Viajantes locais, tempo de permanência curto e viagens em municípios vizinhos. Esse poderia ser o retrato da retomada do turismo no Rio Grande do Sul, mas é o resultado de uma pesquisa realizada pelo Sebrae em 2019. Inédito, o estudo analisou o fluxo turístico em Bento Gonçalves, Cambará do Sul, Canela, Caxias do Sul, Garibaldi, Gramado, Jaquirana, Nova Petrópolis, Porto Alegre, Pelotas, Santana do Livramento, São Francisco de Paula, São José dos Ausentes, São Miguel das Missões e Torres e apontou o crescimento do turismo regional como uma tendência — a mesma que se anuncia para o pós-pandemia. Com o receio de contágio, a tendência é de que destinos mais distantes fiquem de fora dos roteiros dos viajantes em um primeiro momento.
Conforme o levantamento, elaborado com uso de tecnologia Big Data, 60% dos turistas são do próprio Estado e 38% deles viajam apenas para uma cidade. O mesmo acontece com 45% dos turistas de outras regiões do país que vêm ao RS: conhecem apenas um destino. Entre os turistas gaúchos, 41% ficam apenas um dia no local, e em relação aos viajantes de outros Estados, apenas 18% permanecem mais de quatro dias no RS. O perfil traçado em um ano normal irá auxiliar nas estratégias a serem adotadas para o retorno das atividades turísticas, espera a coordenadora de Turismo do Sebrae RS, Amanda Bonotto Paim:
— É a primeira vez que temos uma pesquisa quantitativa sobre turismo no Rio Grande do Sul. Ela mostra que o Estado já tem uma caraterística de turismo regional, e ela é ainda mais valiosa agora porque mostra que vamos conseguir fazer o turismo se desenvolver só com emissores locais.
Ainda de acordo com o estudo, as 10 principais cidades gaúchas emissoras de turistas para os municípios analisados são Porto Alegre, Caxias do Sul, Pelotas, Canoas, Santa Maria, Novo Hamburgo, Gravataí, São Leopoldo, Passo Fundo e Rio Grande. Depois dos próprios gaúchos, são os catarinenses os que mais visitam o RS. Em seguida vem moradores de São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e Minas Gerais.
Os dados mostram que mais da metade dos turistas (51,05%) reside até 250 quilômetros do local a ser visitado; 21,52% vêm de distâncias entre 250 e 500 quilômetros; 8,22% moram entre 1 mil e 2 mil quilômetros de distância; e 6,36% são de localidades distantes mais de 2 mil quilômetros.
Oportunidade para educar o turista
Embora a crise sanitária tenha afetado fortemente os negócios turísticos, Amanda acredita que o momento trouxe algumas boas oportunidades para o setor. Uma delas é trabalhar o destino seguro, ou seja, oferecer segurança para os viajantes. Outra é a mudança de comportamento de quem viaja.
— É uma oportunidade de educar o turista brasileiro. Ele não se planeja, não agenda, não faz reservas. Em um momento de pandemia, não pode ser assim. Tem que ser responsável. Quando não tem planejamento, tem descontrole. O turista tem que ajudar, tem que evitar aglomeração, saber guardar a máscara. Se ele quer voltar a viajar, ele tem que ser cauteloso — enfatiza.
Para Amanda, o turismo feito antes da pandemia só voltará quando houver uma vacina para o coronavírus. Isso não quer dizer que não é possível retomar, desde que haja cuidados. Por isso, novos formatos estão sendo pensados, todos com a preocupação em evitar aglomerações.
— Toda essa questão de higiene pessoal e as formas de higienizar os ambientes vão ficar. Isso é positivo. São simples, mas importantes. Como espirrar corretamente, lavar as mãos seguidamente, isso fica também. Espero que a cultura do agendamento fique. É muito positivo, evita ficar em fila e melhora algumas experiências — acrescenta.
Roteiro para dar uma escapada
O casal de namorados Lucio Mauro de Campos Moraes, 36 anos, e Renata de Almeida Raphaelli, 26, ainda não tinha saído de Porto Alegre a turismo nestes mais de cinco meses de pandemia. Mas quando ficaram sabendo do passeio de um final de semana oferecido pela plataforma Wine Locals em parceira com o Hotel Intercity pensaram: por que não?
Subiram a Serra no dia 21 para usufruir o pacote "Escapada para Farroupilha, a capital do Moscatel", que inclui tour de bicicleta na Casa Perini (com direito a tábua de frios), almoço no restaurante Guaraipo Bar e Cozinha, harmonização com chocolates na Vinícola Cave Antiga e uma diária no Intercity, em Caxias.
A ideia de um respiro na rotina por meio dessa escapada, seguindo os protocolos sanitários, agradou.
— Eu me senti seguro porque não tinha muita gente. Na Cave Antiga tinha só mais um casal fazendo o passeio. E na Perini o espaço é muito grande. O restaurante foi o local onde tivemos maior contato com pessoas, mas as mesas estavam bem afastadas. Eu voltaria e não teria restrição para indicar — avalia Lucio.
A experiência vivida pelos dois foi lançada há poucas semanas pelo Intercity e pela Wine Locals, plataforma em atividade desde 1º de junho. Comunidade da start up Share eat, de Porto Alegre, ela oferece pacotes para outros municípios, sempre com foco no mundo do vinho. São mais de 20 vinícolas parceiras da Wine Locals
— A plataforma surgiu para apoiar o turismo responsável local. Queríamos apoiar a venda antecipada, porque quando troca a bandeira a correria é muito grande e era uma dificuldade das vinícolas — conta Matheus Vigel, sócio da Wine Locals.
— Fechamos parcerias só com quem tem o selo de ambiente limpo e seguro. E os pacotes são para casal ou casal com filho. Para não estimular muita muvuca — complementa.
Slow tourism pela região
Quando a ideia de criação de uma agência de viagens nasceu em 2019, Bianca Dotti Sartori e Isis Guizzo Rosa não imaginavam que o mundo enfrentaria uma crise sanitária tão forte capaz de paralisar diversos setores da economia. Mas o que poderia ser um impeditivo para colocar os planos em prática, acabou ajudando as amigas que ganharam mais tempo para estudar e formatar o projeto.
Desde a concepção, a intenção era que a Esperienze Turismo tivesse como foco os destinos em Caxias do Sul e região, o que acabou coincidindo com a tendência que se verifica para o ramo no pós-pandemia.
— Apareceu o turismo regional muito forte, mas nós já queríamos isso antes — explica Bianca, que é formada em Hotelaria e atua no comércio há 30 anos.
Mais que apostar na Serra, o objetivo é valorizar destinos não tão difundidos e propiciar conexões entre as pessoas para multiplicar amizades. Por isso, um dos públicos será o de pessoas que não têm com quem viajar. Além disso, a dupla quer promover uma experiência que proporcione aproveitar melhor o tempo no destino.
— Vai ser um turismo slow, uma coisa mais aproveitada. Não vai ser conhecer muitas coisas no mesmo dia — explica Bianca.
Os primeiros roteiros serão oferecidos a partir de setembro, respeitando as normas de acordo com o modelo de distanciamento controlado do governo. Os passeios serão guiados por duas bonecas, inspiradas em Bianca e Isis — além de pesquisadora da área de turismo, a arquiteta Isis coleciona bonecas de diferente países.
Para o próximo ano, as empresárias projetam a realização de roteiros que integram desenvolvimento pessoal e gastronomia.
Experiência completa
Com as eventuais mudanças provocadas pela troca de bandeira no modelo de distanciamento controlado do governo do Estado, o Casa Hotéis, de Gramado, resolveu oferecer a possibilidade de reservar não apenas a estadia, mas as refeições também. A ideia foi reduzir a incerteza dos viajantes, conta Rafael Peccin, diretor de marketing da Casa Hotéis.
— Com a bandeira vermelha, por exemplo, os restaurantes fecham e as pessoas desistem de viajar. Como nossos hotéis são de categoria diferenciada, com restaurante, por que não oferecer a experiência completa? A hospedagem a gente já garantia. Agora, a gente garante a gastronomia também — diz.
Ao fazer a reserva em um dos três hotéis — Casa da Montanha, Wood ou Petit – o hóspede pode adquirir antecipadamente, e com preços mais vantajosos, as refeições nos restaurantes dessas unidades: o La Caceria, Wood Lounge Bar & Restaurante e Bistrô da Varanda. O hóspede pode, ainda, optar por uma cesta de piquenique com produtos artesanais.
Todos os itens oferecidos na reserva são para duas pessoas. Os almoços e jantares incluem couvert, entrada, prato principal e sobremesa (com bebidas pagas à parte). Há também a opção de reservar tudo num pacote só: hospedagem por um fim de semana no regime de pensão completa.
— A ideia é continuar depois, não tem porque não oferecer – completa Peccin.
Levando o mundo para a casa das pessoas
Enquanto há aqueles que já estão colocando o pé na estrada, há os que ainda temem o contágio. Pensando no público que está morrendo de vontade de viajar, mas ainda não se sente seguro, uma agência de turismo de Bento Gonçalves criou um projeto que promete amenizar a saudade. É o Sabores do Mundo, um kit com produtos típicos de diferentes países.
Bolado pela Avanti Viagens em parceria com o La Padoca, dos proprietários Sidinei Comin e Marcos Vinicíus Cousseau, o projeto foi lançado no final de julho. O primeiro kit homenageou Portugal, com bolinho de bacalhau, pastel de santa clara e outras delícias. Depois vieram as caixas de Itália e Argentina. Nesta semana será lançado o kit da Alemanha. Em todos, há um guia completo sobre cada destino, com dicas de viagem, cultura local e curiosidades sobre a gastronomia, além de uma playlist no Spotify para curtir enquanto degusta os produtos.
— Foi uma maneira de levar um pouco do destino para a casa das pessoas — diz Camila Polonia dos Santos, proprietária da Avanti.
Os pedidos devem ser feitos de segunda a sexta-feira pelo telefone (54) 3702-1202. Os kits são entregues na sexta e no sábado para Bento e região.
Turistas de longe estão vindo
Embora a tendência seja de fortalecimento do turismo regional, viagens mais distantes já estão acontecendo. O jovem casal Beatriz Freitas, 27, e Renan Ferreira Freitas, 29, por exemplo, escolheram a Serra Gaúcha como destino para a comemoração do primeiro ano de casamento. Moradores de Araçatuba, interior de São Paulo, planejaram a viagem em janeiro e não imaginavam que nem dois meses depois medidas extremas de distanciamento seriam adotadas por causa de uma pandemia.
Os dois chegaram a cogitar o adiamento, o que acarretaria em um custo de cerca de R$ 1,5 mil para mudança de voo e diárias. Mas como a região estava na bandeira laranja na semana da viagem, de 13 a 17 de agosto, resolveram embarcar.
— Podíamos adiar até dois dias antes, aí pagariam as taxas e valores adicionais. Mas como foi uma viagem programada para comemorarmos nosso aniversário de casamento, queríamos muito ir. Mas claro que se a cidade não estivesse na bandeira laranja, não iríamos. Ficamos conversando com o pessoal do hotel, com guias turísticos. E pelo que víamos estava tudo bem organizado, com todos os cuidados necessários — conta Beatriz.
Nas cidades por onde passaram — Gramado, Canela, Cambará do Sul, Bento Gonçalves e Garibaldi – os dois se sentiram seguros. Beatriz conta que não viu ninguém sem máscara e que havia todos os cuidados nos passeios: álcool gel disponível, distanciamento entre as pessoas, medição de temperatura. No entanto, ficou preocupada nos aeroportos — eles fizeram o itinerário Araçatuba/Guarulhos/Porto Alegre:
— Eu imaginava que teria pessoas medindo a temperatura no aeroporto. O voo estava praticamente lotado, não pulava o assento do meio e eu achava que pularia. Não tinha ninguém com álcool gel na entrada do avião ou medidor de temperatura.
Para ela, a experiência de viajar em um contexto como o atual pode ser resumida em uma palavra: autocuidado.
— Fora da pandemia a gente viaja sem se preocupar com nada, com o que pode acontecer. Podemos sofrer um acidente em um passeio ou pegar algum outro tipo de vírus. E na pandemia nós viajamos um pouco mais espertos, com cuidados que jamais tínhamos antes em uma viagem — finaliza.
Pesquisa do Sebrae RS analisou o fluxo turístico de 15 municípios durante 2019. As cidades analisadas foram: Bento Gonçalves, Cambará do Sul, Canela, Caxias do Sul, Garibaldi, Gramado, Jaquirana, Nova Petrópolis, Porto Alegre, Pelotas, Santana do Livramento, São Francisco de Paula, São José dos Ausentes, São Miguel das Missões e Torres.
Pesquisa do Sebrae RS analisou o fluxo turístico de 15 municípios durante 2019. As cidades analisadas foram: Bento Gonçalves, Cambará do Sul, Canela, Caxias do Sul, Garibaldi, Gramado, Jaquirana, Nova Petrópolis, Porto Alegre, Pelotas, Santana do Livramento, São Francisco de Paula, São José dos Ausentes, São Miguel das Missões e Torres.
Perfil do turista
Pesquisa do Sebrae RS analisou o fluxo turístico de 15 municípios durante 2019. As cidades analisadas foram: Bento Gonçalves, Cambará do Sul, Canela, Caxias do Sul, Garibaldi, Gramado, Jaquirana, Nova Petrópolis, Porto Alegre, Pelotas, Santana do Livramento, São Francisco de Paula, São José dos Ausentes, São Miguel das Missões e Torres.
> 60% dos turistas do RS são gaúchos.
> 38% deles viajam apenas para uma cidade.
> 45% dos turistas de outros estados conhecem apenas um destino no RS.
> Metade dos turistas de outros estados que viajam para o RS é das classes A e B.
> 50% dos turistas têm entre 18 e 40 anos.
Permanência
> Entre os turistas gaúchos, 41% ficam apenas um dia no destino.
> Em relação aos viajantes de outros estados, apenas 18% permanecem mais de quatro dias no RS.
Distâncias
> 51,05% dos turistas residem até 250 quilômetros do local a ser visitado.
> 21,52% vêm de distâncias entre 250 e 500 quilômetros.
> 8,22% moram mais longe, entre 1 mil e 2 mil quilômetros de distância.
> 6,36% são de localidades distantes mais de 2 mil quilômetros.
Origem dos turistas
RS: 59,81%
SC: 11,63%
SP: 8,24%
PR: 5,76%
RJ: 3,13%
MG: 2,0%
As dez principais cidades gaúchas emissoras de turistas para estes municípios: Porto Alegre, Caxias do Sul, Pelotas, Canoas, Santa Maria, Novo Hamburgo, Gravataí, São Leopoldo, Passo Fundo e Rio Grande.
Gramado é o terceiro destino mais procurado no país
Apesar das restrições ainda impostas pelo coronavírus, a procura por viagens a destinos brasileiros se intensificou ao longo do mês de julho, conforme dados do Expedia Group. A busca por viagens no Brasil para os meses de agosto a outubro teve crescimento médio de cerca de 30% a cada semana, sempre em comparação com o período imediatamente anterior. Além disso, as consultas para o período mencionado foram, ao longo de julho, mais que 100% maiores do que as realizadas para os meses de dezembro de 2020 a fevereiro de 2021.
Entre as cidades mais buscadas pelos turistas está Gramado. O município da Região das Hortênsias é o terceiro destino mais procurado no país para hospedagens nos meses de agosto a outubro. Rio de Janeiro e São Paulo estão em primeiro e segundo lugar, respectivamente.
De toda a procura por hospedagens em destinos brasileiros, 75% foi realizada por viajantes domésticos. Da parcela que veio do exterior, os Estados Unidos foram o país com a participação mais expressiva, com pouco mais que 10% do total.