Economista, mestre em Administração e doutora em Urbanismo, Ana Carla Fonseca será a palestrante desta terça-feira em novo encontro do Avanti Serra, projeto do Grupo RBS com parceria da ANC Urbanizadora e da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
Referência em economia criativa, cidades e negócios criativos, Ana liderou projetos em multinacionais por 15 anos na América Latina, em Londres e Milão e concebeu e realizou projetos de inteligência coletiva nas cidades, como Criaticidades e Sampa CriAtiva.
Em entrevista concedida por e-mail, confira um pouco das ideias de Ana Carla sobre o tema da palestra, Cidades criativas e inteligência coletiva e seu impacto sobre temas locais.
Pioneiro: Sua palestra tem como tema Cidades criativas e inteligência coletiva. A senhora poderia explicar melhor o que é uma cidade criativa? E como se trabalha a inteligência coletiva?
Ana Carla Fonseca: O conceito que adoto de cidade criativa se baseia em um estudo pioneiro que desenvolvemos na Garimpo de Soluções junto a 18 colegas de 13 países como Noruega, Taiwan, África do Sul, Colômbia e Estados Unidos, no final da década passada. O que percebemos foi que, independentemente da escala, da situação socioeconômica e do perfil, uma cidade que se quer criativa se apoia sobre três eixos. O primeiro são inovações, em sentido amplo – das tecnológicas às sociais –, já que inovações são voltadas a resolver problemas ou a aproveitar oportunidades. As inovações ajudam a cidade a se reinventar permanentemente. O segundo eixo é o das conexões, também lato sensu – entre bairros (já que muitas de nossas cidades hoje são fragmentadas nos mapas mentais dos cidadãos), entre grupos sociais (que não raro não se cruzam, o que prejudica o aproveitamento da diversidade), entre passado e futuro, entre atores urbanos: governo, setor privado, sociedade civil. É aí que se insere a lógica da inteligência coletiva, já que a cidade pode ganhar e muito ao dar voz ao conjunto de seus cidadãos. Afinal, ninguém conhece melhor a cidade do que eles e ao reuni-los em torno de uma causa comum, de forma colaborativa e interativa, o potencial de desenvolvimento da cidade cresce exponencialmente. A terceira característica é a da cultura – a cultura do local (que os romanos antigos chamavam “genius loci”, o espírito do lugar), mas também a cultura com “c” minúsculo, abrangendo artes e entretenimento.
Caxias do Sul tem como principal matriz econômica a indústria metalmecânica, que atravessa um período de dificuldades. Como a cidade pode aproveitar o conceito de economia criativa para dar a volta por cima?
O primeiro passo é reconhecer a economia criativa como um novo paradigma econômico. Em um mundo no qual produtos e serviços estão cada vez mais parecidos e no qual capital e tecnologia circulam muito facilmente em escala planetária, o ativo econômico mais diferencial voltou a ser o ser humano. O segundo passo é, portanto, oferecer condições para que esse talento criativo se concretize – do levantamento de dados que permitam um diagnóstico acerca de vocações e potencialidades para Caxias do Sul, à criação de um ambiente mais propício à criatividade. É nessa pauta que se inserem as cidades criativas. Se você observar as economias que vêm investindo mais fortemente na economia criativa para se reinventar – de Londres a Xangai, do Vale do Silício a Paris –, verá que todas elas vêm trabalhando as cidades como locus de criatividade. Afinal, não há como inventar receitas inovadoras e diferenciais sem ter acesso a ingredientes de diversidade, capacitação, tecnologia e cultura.
O turismo é sempre apontado como uma alternativa sustentável para a cidade. No entanto, ao contrário das vizinhas Gramado e Bento Gonçalves, não consegue se desenvolver plenamente. Qual a receita de sucesso nas cidades que deram certo no turismo? Isso passa pela criatividade também?
Há toda uma vertente de estudos e práticas denominada “turismo criativo”. O que ela apregoa, em consonância com o conceito de economia criativa, é que diante de tantas propostas turísticas parecidas, o que realmente traz valor agregado – econômico, social, urbano – são as singularidade de um território. No Brasil há claramente dois fenômenos que coexistem: o das viagens massificadas, normalmente com pacotes de muitas atividades em poucos dias, voltadas especialmente para os turistas estreantes e que têm uma vida mais padronizada; e o das viagens da experiência, da vivência, voltada aos viajantes dos mais diversos bolsos. É nessa segunda categoria, a única, a meu ver, sustentável, que se enquadra o turismo criativo.
Caxias do Sul começa a trabalhar a renovação de seu plano diretor a partir de 2017. Na sua opinião, o que a cidade deve se preocupar dentro desse tema se quiser ser uma cidade criativa?
Na Garimpo de Soluções, tivemos muito envolvimento com os processos de revisão de alguns planos diretores e o que preconizamos é que, além de atentar nas três características de cidades criativas expostas acima, o processo deve ser de fato colaborativo e inclusivo, evitando algumas armadilhas. Para mencionar duas delas, muitas vezes entende-se por colaborativo simplesmente disponibilizar uma ferramenta online. Isso não basta. É fundamental haver um processo de engajamento dos cidadãos dos mais diversos perfis, o que certamente é um dos maiores desafios. Em outras ocasiões vemos iniciativas que se apresentam como colaborativas, mas incorrem na armadilha de filtrar conteúdo, transformando-se apenas em uma forma de validação do que se pretende aprovar.
Temos um problema em mobilidade urbana, com uma população que tende a priorizar o carro em detrimento do transporte coletivo/alternativo. O que pode ser feito para mudar essa realidade?
Há várias questões que se somam ao complexo contexto da mobilidade urbana. Muitas delas se relacionam diretamente a políticas públicas – da disponibilidade de infraestrutura de transporte coletivo de qualidade e na quantidade suficiente, à percepção de segurança que o cidadão tem ao andar de carro. Outras ainda se referem à cultura cidadã de direito à cidade e a quanto as ruas se fazem atrativas. As pessoas certamente se sentem mais motivadas a abrir mão do carro (uma vez, claro, que o transporte público se mostre viável) quando o percurso entre origem e destino se mostra inspirador. Nesse quesito, trabalhar a vivacidade das ruas (do uso misto de trabalho, residência e lazer ao recurso a fachadas ativas) e intervenções artísticas no espaço urbano pode ser uma boa estratégia.