas no ano – 2.444 desligamentos para 2.354 admissões. Um panorama diferente de 2022, quando o setor gerou 48 postos. Embora os dados demonstrem um cenário de geração de vagas no negativo, as perspectivas são para um ano com crescimento na área, como apontam líderes e empreendedores do setor. Um dos fatores para esse otimismo é a queda na Selic, a taxa básica de juros.
O saldo de 2023 também é consequência de um contexto negativo de compra e aluguel de imóveis residenciais no município. De acordo com a Associação das Imobiliárias de Caxias do Sul (Assimob), a alta taxa de juros e a falta de confiança no mercado, em decorrência da transição de governo, foram as principais causas para o desaquecimento do mercado. O pior cenário foi registrado no primeiro semestre do ano passado. Com isso, a projeção da associação é que comece a faltar produto (imóveis).
– O tempo de maturação desse produto é de 36 meses, entre o lançamento até a finalização, e nós não temos esse produto em estoque. Por consequência, o valor está gradualmente subindo – afirma o diretor financeiro da Assimob, Adriano Soldatelli.
Apesar do contexto negativo de 2023 e da perspectiva da falta de opções no mercado, a projeção é de que em 2024 haja um reaquecimento do setor. O motivo é a maior segurança dos compradores no mercado.
Outro fator para um cenário mais otimista, defende a presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil de Caxias (Sinduscon), Maria Inês Menegotto de Campos, é a queda da taxa Selic (taxa básica de juros), o que gera uma expectativa de estabilização e também de crescimento para o mercado:
– No ano passado, tivemos taxas de juros muito altas e os bancos dando uma boa rentabilidade para os investidores, o que fez com que potenciais compradores do mercado não investissem em imóveis. Isso também afastou a população que teria que pagar os financiamentos com juros altos. Hoje, a taxa Selic já está voltando a parâmetros normais, mais baixos, e o mercado deve se estabilizar (atualmente, a taxa é de 11,25% ao ano).
Imobiliárias, por exemplo, já se preparam para o aumento do movimento. Cristian Horbach é proprietário de uma imobiliária de Caxias do Sul e abriu vagas para novos vendedores.
– A gente está se estruturando com contratações para suprir essa demanda, porque está muito claro que vai acontecer esse reaquecimento no mercado caxiense. Então, obviamente, quem estiver preparado vai sair na frente e é o que a gente busca – explica.
Reoneração da folha preocupa
As discussões em Brasília sobre a reoneração da folha de pagamento para 17 setores deixa a construção civil em alerta neste começo de ano. A preocupação é de que haja impacto em futuras contratações, conforme a presidente do Sinduscon, Maria Inês Menegotto de Campos.
A redução dos encargos trabalhistas foi aprovada pelo Congresso Nacional para incentivar a geração de empregos. Entretanto, o governo federal planeja retomar a cobrança com a justificativa de equilibrar as contas públicas. Uma medida provisória foi publicada no fim de dezembro, revogando os benefícios fiscais concedidos pela desoneração da folha. As regras valem a partir do dia 1º abril. Entretanto, há necessidade de aprovação do Congresso Nacional para validade permanente.
– A construção civil é um dos setores que pode perder esta desoneração, o que impacta significativamente em valores para o empregador e implica diretamente no custo do imóvel e consequentemente no valor de comercialização. O fato de que a reoneração possa acontecer gera insegurança na contratação e na abertura de novos postos de trabalho, bem como podem acontecer demissões e uma proliferação de trabalhos informais – avalia Maria Inês.
“Um cenário felizmente diferente”
Vice-presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e diretor de incorporação da Viezzer Engenharia, Oliver Viezzer também enxerga um ano mais promissor que 2023 diante de aspectos como a redução de juros e a elevação do teto para a construção de imóveis no Programa Minha Casa, Minha Vida – o que, na opinião dele, dá novo fôlego para este segmento de construções que antes eram inviáveis na região, por conta dos altos custos.
Viezzer ainda comenta que os estoques de imóveis em níveis próximos de zero motivam as construtoras a lançarem produtos, movimentando a contratação de mão de obra e, posteriormente, aquecendo a comercialização.
– Eu entendo que é um cenário, felizmente, diferente. Acredito que a gente já passou pelo pior ponto nos estoques das construtoras, pelo menos com quem eu tenho contato. O nosso também está bem reduzido, praticamente zero. E isso nos motiva a lançar – diz Viezzer.
Entretanto, diante da burocracia envolvida, ele prospecta resultados mais sólidos na geração de vagas a partir do segundo semestre.
– Um projeto leva mais de um ano para ser aprovado. Então, esses movimentos (para novos lançamentos) começaram a ser feitos no momento em que a gente começou a ter uma estabilidade política e econômica, no segundo semestre de 2023. Por isso, acredito que ainda vai levar um tempinho para esses novos lançamentos, mas deve acontecer esse ano, sim e, como consequência, teremos a contratação de mão de obra – prospecta.
“A gente tem que se planejar”
Uma das pessoas que começou o ano com casa nova é Angélica Endre Zabloski, operadora de injetora em uma empresa de Caxias. Em 2023, vendeu o sobrado em que morava e deu entrada em um apartamento novo. Mudança de vida que foi impulsionada pelo financiamento mais barato em decorrência do auxílio do programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal.
– A gente foi planejando, foram anos. A gente ganhou um pouco de subsídio, que conseguimos a partir do valor do imóvel. Então tem, sim, que se planejar, tem que ter toda uma conversa em família e todo um planejamento, uma organização para conseguir fazer as coisas – explica.