"Temos uma vida inteira juntas". A frase publicada no Instagram pela escritora e jornalista caxiense Maya Falks logo após ser anunciada como patrona da 38ª Feira do Livro de Caxias do Sul resume bem a relação entre ela e o maior evento literário da cidade. Afinal, são só dois anos de diferença entre as duas — Maya completa 40 em julho — e há muita história para contar.
Mas não é só com a feira que a nova patrona nutre um relacionamento antigo. Aos três anos, mesmo antes da alfabetização, Maya já dava sinais do seu apreço pela literatura, quando ditava histórias para a mãe, Lilia Bastian Falkenbach. A adolescência e a vida adulta chegaram, o currículo se expandiu e o primeiro livro — Depois de Tudo — foi publicado. De lá para cá, a bagagem só aumentou. Vieram reconhecimentos, muitas outras obras publicadas e, no ano passado, o troféu de melhor obra (Prêmio Vivita Cartier) no 55° Concurso Anual Literário de Caxias do Sul, com o livro de poesia Eu também nasci sem asas.
— O texto é uma coisa que é parte da minha experiência como ser humano. A literatura acabou vindo como uma forma de escape, inicialmente, e que se tornou meu meio de existir. É o resumo de tudo — disse em entrevista à Gaúcha Serra, na última sexta-feira.
Com uma produção que não para, a escritora caxiense já tem outras obras a caminho: uma novela, que está em apreciação por um editora, e um poema longo, previsto para o mês de setembro. Este, Maya já adianta: é uma desconstrução do Hino Nacional.
Qual é a tua relação com os livros?
Maya Falks: Eu comecei a ditar histórias para a minha mãe com três anos e o que impressionava, nessa época, era justamente porque, apesar da minha pouca idade, as histórias tinham uma coerência, tinham um começo, meio e fim, que é uma construção complicada para a cognição de uma criança dessa idade. A partir disso, eu sempre segui nas narrativas. Depois da alfabetização eu não parei mais: esbocei meu primeiro livro com sete anos; escrevi um romance policial com 10 e, durante a minha adolescência, eu me dediquei muito à poesia. Eu fiz uma antologia poética aos 14 anos, que não chegou a ser publicada. Foi até uma ironia, porque eu tentei publicar e a secretária de uma editora disse que eu jamais publicaria poesia, porque poesia não vende. E foi justamente com poesia que eu ganhei, no ano passado, o Vivita Cartier (prêmio do 55° Concurso Anual Literário de Caxias do Sul), então, acho que valeu a pena insistir.
Embora sua relação com a literatura remeta à infância, suas publicações são mais recentes. É uma carreira jovem. Imaginava estes reconhecimentos ou almejava por eles quando começou a escrever?
Não, até porque, quando eu comecei mesmo, muito novinha, eu nem sabia o que era isso. Pra mim, era uma brincadeira, achava muito divertido. Lembro que um dia, ainda pequena, eu perguntei para os meus pais qual faculdade eu tinha que fazer para ser escritora. Aí até acabei decidindo por Publicidade ainda muito nova, com oito anos, com a ideia de escrever. Quando fui desenvolvendo mais seriamente o texto literário, tudo era muito desconhecido, porque a gente não tinha acesso, na época, ao que se tinha no centro do país. Eu mandava cartas para editoras pedindo se havia interesse, mas ninguém dava a mínima. E também nessa época eu não tinha essa visão de que Caxias era um lugar onde eu poderia ser reconhecida, porque eu não conhecia ninguém, era muito isolada neste sentido. Depois, eu acabei morando um tempo em Porto Alegre, focada só na Publicidade. Quando eu voltei para cá é que vi a coisa efervescendo, olhei ao meu redor e pensei "opa, tem literatura em Caxias". Com as redes sociais, eu fui descobrindo as editoras e as pessoas que produzem literatura aqui. Para mim, até então, o que existia era só a Feira do Livro, que eu sempre frequentei.
Como foi ser anunciada patrona deste evento que é tão importante para Caxias do Sul?
Para mim é uma emoção. É impossível descrever, porque eu só tenho dois anos a mais que a feira. Então, eu frequento a feira, literalmente, desde o começo. Sempre rolou a brincadeira com os organizadores que quando for planejar o espaço da feira tem que ter a barraquinha da Maya, que é pra eu me mudar pra Praça (Praça Dante Alighieri). É uma coisa de eu estar lá sempre junto, percorrendo os corredores, conversando com as pessoas. É um movimento que sempre fez parte da minha vida. Quando a Aline (secretária da Cultura, Aline Zilli) me convidou, não foi exatamente uma grande surpresa, porque eu já sabia que meu nome estava sendo cogitado, mas, quando acontece, de verdade, a emoção explode. É uma honra muito grande porque nós temos pessoas incríveis em Caxias e eu ser a escolhida mostra o quanto estou no caminho certo.
Também há uma emoção a mais de realizar a Feira do Livro após dois anos de pandemia... A tua expectativa aumenta de ser a patrona nesta edição que terá uma retomada maior?
Com certeza. Eu quero muito, nesse papel de representante da feira, de trazer essa volta por cima. Porque eu frequentei a feira, mesmo nos anos pandêmicos, com todos os cuidados necessários, e percebi esse esvaziamento por questões óbvias. É muito triste tu ver um evento que é parte da tua vida, que te representa tanto, sofrer tão fortemente, com diminuição de bancas, de públicos, de atrações. Quero muito que essa seja a feira da volta por cima, para a gente mostrar que, sim, a literatura tem força. Não só a literatura como a arte em si, porque a feira traz atrações culturais nos mais diversos gêneros. Agora é a nossa chance de mostrar que sobrevivemos e que temos força. É a grande mensagem que essa feira vai trazer.
Tu és autora de obras como Já não somos os mesmos, Poemas para ler no front, Histórias de minha morte, Depois de Tudo e Versos e outras insanidades... Tem um livro preferido ou alguma história curiosa que remeta à produção de algum deles?
Todos os livros têm uma história por trás. Mas um que é interessante mencionar é o Santuário, porque ele foi todo ilustrado por mim. Só que eu não sou ilustradora, desenho por diversão, sem técnica nenhuma. A editora abraçou isso de uma forma muito legal, foi uma diversão para fazer. Acabou que, de fato, o Santuário é um dos meus livros mais comentados, porque as pessoas se divertem mesmo.
A gente vive na era das telas, das redes sociais, onde as pessoas querem consumir conteúdo de forma rápida e muitas vezes até deixam a leitura de lado. Investir na produção literária é um "ato de resistência"?
Toda arte é e sempre foi. Mesmo quando as pessoas tinham tempo e quando os eletrônicos e as redes sociais não existiam. Estamos sempre lutando pela sobrevivência das artes, porque, querendo ou não, sempre tem alguém querendo destruir porque a arte abre a nossa mente. A arte cura, é fundamental para a construção de uma sociedade civilizada. Mas acho que as redes sociais não são um problema; conteúdo é conteúdo. Eu acho que aquele minutinho que você reserva para ler uma página, que seja, já é interessante, já é importante. E dá para ler em qualquer lugar, porque o livro é tão portátil quanto um celular.
*Colaboraram Juliana Bevilaqua e Babiana Mugnol.