Faz apenas quatro meses que Francisco Gomes Neto, 57 anos, assumiu o cargo de diretor-geral (CEO) da Marcopolo, gigante caxiense que é a maior fabricante de ônibus da América Latina. Mas não parece: o executivo já fala com propriedade da companhia e mostra-se bem inteirado sobre as peculiaridades do segmento. Até mesmo a relação de Caxias com a marca já parece clara para Gomes Neto.
- Marcopolo e Caxias têm histórias que se confundem. É impressionante como essa companhia é querida e conhecida na cidade. Eu já uso como meu sobrenome, digo sempre que sou Francisco da Marcopolo, daí até vender fiado me oferecem - brinca.
Antes de Caxias, o CEO da empresa era vice-presidente para Américas da Mann Hummel e vivia nos Estados Unidos desde 2008. Lá, inclusive, também desembarcou em meio a um período turbulento, já que chegou quando o país vivia uma crise que desencadeou em uma recessão no mundo todo. Mesmo assim, ele considera a retração atual pior do que aquela:
- Foi um período difícil, mas acabou no fim de 2009. Começou o ano de 2010, a produção já retomou, os investimentos já apareceram de novo. O problema de agora é que o desempenho caiu em 2014, neste ano temos outra queda enorme e para 2016 não estamos vendo nenhum sinal de que vai mudar - lamenta.
Natural de São Paulo, o executivo é engenheiro eletricista formado pela UMC-SP, com especialização em Administração de Empresas pela FGV-SP, MBA em Controladoria, Finanças e Gestão de Riscos pela USP e outros cursos nas universidade St. John, em Nova York, e de Michigan, em Ann Arbor. A experiência internacional do novo diretor geral, por sinal, reforça o foco que a empresa quer tomar diante da retração do mercado interno: as exportações.
Casado, Gomes Neto mora em Caxias com a esposa e é pai de Gustavo, 24, e Matheus, 19, que vivem nos Estados Unidos. Apesar de trabalhar 12 horas por dia, não abre mão de correr diariamente. Acorda 5h30min, pratica o esporte nas ruas (ou na esteira, quando chove) e às 7h30min já está na Marcopolo:
- Gosto de correr e aqui preciso mesmo fazer isso, porque o que esse povo come aqui, olha...
Bem-humorado e com espírito prático, Gomes Neto falou com o Pioneiro na última semana.
Pioneiro: Quais são as perspectivas de fechamento da Marcopolo no ano?
Francisco Gomes Neto: O mercado em 2015, se pegarmos a produção brasileira de ônibus e micro-ônibus, deve voltar aos níveis lá de 2005, ou seja, 10 anos para trás. É uma queda de mais de 40% no mercado interno. No caso dos Volare, a queda é de mais de 60% em relação ao ano passado. A Marcopolo vai ter uma baixa geral menor do que isso, em torno de 25%, por causa das exportações e por conta das outras empresas que a gente tem no Exterior.
E com o dólar atrativo, as exportações têm ocupado uma fatia maior do que antes?
Este ano, se a gente analisar o que é venda para o mercado interno, o que foi feito no Brasil e é voltado para exportação e também as vendas geradas nas coligadas do Exterior, veremos que a parte de exportações já ultrapassa 50% das vendas. Antes era 30%, 40% no máximo.
Com a crise no mercado interno, vocês acreditam que esse é o caminho?
Este ano a Marcopolo começou a voltar o foco para as exportações, especialmente quando percebeu essa mudança no câmbio, então criamos recentemente uma força-tarefa, que é o projeto Conquest (Conquista, em inglês), justamente para trazermos mais foco e recurso para esse tema. Eles olharam o mundo inteiro, definiram as oportunidades, como América Latina, América Central, Oriente Médio, Ásia, os tipos de clientes e estão fazendo um trabalho forte. É que o resultado não vem muito rápido. No passado, com o real valorizado e o mercado brasileiro bombando, o foco veio para atender os volumes do mercado brasileiro. As exportações continuaram, mas os chineses estavam avançando bastante em alguns clientes da América do Sul. Agora, porém, estamos tentando reverter, já tivemos bons resultados este ano e esperamos que ano que vem as exportações sejam bem mais importantes do que foram neste ano.
E para 2016, além da conquista de territórios internacionais, o que vocês apontam como desafios?
A questão é que a gente não acha que o mercado interno vai reagir. Olha a confusão política que está aí. Isso vai se arrastar por mais alguns meses. Temos algumas coisas interessantes acontecendo, como é a parte dos veículos rodoviários, que teve um destravamento na nova lei e isso deveria gerar mais demanda. Por outro lado, a gente vê que tem vários empresários com frotas grandes que poderiam se dar o luxo de abrir mão dos veículos mais velhos e com isso reduzir a idade média, mas não o fazem. Os juros são outro desafio, pois ainda são altos, 17% ao ano, sendo que é difícil o empresário ter um lucro desse tamanho. Precisamos resolver essas dificuldades de financiamento, mas não acreditamos que o mercado interno vai voltar em 2016.
E quando voltaria? 2017?
Hoje está mais fácil planejar 2020 do que 2016 e 2017. A gente acha que 2017 vai ser melhor não porque tem algum fundamento, mas porque a gente sabe que 2016 vai ser ruim. A gente pensa "se esse vai ser ruim, o outro vai ser melhor". Vamos achar que 2017 vai ser melhor e trabalhar nessa linha. O que a gente está fazendo aqui na Marcopolo é tentar aproveitar essa crise para resolver algumas coisas internas, focar muito na exportação, olhar para dentro de casa e reduzir custo onde a gente pode, melhorar a eficiência operacional tentando juntar as equipes. Tem uma experiência enorme aqui, as pessoas conhecem muito todas as áreas, então estamos tentando juntar isso e definir as oportunidades, canalizar essa energia e conhecimento para resolver problemas e poder passar o ano que vem igual ou um pouquinho melhor do que este ano e estar preparado para 2017, se as coisas melhorarem.
Em 2015, a Marcopolo precisou cortar empregos e fazer flexibilização da jornada de trabalho para estancar a onda de demissões. O que o trabalhador pode esperar de 2016?
Com essa queda de vendas enorme, a gente teve que ajustar a produção, não tem jeito. Mas a companhia tem procurado alternativas viáveis para manter o máximo possível de postos de trabalho. É férias coletivas, é compensação, é flexibilização, é um possível lay-off (suspensão temporária de contratos) no Rio de Janeiro, a gente está passando por tudo. Mas chega uma hora, às vezes, que não dá. Antes de chegar na demissão, porém, a gente tem feito o possível para manter os postos, esperando uma reação do mercado.
Mas não há garantia de que essa equipe vai se manter?
A gente não sabe o que vai acontecer. Se eu olhar janeiro, essa fábrica aqui (de Ana Rech) tem uma encomenda de 200 e poucos ônibus para o mês inteiro, o que é muito pouco. Vamos ficar aqui com cinco mil pessoas? Não, nós vamos colocar em férias coletivas uma boa parte dos funcionários e deixar o suficiente para montar essa demanda. Em fevereiro, talvez, a gente troque: quem trabalhou agora folga e vamos acompanhar o mercado. Mas uma coisa é verdade: temos que agradecer muito os funcionários porque eles têm entendido muito isso, têm aprovado as flexibilizações. Com a ajuda deles, tem sido possível conseguir essas alternativas e isso é uma coisa que a Marcopolo tem, de olhar para as pessoas, e as pessoas reconhecem isso, vamos continuar trabalhando nesse sentido. Demissão é o último recurso, mas não dá para garantir que vai ter ou não vai ter, tudo vai depender do que estará acontecendo.
Como está a utilização da capacidade instalada?
No último trimestre, aqui em Ana Rech, ficamos em um pouco mais de 70% de ocupação. Mas o primeiro trimestre do ano que vem vai ser bem pior. Janeiro vai ser muito menos que 50%. Temos capacidade de fazer 30 ônibus por dia e nesse último trimestre a gente fez 20. Mas se pensar que em janeiro vai ser 220, 250 ônibus em todo o mês, cai para 1/3 da capacidade instalada.
E tem ao menos algum filão de ônibus mais promissor no momento?
No último trimestre, produzimos bastante rodoviários. É um ônibus mais pesado, com valor agregado maior, mais adequado para essa planta aqui de Ana Rech. Mas janeiro, por exemplo, vai ser só urbano, que já é um ônibus menor, mais enxuto, com menor valor agregado. Então, além de produzirmos menos, vamos produzir um com menos valor agregado. Por isso que o começo do ano que vem vai ser um desafio pra gente. Espero que melhore a partir de março, abril. O que eu aprendi aqui é que tradicionalmente o primeiro trimestre já é ruim. Agora, com a crise, vai ficar over ruim.
Como essa crise política afeta o mercado de ônibus?
A gente vende ônibus principalmente para empresários, mas imagina-se você, no lugar de um empresário, tendo um dinheiro na sua conta, rendendo juros. Nesse panorama político, você se motivaria a investir essa renda ou ia falar "vou esperar um pouco, o dinheiro está protegido aqui"? O problema maior é que essa confusão política gera insegurança aos investidores e então ele não investe, não compra. Ou investe o mínimo possível, compra o mínimo possível. Então precisava resolver esse imbróglio político para tentar, depois disso, olhar os problemas que nós temos, o ajuste fiscal, a infraestrutura complicada e os impostos, para ir soltando a economia. Mas o primeiro passo é gerar essa confiança para os investidores. O Brasil tem vários investidores aqui, nacionais e até mesmo alguns de fora. Com o dólar desse jeito, está barato para o cara vir aqui e comprar empresas, investir. Mas com esse cenário você acha que eles vêm? Eles pensam: está barato, mas se eu comprar tenho esse risco de perder. Isso é uma coisa que infelizmente não está nas nossas mãos.
A cidade teme perder grandes empresas para outros centros. Futuramente a Marcopolo poderia migrar de Caxias, cidade com custo altíssimo de infraestrutura e longe do mercado consumidor?
A Marcopolo tem raízes profundas em Caxias e eu não acredito que isso vá mudar. Não existe nenhuma conversa, nenhum plano para isso. É claro, temos essa planta de São Mateus (Espírito Santo), mas ela foi construída para fabricarmos uma demanda adicional dos Volare. Não é para transferir nada. Acontece que, com essa crise toda, até a demanda tradicional caiu, caiu muito, principalmente a de Volare. Então a planta está lá e precisamos enxergar o que fazer. Mas eu pessoalmente não vejo nenhuma intenção da Marcopolo sair de Caxias, muito pelo contrário. Raízes estão aqui, família está aqui e não tem jeito. Mas precisamos sim trabalhar junto com os políticos e com as associações para melhorarmos essa parte de infraestrutura para não perdermos competitividade.
A fábrica de São Mateus está pronta?
Está quase pronta. Estamos produzindo alguma coisa lá e, a partir do ano que vem, vamos produzir um veículo novo, que é o Volare 5 toneladas. É o primeiro veículo que a Marcopolo produz também o chassi. Temos uma boa esperança de que esse veículo será bem aceito no mercado. Ele vai competir no segmento das vans.
Esse é o grande projeto da Marcopolo para os próximos meses ou tem algum outro investimento previsto?
Esse é um projeto muito bacana, mas chega em uma hora difícil. Pega o mercado deprimido, mas vamos continuar, vamos fazer o possível para que ele arranque bem. De expansão, estamos fechando o ano com a participação de mercado dentro da expectativa, até com um pouquinho melhor do que estávamos antes. Quer dizer: o mercado caiu, mas não perdemos participação. Tem esse movimento recente com a Neobus, assinamos uma carta de intenção para a compra dos 55% do capital da empresa. Isso vai trazer para a Marcopolo mais uns 10, 12 pontos percentuais de participação de mercado e vai reforçar para Caxias o posto de maior centro produtor de ônibus do Brasil. Esse é outro movimento da Marcopolo que mostra que, apesar da crise, a empresa se fortalece e cresce no mercado nacional.
Quais têm sido as suas impressões de Caxias do Sul?
Tenho sido muito bem recebido aqui na cidade e na companhia. É um povo trabalhador, forte. Cada vez que eu converso com alguma pessoa ou vou numa reunião, é muito legal a simpatia, o orgulho que as pessoas têm de contar como contribuem com a empresa. Se eu ando na fábrica, o soldador fala "eu faço desse jeito, assim, porque se fizer diferente...", é sempre uma energia enorme, uma paixão pelo que se faz que é impressionante. Outra coisa aqui é que eu preciso tomar cuidado com o que eu peço, porque o pessoal faz, né? Não é aquele negócio que a gente fala e depois fica de lado. Então, penso que essa energia toda, se canalizarmos pro lugar certo, olha, não tem pra ninguém.