A semana foi de muita comemoração para o setor da uva e do vinho da Serra com a conquista da Denominação de Origem (D.O.) Altos de Pinto Bandeira, a primeira de espumantes do Novo Mundo. Foi um ano desde que foi protocolado o pedido, mas foram mais de 10 anos de maturação das regras envolvendo desde o plantio à vinificação na área delimitada. Mas, no fundo mesmo, a conquista é fruto de mais de quatro décadas de história. É que boa parte das vinícolas que estão habilitadas para incluir o selo em seus rótulos perceberam a vocação da região para produzir uvas para espumantes logo no início de suas atividades. A região demarcada da D.O. envolve 65km² de área contínua, sendo 76,6% em Pinto Bandeira, 19% em Farroupilha e 4,4% em Bento Gonçalves.
Um dos precursores desta D.O. poderia ser considerado, então, o enólogo chileno Mario Geisse. Ele acreditava tanto na potência de Pinto Bandeira para as borbulhas que criou uma estratégia para poder comprar a área de terra, que hoje conta com 40 hectares cultivados com vinhedos. Como ninguém queria vender uma área, ele identificou uma família pequena em que os dois filhos tinham vontade de ser caminhoneiros. Como então diretor da Moët & Chandon em Garibaldi, "tinha crédito" no banco, e comprou dois caminhões para propor a troca que lhe garantiu o terroir que, mais tarde, conquistaria premiações internacionais e um posicionamento da própria região entre as mais importantes produtoras de espumantes do mundo.
O destino fez com que seu filho, Daniel Geisse, fosse o presidente da Associação dos Produtores de Vinho de Pinto Bandeira (Asprovinho) na ocasião em que a região passa a figurar ainda mais na vitrine mundial com a conquista da D.O. É ele quem administra a vinícola que tem uma produção de 600 mil garrafas de espumantes por ano.
Mas, afinal, o que é esse cenário ideal para a fabricação de espumantes? Segundo Geisse, muitas regiões do mundo são boas para produzir vinhos tintos e brancos tranquilos, mas são raríssimas as que reúnem condições para que se possa elaborar uvas para espumantes, com elas atingindo seu grau de maturação completo, conservando o nível de acidez mais alto e de açúcar mais baixo.
— A região de Champagne ficou consagrada por reunir essas condições. Pinto Bandeira também tem as mesmas características, mas a nossa acidez não é tão alta como a da região francesa. Isso nos possibilita uma maior versatilidade, é uma vantagem que temos aqui. Podemos ter espumantes com tempo de guarda não tão longo e, ao mesmo tempo, também tê-los com estrutura com mais de 20 anos de guarda — exemplifica.
A vinícola mantém em sua cave cerca de 200 garrafas de 1998. Uma prova de que a região agregou valor aos seus produtos, o que deve se intensificar ainda mais com a D.O., é o quão difícil é mensurar o custo destas relíquias. Por isso, a Geisse deverá fazer um leilão. Com a D.O., a tendência é uma maior procura pelos espumantes, mas hoje a vinícola não tem capacidade de ampliação de volumes.
— Hoje, nossas reservas já são mais de três vezes e meia a nossa capacidade. O custo médio do quilo de uva que produzimos está muito acima do valor do mercado pois trabalhamos com manejo de excelência. A D.O também vai servir para mostrar a importância de mais produtores focarem nas uvas para espumantes — projeta Geisse.
Incremento do enoturismo
A maior cooperativa vitivinícola da Serra vai envasar, até o final deste ano, aproximadamente 6 milhões de litros. Só de espumante de Pinto Bandeira serão 21 mil litros. Parece pouco, mas é também o que mostra quanto espaço ainda há para crescer. Além de 7,5 hectares de Chardonnay e 4,1 de Pinot Noir, a Aurora é a única das quatro vinícolas da D.O. Altos de Pinto Bandeira que tem 3,5 hectares de Riesling Itálico.
Gerente de Marketing da Aurora, Rodrigo Valerio destaca que o produto brasileiro, a partir da Denominação de Origem, vai fazer frente no mercado mundial.
— A Moët Hennessy já projeta que vai faltar champanhe e o mundo vai buscar produtos em outras regiões. A D.O. abre as portas não só para Pinto Bandeira, mas para o Brasil. Ganha toda a cadeia e o produto espumante brasileiro que chega em outro patamar — aposta Rodrigo Valerio.
O volume de exportação de espumantes da Aurora é de 22 mil litros, e os principais destinos são Paraguai, Bolívia, Curaçao, Japão, Taiwan e Equador. Mas Valerio adianta que os Estados Unidos e Rússia, mercados gigantescos, estão em tratativas para consumir o produto brasileiro.
Por aqui, também é projetado um incremento de 200% nas visitas na Aurora de Pinto Bandeira. Neste ano foi inaugurado um varejo na propriedade que também já promove piqueniques e caminhadas em meio aos vinhedos.
Chardonnay, a rainha da festa da D.O.
Na mesma semana em que comemorou 40 anos, a Don Giovanni confirmou com a D.O. o que desde a década de 1950 já se sabia. Ali já se plantavam uvas para a extinta unidade da Dreher na região, incluindo as variedades que hoje são habilitadas para a denominação, caso da Chardonnay e Pinot Noir. Mas, na época, eram matérias-primas do conhaque.
Em geral, o maior percentual de uma casta na elaboração da bebida sempre tem a uva branca francesa como protagonista. Pinot Noir vem na sequência. E o Riesling Itálico é usado em um percentual que não pode ultrapassar 25% pela nova D.O.
Na área da Don Giovanni, são 14 hectares, a maior parte com Chardonnay. Segundo Daniel Panizzi, diretor da vinícola, na maioria dos produtos da vinícola ela está em 75% dos cortes.
— Ela aporta leveza e frescor. A Pinot vem para dar mais estrutura. Por isso, costumo dizer que a Chardonnay é a rainha da festa da D.O,, porque está muito bem adaptada — brinca o também presidente da União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra).
A vinícola não tem cultivo de Riesling Itálico, como a maioria das marcas que vão se habilitar a D.O., mas Panizzi destaca que foi importante incluí-la nas variedades permitidas pelo papel coringa que desempenha. Além de aportar uma acidez maior nos cortes, traz identidade, já que é uma uva muita característica da Serra. Também serve como alternativa em anos em que condições climáticas podem afetar as outras castas com tempos de colheita diferentes.
Dos 140 mil litros produzidos na Don Giovanni, 80% são espumantes. A tendência é esse percentual ser ainda maior nos próximos anos.
— Hoje, a gente ainda planta outras uvas, mas elas devem ser retiradas para dar lugar a mais vinhedos com Chardonnay e Pinot Noir. Tudo que não era em espaldeira já foi retirado — diz.
Gastronomia para agregar valor
O espumante costuma ser uma das bebidas mais versáteis para harmonizações. E a denominação de origem não movimenta só produtores de uva e vinícola de Pinto Bandeira, a D.O combina com mais investimentos gastronômicos na região.
Pinto Bandeira também vem se consolidando com um destino de restaurantes que propõem uma experiência em meio à natureza. O chef Rafael Jacobi, que comanda o espaço Nature na vinícola Don Giovanni, tinha três restaurantes na Capital, quando abriu mais uma unidade em Pinto Bandeira.
— Já mirávamos a D.O., mas também já entendíamos que a região fazia o maior espumante do Brasil. E o turista que vem para cá já é iniciado no mundo do vinho, o que nos permite agregar valor — comenta o chef.
O incremento de visitantes tem sido tão grande, desde que inaugurou o Nature no ano passado, que o local já passou por ampliação e Jacobi largou as operações em Porto Alegre e se mudou para Bento Gonçalves de vez.
O que é que esta terra tem de tão diferenciada?
Engenheiro agrônomo e enólogo, Marco Antônio Salton sabe muito bem da importância da terra à tecnologia para se elaborar vinhos e espumantes. E logo na chegada à Valmarino já fica evidente uma das principais características da D.O. Altos de Pinto Bandeira: está em um terreno elevado de onde se observa Bento Gonçalves com facilidade.
A altitude média da região é de 632 metros, com terrenos de relevo ondulado até montanhoso. Mas além da boa insolação desses vinhedos na encosta, o agrônomo destaca o tipo de solo responsável pela famosa acidez das uvas de Pinto Bandeira. O agrônomo destaca que ele é argiloso, ácido, com boa drenagem e adequado teor de matéria orgânica para o desenvolvimento dos vinhedos. Mas, além das condições naturais, para se fazer um bom produto é preciso mais do que matéria-prima de qualidade.
— Fazer espumante é mais difícil que fazer vinho tinto. Tem que ter alta tecnologia, desde o bom recebimento das uvas, ter prensas adequadas a um sistema de frio muito controlado em todo o processo — enumera.
A D.O. também tem, entre as regras, a elaboração pelo método tradicional com tempo superior a 12 meses de guarda. Desde 2002, a Valmarino elabora espumantes com a segunda fermentação na garrafa. Atualmente, de um total de 250 mil litros produzidos pela vinícola, 20% se enquadram em espumantes no método tradicional.
A projeção é que, em 10 anos, a vinícola vá dando mais espaço aos espumantes D.O., podendo chegar a metade da produção. Para isso, o parreiral está em expansão. De 21 hectares, 3,5 são de Chardonnay e 1 de Pinot Noir. Um terreno de 1,2 hectare já está sendo preparado para plantar mais a uva branca presente com maior força nos cortes.
O plantio do vinhedo também terá fins turísticos, porque o incremento de visitação tende a se intensificar. São projetadas 20 mil pessoas neste ano. Um terço das vendas dos vinhos é feita diretamente no varejo da vinícola. O local está sendo ampliado e deverá ter também um bistrô e local para eventos reservados.