Enquanto diversos setores da economia mundial estão contabilizando seus prejuízos e preocupados em como impedir a recessão global por conta do coronavírus, aqui na Serra Gaúcha o agronegócio vai driblando como pode os efeitos da covid-19, mas também da estiagem.
— Olha, estamos mais preocupados com a seca do que com o coronavírus, porque a falta de chuva está nos massacrando ainda mais — desabafa o agricultor Agostinho Guazelli, 56 anos.
Guazelli tem plantações de beterraba e cenoura, em Vila Oliva, interior de Caxias do Sul, mas está preocupado porque estima perder pelo menos 30% da produção.
— Os açudes estão secos há mais de um mês. Nunca vi uma coisa dessas. Faz 20 anos que eu planto no mesmo lugar, a mesma extensão de terra, e tenho os mesmos açudes, mas nunca aconteceu de ficar sem água — conta.
A prefeitura de Caxias do Sul está ciente da situação, revela Valmir Susin, secretário da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Smapa).
— A seca está prejudicando muito, não só a nossa lavoura, mas tem faltado água para o consumo das pessoas e para os animais. Os agricultores que têm falta de água e têm depósito, o Samae tem feito o abastecimento. Mas só no caso de consumo e para os animais — explica Susin.
O jeito, diz Guazelli, é se virar como podem. Para lidar com a seca, eles têm recorrido aos vizinhos, que têm água para que ele possa regar a plantação. E, para a prevenção do coronavírus, eles têm seguido as recomendações da área da saúde, e menos pessoas têm almoçado no refeitório da propriedade. Guazelli conta com uma equipe de 15 trabalhadores, sendo que eles estão almoçando separados.
— Regamos a colheita uma vez por dia por, no máximo, 10 minutos, sendo que o ideal seria pelo menos 1 hora por dia — resigna-se.
Vindima com proteção
A Vinícola Luiz Argenta, de Flores da Cunha, encerrou a colheita na última quarta-feira (25). Mas, desde que o receio de as pessoas serem infectadas pela covid-19 tomou a região da Serra Gaúcha, a vinícola adotou precauções.
— Ainda bem que o coronavírus só chegou no Brasil mais tarde. Se tivesse chego aqui dois meses atrás, ia ser um problema, porque tinha muita gente colhendo uva. No nosso caso, coincidiu o início da quarentena com o final da colheita — revela Edegar Scortegagna, 38, enólogo responsável pelo vinhos da Luiz Argenta.
Scortegagna explica que a vinícola normalmente teria pelo menos 15 pessoas na colheita, mas nas últimas semanas foram apenas cinco, que trabalhavam separadas, com luvas e máscaras. Dentro da vinícola, seguem trabalhando apenas três das oito pessoas que geralmente realizam suas atividades.
— Essa safra com certeza será inesquecível. Por um lado, temos uma safra fantástica com alta qualidade. Mas temos um outro motivo que não é positivo, que é colhermos a uva em época de coronavírus.
Ceasa ainda com horário flexível
Na semana passada, a Ceasa Serra, em Caxias do Sul, fechou para atendimento na quarta (25) e sexta-feira (27). A mesma flexibilidade de horários vai se repetir nesta semana.
— Anunciaram pra gente a abertura para os clientes cadastrados às 10h e clientes em geral das 13h até as 17h. Nessa semana, também não terá comercialização na quarta (1) e sexta-feira (3) — revela Daiane Chies Baldasso, 32, que trabalha no setor financeiro e administrativo da empresa Requinte Frutas.
O fluxo de maior volume de vendas, diz Daiane, ocorreu uma semana antes do decreto da prefeitura de Caxias, que determinou o fechamento de diversos setores da economia. Foram aqueles dias em que as pessoas saíam do supermercado abarrotados de compras, lembra.
— Os clientes e as empresas que têm boxes aqui na Ceasa entendem a necessidade de ficarmos abertos para o abastecimento das redes de supermercado. Não sei te dizer se as pessoas aqui estão com medo do coronavírus, mas todos estão mais preocupados com a higiene — explica.
Novo nicho de venda para hortifrúti
Com o fechamento temporário das Feiras do Agricultor, Ponto de Safra e Feira Ecológica, os produtores precisaram pensar em alternativas para a venda dos hortifrutigranjeiros. Mesmo com a reabertura das feiras de rua, que voltaram ainda nesta terça-feira (31), algumas novas estratégias de vendas deverão ser aprimoradas.
Por exemplo, a Cooperativa de Agricultores e Agroindústrias Familiares de Caxias do Sul (Caaf), quando se viu sem a alternativa da venda nas feiras, idealizou, em parceria com o Sebrae, uma forma de comercialização por telefone.
— Lançamos a venda por telefone no dia 25 de março e, no dia seguinte, tivemos mais de 1,6 mil solicitações. Temos clientes que relataram que frequentavam as feiras, mas não tenho como dimensionar quantos seriam — explica Marcos Regelin, gerente técnico administrativo da Caaf, que foi criada em 2010 e conta com 280 famílias.
Temporariamente, o serviço de venda por telefone da Caaf está suspenso, porque eles não conseguiram atender a todos os pedidos. Para seguir com o projeto, a cooperativa está reavaliando a atuação junto aos consultores do Sebrae, com alternativas por vendas online, através de site ou aplicativo.
Todos os clientes que fizeram seus pedidos na semana passada receberão os produtos que foram comprados, afirma Regelin.