Um desentendimento entre duas empresas que processam pagamentos eletrônicos deixou hotéis, lojas e até artesãos sem receber o dinheiro de clientes que realizaram compras via cartão de crédito em Gramado. Os estabelecimentos mantinham contrato com a Bela Pagamentos, startup do setor financeiro com sede na cidade da Região das Hortênsias. A empresa era subcredenciada da Stone, que opera transações eletrônicas em todo o país.
A situação se arrasta desde meados de maio, quando parte dos clientes da Bela viram o dinheiro das vendas pararem de entrar nas contas. Os consumidores pagavam em máquinas da startup, mas quem processava a transação junto às bandeiras dos cartões era a Stone. A empresa de Gramado não tem aval do Banco Central para este tipo de procedimento, por isso precisa se associar a outra empresa que detém autorização.
De acordo com Janete Dambros, advogada que representa 10 clientes em situação semelhante, inicialmente a suspeita era de problemas no sistema. Com o passar dos dias, no entanto, os empresários passaram a suspeitar que a Bela solicitava à Stone adiantamentos dos recursos que seriam repassados aos hotéis e demais estabelecimentos. Os valores, no entanto, não chegavam aos destinatários finais, o que levou à desconfiança de que os foram utilizados no custeio da Bela Pagamentos.
— Os hotéis não recebiam adiantado porque não tinham pedido. Quando a Stone descobriu, cortou os pagamentos e a Bela não conseguiu mais pagar. Mas a Stone não poderia ter realizado o adiantamento sem a comprovação de que a Bela repassaria ao cliente — argumenta Janete.
Com a interrupção dos repasses, empreendimentos, como o Hotel Villa Bella, se viram com dificuldades até mesmo de pagar o salário dos funcionários, segundo a advogada. Por isso, diversos estabelecimentos passaram a entrar com processos judiciais contra as empresas. Até sexta-feira (26), pelo menos 19 ações já haviam sido ajuizadas. O total devido é de, no mínimo, R$ 8 milhões, conforme Janete.
Em pelo menos um caso, o do Hotel Villa Bella, a Justiça determinou, no início de junho, que uma das duas empresas repassassem os valores devidos, sob pena de multa diária de R$ 5 mil. A decisão foi convertida em bloqueio de contas no dia 2 de julho para garantir o pagamento. Nesse período, em meados de junho, a Bela entrou com pedido de recuperação judicial, com prazo de 60 dias para apresentar um plano para quitação das dívidas.
Como as empresas atuavam em parceria, a legislação determina que nesses casos há responsabilidade solidária. Isso significa que, caso a empresa responsável pelo problema não arque com os prejuízos, a parceira terá que assumir a dívida e ressarcir o credor. Por isso, a Stone tem feito parte dos pagamentos que originalmente deveriam ser realizados pela Bela.
Em nota, a Stone diz que, embora esteja realizando os repasses, a dívida é de responsabilidade da empresa gramadense. Afirma ainda que repassou à startup os valores que seriam para os estabelecimentos e que, após a Bela alegar problemas de liquidez, foram identificados indícios de fraude e de incerteza de pagamento. Por isso, a empresa nacional explica que decidiu encerrar o contrato.
Já o advogado Gustavo Sudbrack, que representa a Bela no processo de recuperação judicial, diz que representantes da empresa se reuniram com a Stone no fim de maio para apresentar documentos e planilhas financeiras. Depois disso, segundo ele, a Stone encerrou o contrato sem dar explicações. O advogado garante ainda que a Bela sempre honrou os pagamentos mas, por ser uma startup, vinha com problemas de caixa, já que companhias do tipo são dependentes de aportes financeiros.
— A empresa já vinha em uma situação desconfortável. Quando a Stone desligou o sistema, a Bela não conseguiu mais honrar os pagamentos. 90% dos pagamentos da Bela eram via Stone. A Bela nunca negou que era responsável, mas foi por um fato que fugiu da responsabilidade dela — afirma o advogado.
Sudbrack diz ainda que a empresa não pode fazer nenhum pagamento fora do plano que terá que ser aprovado dentro do processo de recuperação judicial. Por isso, a Stone está realizando os repasses e os valores podem ser negociados entre as duas empresas no futuro.