"Somos escravos do governo federal." É assim que o empresário caxiense Claudir Bordin define sua rotina de trabalho nas empresas MBA Informática e CR Energia. As duas empresas estão na lista de dezenas que fornecem produtos para o governo federal e que não recebem por eles.
Na CR Energia, o atraso chega a seis meses. Mais de 90% de sua produção vai para órgãos federais como hospitais e universidades federais. Entre seus maiores clientes estão as Forças Armadas. Não há estatísticas de quantas empresas caxienses fornecem para o governo e que estão sendo prejudicadas pela inadimplência do governo federal.
Uma rápida pesquisa feita pela reportagem do Pioneiro indica mais de 20, com débitos da União que superam os R$ 100 milhões. Esse dinheiro poderia impulsinar a economia do município, um dos mais prejudicados pela crise econômica.Só para o grupo Marcopolo (envolve Neobus, Volare e Ciferal) são mais de R$ 15 milhões, segundo o vice-presidente de Relações Institucionais da Marcopolo, José Antônio Fernandes Martin. O valor já foi bem maior: R$ 200 milhões.
A maioria são grandes empresas do setor metalmecânico que preferem não falar publicamente sobre o assunto. A Comil, de Erechim, por exemplo tem valor de R$ 55 milhões para receber. Desses, R$ 15 milhões são para fornecedores de Caxias.
O diretor-executivo do Simecs, Odacir Conte, reconhece o atraso e o quanto isso prejudica o giro de caixa dessas empresas, mas diz que não tem como monitorar este tipo de negociação.
– O governo não está liberando. Se libera, é com atraso _ diz Conte.
Balde de água fria
Bordin espera ansioso pelo pagamento de mais de R$ 250 mil para impulsionar a produção das duas fábricas _ uma de acessórios para informática e a outra de sistemas de geração e condicionamento de energia, nobreaks e estabilizadores de tensão. A cada dia, ele acorda com a expectativa de receber uma notícia positiva.
– Mas só recebo baldes de água fria. Nos dizem, simplesmente, que o dinheiro não está disponível. Mesmo assim temos que continuar trabalhando, sem projeção, sem saber quando vamos receber – reclama o empresário.
O empresário Lori Luiz Furlan também já perdeu várias noites de sono. Ele administra a Serrana Sistema de Energia, que fornece produtos a vários órgãos do governo federal. Quase tudo o que foi entregue no segundo semestre de 2016, com nota liquidada (quando houve repasse da mercadoria ), não foi pago. A dívida ultrapassa os R$ 150 mil e coloca em risco o funcionamento da empresa de pequeno porte de Caxias, que produz equipamentos para fornecimento, correção e geração de energia, como autotransformadores, estabilizadores e nobreaks.
– De nada adianta a empresa se profissionalizar, se o governo não cumpre a sua parte. Ele só exige, mas não cumpre as cláusulas do contrato – desabafa Furlan e acrescenta:
– Isso é um golpe. É irresponsabilidade do governo dizer que incentiva o empreendedorismo e não pagar o que deve aos fornecedores – desabafa o administrador.
Lori tem razão. Com mais de 20 mil desempregados, as empresas estão fazendo malabarismos para não fechar as portas.Empresa com 10 anos de mercado, a Serrana Sistema de Energia, tem 11 funcionários – já teve 32 e poderia estar contratando se tivesse garantia de que iria receber. Fornece para os governos das três esferas: municipal, estadual e federal, principalmente para as Forças Armadas.
Segundo Furlan, o processo para fornecer é muito complexo (ver quadro). A mesma situação está sendo vivenciada pela CR Energia. Com seis funcionários diretos e mais de 20 indiretos não tem como se planejar.
– Poderíamos estar contratando trabalhadores, mas como vou fazer isso se não sei se vou receber? – pergunta.
"As dívidas serão pagas", diz Mauro Pereira
O deputado federal Mauo Pereira (PMDB) é o elo entre as empresas e o governo federal. Ele garante que todas as dívidas serão pagas. Se ainda não foram, segundo ele, é porque existe algum item no processo que não está cumprindo as exigências dos editais. Ele reforça que dezenas de empresas caxienses, por exemplo, fornecem produtos para a Comil, montadora de ônibus de Erechim, uma das principais fornecedoras do governo federal. A dívida com a empresa é de R$ 55 milhões. Desses, R$ 15 milhões são de fornecedores caxienses.
Mauro explica que o motivo da dívida está no processo de documentação e negocioção com a empresa de ônibus que não respeitou as regras.
– Eles foram vítimas do excesso de confiança e por isso ainda não foi pago. Consequentemente, as empresas de Caxias também não receberam – declara o deputado.
Mauro revela que, nos anos de 2015 e 2016, todos os fornecedores receberam calote, mas que, em 2017, com a a lei de repatriação, foram pagos mais de R$ 54 milhões.
– Trabalho em defesa dessas empresas.
E acrescenta:_ As empresas que estiverem com problemas para receber, podem me ligar. Meu telefone é: (54) 9912.0087 – declara.
COMO FUNCIONA
Para participar do processo de licitação e fornecer produtos ao governo federal são necessários vários requisitos. Confira:
As etapas
1. A empresa deve se cadastrar nos portais de pregões eletrônicos. Um deles é comprasnet.gov.br.
2.Preencher o formulário com toda a documentação solicitada, inclusive a exigência de negativa de todos os impostos.
3. Imprimir o formulário e se dirigir até o órgão cadastrador. Em Caxias, é na unidade do 3º GAAAe. Lá, procurar pelo Sicaf, que vai analisar e dar o OK ou não não da documentação entregue.
4. No Sicaf, é fornecida uma senha de acesso que libera a participação da empresa nos editais eletrônicos.
5. A partir daí, a empresa contata com uma assessoria especializada que vai fazer um levantamento de todos os editais disponíveis para fornecer a linha de produtos da empresa, com dia e horários definidos.
6. Com o estudo em mãos, a empresa entra nos portais, se cadastra e lança seu valor sem saber quem está participando do leilão.
7. Na hora do pregão, é preciso estar logado no computador e acompanhar todo o processo que pode durar de cinco minutos a 11 horas.
8. No final do leilão, os participantes ficam sabendo se venceram.
9. Se venceu, a empresa é convocada pelo órgão governamental para mandar toda a sua proposta por escrito. Ele vai analisar detalhadamente e, se tudo estiver em dia, fechar o processo e entregar o contrato com várias cláusulas.
10. Começa a espera para receber o empenho (emissão de compra).
11. A partir daí, a empresa tem até 30 dias para entregar o pedido. Se atrasar, é cobrada multa e recomeça um novo processo em que o fornecedor pode acatar ou contestar. Se contestar, a burocracia aumenta.
12. No contrato, uma das regras é pagar até 30 dias depois do recebimento da mercadoria.
13. Na maioria das vezes, o atraso do pagamento é rotineiro.
Saiba mais
Pregões eletrônicos
Os pregões eletrônicos têm valor aberto. Os órgãos podem licitar qualquer valor por meio do sistema eletrônico. O teto de R$ 8 mil se refere somente a convites eletrônicos – processos destinados a compras emergenciais que não necessitam do rito processual do pregão, ou seja, publicação no Diário Oficial com antecedência de no minimo 20 dias da data de abertura.
Pregões presenciais
Os pregões presenciais podem ser realizados para qualquer valor e sofrem o mesmo caminho do eletrônico, só que são efetuados com a presença de todos os licitantes previamente cadastrados. São usados por empresas estatais que não aderiram a algum portal eletrônico ou mesmo que estejam logadas a portais licitando processos de serviços ou obras. Podem também usar o presencial para compra de materiais – menos utilizado, pois restringe a participação do número de ofertantes.
Fonte: Roberto Sartor, gerente comercial da CR Energia, de Caxias do Sul
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Ivanete Marzzaro
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