“O livro traz a vantagem de estar só e, ao mesmo tempo, acompanhado”, escreveu Mario Quintana (1906 - 1994), aquele senhor de olhar gentil, sedicioso e afável. A frase, cunhada pelo poetinha, como também é conhecido, faz parte do livro Caderno H, que reúne crônicas publicadas em jornal. E pensar que até o dia 12 de dezembro, milhares de livros, tão sós, esperam, ansiosos, por ávidos leitores na Praça Dante Alighieri, durante a 37ª Feira do Livro de Caxias do Sul.
A ponte entre obras e leitores é estabelecida por meios dos livreiros, distribuídos em 18 bancas. Maria Helena Lacava, 60 anos, dos quais 37 no ramo, é proprietária da Mercado de Ideias e atual presidente da Associação dos Livreiros de Caxias do Sul (Alca). Ela tem atravessado a revolução do mercado com ternura, bravura e resistência, como uma tradução feminina de Dom Quixote.
Por conta nos novos tempos, antes ainda da pandemia, havia decidido fechar sua loja no Centro para organizar seu acervo em casa. Dessa forma, investiu mais nas vendas online, mas sem deixar de atender presencialmente os clientes, com hora marcada.
— Está surgindo um novo caminho, são as chamadas microlivrarias. É só uma pessoa atendendo em um espaço pequeno, mas tendo atendimento personalizado — revela.
Em meio à organização do acervo na praça, Maria Helena parou para conceder a entrevista a seguir. Ela revela detalhes do mercado do livro local e explica que, apesar do aumento do consumo, a perspectiva é de que mais livrarias físicas deixem de existir, não apenas em Caxias, mas no Brasil todo.
Porém, apesar das pedras no meio do caminho, resistir é preciso, parafraseando Carlos Drummond de Andrade e Fernando Pessoa em uma frase só. Até porque, o verbo do livreiro é resistir.
Confira a seguir, trechos da entrevista com Maria Helena Lacava, concedida entre uma pausa e outra, na lida de organizar os livros na sua banca.
Toda Feira do Livro é desafiante, mas qual é o desafio desta edição?
O maior desafio é que ainda estamos enfrentando uma pandemia. Esperamos que os nossos visitantes, nossos leitores e a população caxiense sejam conscientes e venham de máscara. Estamos com todos os procedimentos, e em todas as bancas há álcool gel. O desafio é que ninguém relaxe nessas condições de se cuidar, para que a feira, que é uma festa literária ocorra da melhor forma, com confiança e saúde.
Qual é a estimativa de vendas que vocês, como setor, projetam para esta edição?
A edição do ano passado é como se não tivesse ocorrido, por isso, temos de nos basear em 2019. Todos nós estamos muito confiantes. Acredito que, em cima do percentual de 2019, devemos ter uma aumento de no mínimo 20% nas vendas. Na Feira de Porto Alegre, eles conseguiram aumento em torno de 15% neste ano em relação aos números de 2019. É importante destacar que, no ano passado, Caxias foi a única cidade do Estado que teve feira do livro em formato presencial.
Como tem sido o resultado de vendas das livrarias locais durante a pandemia? As pessoas têm realmente comprado mais livros?
Sabe que tem sido estranho. Houve, sim, um consumo maior de livros, bem como todo lado cultural e artístico, que não fosse presencial, teve consumo maior. Em todo Brasil ocorreu um número maior de venda de livros. Os grandes companheiros das pessoas no enclausuramento, foram a literatura, as séries e filmes, a música e as lives. Mesmo assim, este ano sabemos que o número de livrarias físicas, em todo o Brasil, está em queda. O que eu observo, assim como ocorreu comigo, é que estamos migrando para a venda virtual. E não que as pessoas estejam consumindo menos livros, elas estão apenas comprando de uma outra forma.
Como a senhora avalia o mercado do livro em Caxias? Como ele tem mudado nos últimos 10 anos?
Em Caxias do Sul, nos últimos 10 anos fecharam cerca de seis livrarias. A mais recente a fechar foi a Nobel, no Bourbon Shopping. Hoje em dia, em Caxias tem a Livraria da UCS, Mercado de Ideias, Livraria do Maneco, Do Arco da Velha, Livraria do Correa, Rossi, Só Ler, Colecionador e Saraiva. Somos essa frente de resistência.
A senhora percebe a Feira do Livro como um importante espaço para vendas ou serve mais como um canal de divulgação aos autores e livrarias?
As duas coisas. Por exemplo, todos os anos em que participo da feira sempre tem alguém que me pergunta se eu sou de Porto Alegre. Eu respondo que não. Estou há 27 anos em Caxias. Eu ainda me surpreendo com isso. Mas é que somos mais de 500 mil habitantes e como o livro é um produto que as pessoas não adquirem a todo momento, quando ocorre a feira, estamos mostrando às pessoas que ainda estamos em atividade. Na feira, o livreiro é um cartão de visitas, fideliza clientes e faz novos clientes. Todos os anos em que participo da feira ganho novos clientes. A feira é importante para dizer que estamos vivos, que estamos resistindo.
Na visão dos livreiros, a Praça Dante Alighieri é o melhor espaço para acolher a feira?
A grande maioria dos colegas, ou seja, 99% deles, sempre acreditamos que a feira tem de ser na Praça Dante. Tanto que, em 2016, quando não ocorreu na praça, não fomos para o outro espaço. Naquele ano, fizemos a Primavera dos Livros, doando livros na praça. Nunca mais se discutiu mudar o lugar, porque o interesse era de pouquíssimos e não era o interesse dos livreiros.