Uma pesquisa de percepção divulgada na terça feira pela Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul (CIC) aponta queda de 44% no agronegócio da Serra por conta da estiagem e da pandemia da covid-19. Um dos setores mais atingidos é o vitivinícola. Segundo o levantamento, a estimativa é de redução de 60% nas vendas de vinhos nos meses de março e abril. Além disso, os estoques das cantinas estão abarrotados há três anos. O presidente da Uvibra, Deunir Argenta, estima 40 milhões de litros nos depósitos só das uvas viníferas. A safra deste ano vai render outros 300 milhões, resultado de uma produção de 600 milhões de quilos de uva. Se somar os sucos e outros derivados, este número ultrapassa os 450 milhões de litros. As poucas vendas estão acontecendo pela internet, mas representam uma fatia quase insignificante.
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A colheita deste ano recém terminou e os caminhões descarregaram as últimas caixas no dia 20 de março, quanto tudo parou devido ao coronavírus. Com praticamente todas as áreas fechadas, a uva nas cantinas ainda aguarda as próximas etapas do processo de fermentação e produção do vinho.
— O cenário é como o de outros setores da economia. De estagnação total. E não vejo negócios sendo fechados nos próximos dois meses — lamenta Argenta.
O cenário afeta inclusive quem vendeu sua uva para as cantinas, pois correm o risco de não conseguir receber pela produção.
É o caso de Adriano Bogo, que tem a uva como carro-chefe na propriedade em Ana Rech, interior de Caxias. Ele entregou 130 toneladas da fruta para duas vinícolas em Flores da Cunha. Uma delas já pagou pelo recebimento, mas da outra ainda não sabe se vai conseguir receber.
— Sinceramente, não sei se esse dinheiro vai entrar — menciona.
Isso, segundo ele, vai impactar na próxima safra, já que é época de comprar os insumos para as videiras e preparar os parreirais para a próxima colheita.
Sócio proprietário da vinícola Lovatel, Evandro Lovatel também já sente na pele a queda nos negócios. A empresa vende sua produção de 2 milhões de litros para vários Estados do Brasil.
— Tá tudo fechado. Março e abril, vendemos menos de 40%.
O que pode salvar as vinícolas?
A reação ao atual cenário poderá acontecer se, quando a covid-19 acabar, o consumidor valorizar os vinhos nacionais. Argenta destaca o preconceito que existe em relação à bebida produzida na Serra e no país.
— Precisamos que o povo seja bairrista, que consuma o produto feito aqui — declara.
Se isso acontecer, informa, a economia ainda poderá se reerguer. Para isso, é preciso um trabalho de marketing muito forte e conscientizar as pessoas de que, se continuarem consumindo produtos de outros países, o Brasil não vai sair do buraco.
— A proposta é modificar o comportamento do povo e consumir o que é feito aqui. Caso contrário, estaremos fortalecendo os outros países e empobrecendo o nosso.
"Vamos dar um jeito de pagar", diz diretor da Aurora
Uma das maiores cooperativas do país, a Vinícola Aurora está entre aquelas com estoques de vinhos acima do limite e todo o processo desta safra parado. O diretor superintendente Hermínio Ficagna se diz muito preocupado com os impactos do coronavírus. Os estoques estão acima da média, as vendas em queda, e o processo de fabricação do vinho, parado.
— Estamos há 20 dias sem nenhuma atividade. Isso para uma vinícola que acaba de receber 62 milhões de quilos de uva é assustador — avalia Ficagna.
São mais de 1,1 mil famílias em 11 municípios da Serra que dependem da uva entregue na Aurora para se sustentar. Sobre isso, o diretor sinaliza:
— Vamos dar um jeito de pagar a cada um.
A primeira parcela será paga este mês. Na cooperativa, o pagamento é feito todos os meses.
— Pode demorar um pouco mais, mas eles vão receber — tranquiliza Ficagna.
O primeiro baque foi sentido com o cancelamento das feiras em todas as esferas, onde as vinícolas expõem e divulgam os produtos para concretizar os negócios lá adiante.
— Perdemos essa fatia de vendas. Agora, precisamos de uma nova estratégia para divulgar e valorizar os produtos produzidos aqui.
A alta do dólar, segundo ele, pode favorecer o mercado brasileiro, pois os vinhos nacionais devem ter maior espaço.
— É o momento de fortalecer o setor.
A PESQUISA
A pesquisa que analisa os impactos da pandemia e da estiagem nos setores da Serra foi realizada pela diretoria de Agronegócios da CIC Caxias. Segundo o economista e diretor de Agronegócios da Câmara, José Paulo Soares, que elaborou o projeto, o estudo foi realizado segundo a percepção de empresários dos mais diversos segmentos da economia, principalmente o agronegócio. O levantamento foi feito entre os dias 3 e 10 de abril e teve a participação da Aprocerva Serra, Farsul, Sebrae, Receita Federal e Cooperativa de Agricultores e Agroindústrias Familiares (Caaf).
Reflexos na produção de leite
Os impactos do coronavírus e da estiagem também chegaram à produção de leite e nos produtores de hortifrutigranjeiros. Na queijaria de Deisiane da Roza, em São Jorge da Mulada, distrito de Criúva, interior de Caxias, a queda na fabricação de queijo caiu pela metade. A seca matou o pasto e as vacas precisaram ser alimentadas somente com ração.
—Subiu o custo e reduziu a produção — lamenta Deisiane.
Em 2019, produzia 35 quilos do produto por dia. Este ano, são 15 quilos. O consolo é que a venda está garantida.
Na queijaria Bolson&Camelo, a queda também caiu pela metade: na produção e nas vendas. A proprietária Marta Camelo explica que a redução na safra de milho atingiu a alimentação dos animais E o fechamento dos hotéis e pousadas em Gramado, onde entrega boa parte dos produtos, atingiu em cheio as vendas.
HORTIFRUTIGRANJEIROS
Na Ceasa de Caxias, os varejistas da cidade, que compram em menos volume no horário das 13h, a redução estimada é de 40%. O gerente técnico operacional da Adcointer/Ceasa-Serra, Marcelo Nunes, diz que a queda se deve ao decreto estadual que prevê menos aglomerações de pessoas em locais públicos. Para os cadastrados, que compram em grandes volumes e levam os produtos para outras regiões, as vendas estão estabilizadas.
Nunes lembra que não há falta de produtores na Ceasa no momento. A redução da oferta deve acontecer nos próximos meses devido aos reflexos da estiagem.
A produção de frutas do agricultor Daniel Zanette, na região de Ana Rech, por exemplo, teve queda de pelos menos 40% nas lavouras. A falta de frio no inverno passado e a estiagem estão entre as causas, mas o coronavírus reduziu os pedidos em 30%. Em 2019, a produção na propriedade rendeu 3 milhões de quilos. Este ano, caiu para 2 milhões.
OS IMPACTOS
:: 44% das empresas afirmam que as despesas com o aluguel estão entre as mais pesadas.
:: 54% dos empresários afirmam que precisarão de crédito para manter seus negócios, sem demitir.
:: Desses, 31% ainda estão avaliando a alternativa.
:: A redução na safra da uva foi de 25%.
:: Queda de 60% nas vendas de vinhos.
:: Cervejarias artesanais tiveram baque superior a 80%
:: A estiagem deve reduzir a oferta de hortifrutigranjeiros nos próximos meses.
:: Safra de maçã menor, mas de ótima qualidade e com preço valorizado para quem exporta devido à alta do dólar.
:: Tomate com preços abaixo do custo custo, cerca de R$ 1,50 o quilo, prejudicando os produtores.
:: Queda na produção do leite ainda não estimada.
:: Produção menor de ovos. A alta do dólar deve direcionar a produção para as exportações, ocasionando pressão nos valores e encarecendo também o preço da carne de frango.
Fonte: pesquisa realizada pelo Departamento de Agronegócios da CIC Caxias