Não foi no auditório da escola que desistiu de sediá-la, mas foi com o UCS Teatro lotado que o frade, jornalista e escritor mineiro Frei Betto, 78 anos, deu sua palestra na noite desta terça-feira, em Caxias do Sul. Intitulada “Fomes do Brasil e Esperanças de Futuro”, a palestra estava originalmente marcada para ser no Colégio São José, mas um abaixo-assinado liderado por um grupo de pais contrários ao evento fez a instituição desistir de ceder o auditório, num episódio que teve repercussão nacional nesta quarta-feira.
Foi com bom humor que Frei Betto tratou da situação, dizendo nunca ter imaginado que receberia ligações de jornais do centro do país para falar sobre uma palestra sua, como ocorreu ao longo do dia. Mas o religioso também falou sério, manifestando decepção com a direção da escola, e recordando do acolhimento que sua família recebeu da Congregação das Irmãs de São José, no período da Ditadura.
“Tenho um pouco de entender o lado das irmãs por uma questão muito simples. Quando fui preso pelo DOPS de Porto Alegre, em novembro de 1969, onde fiquei um mês antes de ser transferido para a prisão em São Paulo, os meus pais vieram a Porto Alegre para me visitar e foram acolhidos pelas Irmãs de São José, que os acolheram. Foram muito solidárias. Por isso só lamento a forma como fizeram isso dessa vez, por pressão desses pais.
Mas espero do fundo do meu coração que esses pais e essas irmãs que me criticam na nota deem aos seus filhos uma educação de quem não tem racismo, de quem não tem homofobia, de quem não seja misógino e respeite as mulheres, de quem tenha respeito aos mais pobres na rua e não trate como se fosse um incômodo. Espero que seja essa educação cristã que estejam dando às crianças, comprometidos, como Jesus, com os mais pobres e com uma sociedade sem desigualdade social”, disse.
Antes da palestra, Frei Betto recebeu uma ligação do reitor da UCS, professor Gelson Rech, que se recupera de uma cirurgia. Na conversa, acompanhada pela reportagem por ter sido antes de uma entrevista concedida ao Almanaque, o escritor agradeceu pela disponibilização do espaço. O evento foi promovido por um conjunto de entidades, como Sindiserv, Sinpro, Sindicato dos Bancários, União das Associações de Bairros, Coletivo de Comunicação Alternativa e Associação Amigos da Maesa.
Ladeado pela ex-deputada estadual Marisa Formolo (PT) e pela presidenta do Sindiserv Caxias, Silvana Piroli, Frei Betto focou sua fala no problema da fome e da desigualdade que assolam o Brasil. Sendo um dos principais nomes ligados à criação do programa Fome Zero durante o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, o frade destacou ainda o quanto a fé cristã é indissociável da luta contra a fome e pela dignidade humana. E citou o escritor cubano Onélio Jorge Cardoso:
“Para ele (Onélio) o ser humano tem duas grandes fomes. Do pão e da beleza. A primeira é insaciável, a segunda é infindável. É isso também o que eu penso. Que nós precisamos do pão nosso, mas precisamos também do Pai Nosso, que é do sentido que nós atribuímos à existência, uma fome do sentido da vida. Quando eu me deparo com o evangelho, fico muito impressionado com esse fator. Como, na prática de Jesus, não houve nenhuma separação entre sua atividade pastoral e sua atividade social. Jesus não fazia essa distinção, até porque a única maneira de um cristão amar e servir a Deus é amando e servindo ao próximo. Quem diz amar a Deus sem amar o próximo, está mentindo”.
A entrevista com o Frei Betto poderá ser conferida na edição do final de semana do Pioneiro, no caderno Almanaque, e também em GZH.