Renomado navegador brasileiro, Amyr Klink desembarca na Serra nesta semana. Ele irá palestrar em Gramado, nesta terça-feira (9), e em Garibaldi na quinta (11). Quem pretende vê-lo, não espere ouvir lições ou conselhos — Amyr detesta autoajuda. A intenção é falar de suas experiências, que incluem mais de 40 viagens à Antártica. Nesta entrevista, ele adianta o assunto das conversas que terá na região, fala sobre Brasil e de seus negócios, como a Marina do Engenho, em Paraty, no Rio de Janeiro, onde aluga espaço para barcos. Confira:
Como podemos ter autoliderança e protagonismo, tema da sua palestra?
Vou falar sobre o exercício de desenhar projetos e fazer acontecer, que eu acho que é o desafio, nem do Brasil nos tempos atuais, mas das novas gerações, onde você tem muito acesso a todo tipo de informação, você já sabe o resultado de tudo e, ao mesmo tempo, existe uma espécie de acomodação, de falta de iniciativa. Só que eu vou falar isso com exemplos práticos, no ambiente onde eu trabalho. É um ambiente interessante, onde tem muito protagonismo, tem pessoas que se empenham a vida inteira para realizar os seus projetos. Às vezes, dá tudo errado e começam tudo de novo. Eu vivo em um ambiente onde tem um conjunto de exemplos muito ricos nesse sentido.
O que é importante na hora de começar um projeto?
Não pretendo ficar dando conselhos e essas coisas de autoajuda, que eu detesto. Gosto de mostrar exemplos. Estou vivendo esse problema em casa. Uma das nossas filhas está querendo fazer uma travessia solitária do Atlântico Norte e ela pede ajuda, recursos, e eu estou tentando explicar que se em algum momento da minha vida eu tivesse as condições ideais para fazer o que eu queria fazer, eu nunca teria feito. O motor da criatividade, da iniciativa é a carência, é a falta de recursos, e é quando existe a falta de recurso que você começa a ficar criativo e a encontrar meios de fazer acontecer.
Algum exemplo das suas viagens e projetos?
Milhares. Quem olha de fora diz: "nossa, que legal, o cara fez um super veleiro, foi 14 vezes para a Antártica", como se fosse uma coisa... A obra do Paratii 2 foi uma obra de oito anos onde eu fiz 2,2 mil viagens de São Paulo a Itapevi. Eu construi o barco. Depois que ele fez a primeira série de viagens, percebi que se em um momento tivesse os recursos com os quais eu sonhava, nunca teria dado certo o projeto. Em oito anos, teve um único período que consegui um contrato de apoio com uma petroleira. Foi o único ano que a gente teve os recursos mínimos necessários para tocar a obra do jeito que eu queria. Foi o pior ano, foi o ano em que a gente errou tudo. Acho que é justamente a escassez que faz a gente ser ciente, que dá a noção da finitude, de saber que o que leva oito anos para você fazer pode desaparecer em oito segundos, e aí você começa a ficar eficiente. Infelizmente, vivemos em um país de muita fartura onde a gente é muito pouco eficiente. O Brasil nunca viveu extremos de carência, de miséria. Até no aspecto climático, a gente tem condições favoráveis o ano inteiro, não temos situação de furacões, não tivemos conflitos mortais em escala que outros países tiveram, por exemplo, na África, na Ásia, no Oriente Médio.
As pessoas costumam ter receio de se aventurar. Como o senhor incentiva as pessoas a iniciar seus projetos sem medo?
Eu não tenho nenhuma pretensão de ensinar nada em palestra nenhuma (risos). Faço isso porque as pessoas convidam. Percebi também que existe uma carência de exemplos reais numa época da história que nós temos tantos teóricos sobre atitudes, modo de vida, o que fazer para ter sucesso e essas bobagens que a gente lê por aí. Não pretendo transformar ninguém nem nada. Sou convidado a dar um testemunho sobre um conjunto de experiências que foi muito bem sucedido. E, por trás desse conjunto de experiências, temos um bocado de suor, de erros. Gosto de colocar o pé do pessoal no chão e não deixar achar que se faz uma carreira de sucesso com planejamento, determinação. Não é só isso. Eu gosto muito da experiência de falar porque eu falo de um assunto que eu domino, onde eu sou condutor. Descobri bem jovem que só existem duas maneiras de viajar. Ou você é passageiro, pode viajar o mundo inteiro, para onde quiser, mas você sempre vai ser passageiro. Você não vai mudar o horário do voo, o meio, o tempo no destino. E eu não quero fazer isso. Decidi que eu queria ser um condutor, queria escolher o meu destino, construir os meios para chegar até ele, escolher o tempo de permanência e a hora de voltar, e é isso que eu faço hoje, um tipo de viagem diferente. Muito pouca gente faz isso hoje no mundo. Vou fazer duas viagens para a Antártica esse ano, vou num navio de expedição, lindo de morrer, uma experiência única, mas é uma viagem onde você é passageiro. Eu não vou ser o condutor. E hoje o mundo se acomodou, as pessoas gostam de ser conduzidas.
O que essas experiências de conduzir suas próprias viagens lhe trouxeram?
Primeiro, um bocado de sofrimento (risos). Muito risco envolvido, tem momentos difíceis em que você tem de voltar atrás. Nem sempre é do jeito que você gostaria. Por outro lado, são experiências muito gratificantes. Você acaba construindo um leque de relações com pessoas muito especiais, de todos os níveis que você pode imaginar. Essa é a beleza da região que eu gosto de visitar, que é a Antártica, as altas latitudes do Sul. Como é uma região onde não tem países, não tem soberania de nenhum país e o meio é muito forte, ao contrário do Ártico, onde a navegação é muito fácil, na Antártica tudo é difícil. O clima, o acesso, não tem espaço para errar. A força do meio faz com que as pessoas diminuam as diferenças entre si. Embora eu não goste de vida social, a experiência mais marcante em 40 viagens para a Antártica foi exatamente a convivência nesse ambiente com pessoas de todos os tipos: de boa e má índole, bandidos, contrabandistas, cientistas, vagabundos. É uma experiência não só gratificante, mas divertida também.
Como foi gerenciar os problemas e riscos que surgiram nessas viagens?
Tem os riscos de antes de ir e os de ir. O pessoal normalmente fica impressionado com a dificuldade num ambiente tão inóspito, ondas de 20 metros, temperaturas negativas extremas. Mas essa é a cereja do bolo, a parte que eu gosto. Tem o outro lado, que são as dificuldades técnicas. Eu não viajo em barcos que comprei na esquina com financiamento do BNDES ou de um patrocinador americano. Viajo com barcos que a gente projetou e construiu aqui no Brasil, com muita dificuldade. Mas são exatamente essas dificuldades que fazem com que eles sejam confiáveis. A gente gosta de fazer projetos simples, hiper eficientes, de fácil manutenção. E a gente tem problemas financeiros também. Eu quero ter um valor de revenda para depois poder me livrar da desgraça do barco. Não quero morrer abraçado num brinquedão de plástico. Com os anos, a gente aprendeu que, talvez, a parte mais delicada é essa que antecede cada viagem. É difícil quando você não tem os meios necessários e é até mais arriscado quando você tem os meios necessários, porque aí você tem de comprar soluções prontas, que foi o exemplo que eu te dei. No único ano que a gente tinha recursos financeiros, todas as decisões foram equivocadas, porque a gente estava tranquilo e a gente deixou de ser criativo, de pensar em soluções mais econômicas, mais simples. Gosto muito desse universo da eficiência, da simplicidade, do não-desperdício. E hoje a gente vive no mundo do descartável, da reciclagem, que são conceitos completamente errados. Em termos ambientais, reciclar nosso lixo é um crime. No Brasil, estamos tão atrasados que as ONGs ambientais proclamam isso como a meca do futuro. Eu não quero uma economia reciclável, quero uma economia circular, quero uma economia em que tudo o que você usa foi projetado para o reuso e não foi aproveitado como a gente gosta de fazer, com espírito de catador de lixo que a gente tem.
No sentido de diminuir o consumo também?
Também, mas mesmo não diminuindo o consumo, de projetar os bens de consumo que a gente abraça para serem desmanchados, para se integrarem a outro ciclo de produção. Acho indecente você fabricar uma embalagem com 500 anos de durabilidade para tomar um refrigerante em 90 segundos. É uma coisa muito burra. Mas a gente não se preocupa com isso. É claro que é muito mais fácil implantar isso (economia circular) em um país de 4 milhões de habitantes como a Noruega. No Brasil, a gente sempre tem esse desafio da escala, mas é possível. Mesmo no Brasil a gente tem exemplos interessantes na área industrial de projetos que estão começando a fazer iniciativas nesse sentido.
Já que estamos falando de economia e de Brasil, como estão os mares para a economia brasileira?
Acho que a gente tem um cenário muito positivo para frente, mas o fato é que a gente vem de um período, que não é o período do petismo, de 13 anos, a gente vem de um período muito longo de paternalismo econômico, onde todo mundo luta pelos seus direitos e, na verdade, ninguém se preocupou com uma economia eficiente. Um grau de estatização completamente irracional, diria até criminoso, onde várias instituições conseguiram construir, e nisso o brasileiro é mestre, uma muralha de privilégios. Funcionalismo público, magistratura, as estatais, cabides de emprego vergonhosos, e está na hora da gente virar isso e acho que temos um cenário positivo. Temos um problema, de uma herança ruim, de gestão muito pouco eficiente e temos outro problema que as pessoas que hoje estão no governo e assumiram essa tarefa ainda não estão suficientemente preparadas e estão cometendo muitos erros, e vão cometer muito mais. E temos um problema cultural. Um país razoavelmente atrasado em termos culturais, onde a comunidade intelectual é muito pouco preparada, não tem nenhum intelectual brasileiro que fale seis línguas, que seja notavelmente inteligente. A gente tem uma postura muito individualista e quase sectária. "Ah, não votei nesse cara, quero que se ferre". Não, claro que votou. Eu não dei meu voto, por exemplo, para a Dilma, mas eu sou eleitor dela. Eu participei do processo. No instante em que ela foi eleita, eu sou eleitor dela. E no Brasil, as pessoas não entendem, pensam como no futebol. Meu time não ganhou, quero combater o que ganhou. Essa noção de processo, de todo, de pensar no conjunto, no barco ainda é uma deficiência cultural que a gente tem. Na elite econômica também tem esse espírito belicoso de oposição e isso é muito ruim. Nós temos de ter orgulho dos brasileiros que ficam ricos, que se destacam e não ter inveja.
Estamos todos no mesmo barco?
Estamos, claro. Essa noção de barco é maravilhosa. Eu sempre digo que a característica mais maravilhosa de um barco é que o desgraçado afunda. E quando você está em um ambiente que você tem a clareza, a noção absolutamente cristalina de que afunda, a tua atitude muda. A maioria dos brasileiros não acha que o Brasil afunda. A história da Previdência, se a gente não fizer com rigor draconiano, vai afundar. Não é uma Previdência mais ou menos ou preservar os direitos adquiridos. Não tem direito adquirido. Deixe de ser preguiçoso. Não tem espaço, não tem volume físico de dinheiro para o que a gente desenhou no passado. Tem de reformar e não é uma reforminha leve, é uma reforma draconiana para a gente ser rico. Eu quero pertencer a um país rico. Não quero ser filho de um país pobre, e eu produzo riqueza. Eu sei como produzir, na minha atividade eu gero emprego, queria gerar mais, mas também não cedo à pressão das instituições, do Estado, de corrupção, de levar um troquinho. Essa cultura, infelizmente, existe. Tenho uma atividade no meio náutico e emprego 1 mil pessoas, poderia empregar 4 mil. Não consigo expandir porque o Estado do Rio de Janeiro é corrupto, tem sempre alguém que quer um jeitinho de ganhar.
Essa proposta de reforma da Previdência lhe agrada?
Não vai agradar ninguém. A gente tem de entender que ela tem de ser feita. A conta matemática não fecha. É uma questão técnica, não é questão de ideologia, de esquerda, de direita. Não tem espaço a previdência para o funcionalismo e para o setor privado serem diferentes, para o Judiciário e o Legislativo serem diferentes. Os privilégios têm de acabar. E tem de doer na carne, paciência. Se a gente fizer isso direito, em quatro ou cinco anos, a situação do país pode reverter. Vamos ter um exemplo interessante de recuperação de um país que pode acontecer aqui do nosso lado, na Venezuela. Um país que tem um potencial extraordinário, mas que está nas mãos de criminosos há muito tempo. E tem gente no Brasil que defende esses criminosos. E não é só a reforma da Previdência (no Brasil), tem de ter reforma na parte tributária, a economia tem de ser mais eficiente. Levei 12 anos para montar um negócio que emprega 1 mil pessoas. O mesmo negócio eu monto nos EUA em 15 dias. Tenho um negócio próspero hoje, mas levei 12 anos para conseguir a primeira licença de operação. É muita coisa, eu queria gastar a minha energia para gerar mais riqueza, não para ficar atendendo exigências completamente fúteis. Tem uma nova geração que está lendo isso de forma diferente, que não vai mais brigar por privilégios, que vai brigar para construir riqueza.
Qual seu próximo projeto e próxima viagem?
Próxima viagem é para a Antártica, gosto muito de ir para lá. Estamos hoje trabalhando em um projeto de estruturas flutuantes para trabalho e residência. Acredito muito no conceito das habitações flutuantes e das construções sobre espelho d'água. O Brasil tem muitos. A gente tem uma matriz energética fortemente apoiada em hidrelétricas que a gente não usa e a construção sobre a água é uma das especialidades da minha empresa. Meu escritório em Paraty está sobre o mar, fica a 50 metros do Brasil. O prédio é de uma construção muito mais barata do que se eu fizesse sobre a terra, muito mais eficiente e muito mais confortável. Acho que essa solução serviria para vários locais com problemas de habitação hoje. E também para um mercado de alto luxo. Nessas áreas de preservação, por que não usar a água para construir ao invés de construir sobre a terra?
SERVIÇO
Gramado
Quando: terça-feira, 9 de abril, às 19h30min.
Onde: Expogramado (Av. Borges de Medeiros, 4111 - Centro).
Mais informações: sesc-rs.com.br/conexaodeideas
Garibaldi
Quando: quinta-feira, 11 de abril, às 19h30min.
Onde: Ginásio da Associação dos Motoristas de Garibaldi (Rua Antônio Bortolini, 400).
Mais informações: www.apeme.com.br/agenda, (54) 3462-2755, (54) 99161-4174 e projetos@apeme.com.br.