Ambientes domésticos convertidos em escritórios são uma realidade desde o começo da quarentena forçada pela pandemia da Covid-19. Para muitas pessoas, conciliar a rotina de casa com a do trabalho no mesmo ambiente traz desafios, sendo o maior deles a disciplina. Nisso, a música pode ser uma aliada. Com sua capacidade de transformar nossos estados mentais, ela pode nos deixar mais atentos, mais concentrados e mais motivados. Por outro lado, também pode provocar dispersão. Para entender melhor a relação entre música e concentração no trabalho, conversamos com a musicoterapeuta e psicóloga clínica caxiense Chiara Lorenzetti Herrera. Confira:
Sete Dias: Ouvir música pode ajudar a aumentar a concentração e o foco no trabalho?
Chiara Lorenzetti Herrera: A música muda nossa ambiência interna. Há pessoas que gostam de trabalhar com música, enquanto outras precisam do silêncio, que também é uma ambiência interna. A música aumenta a dopamina no cérebro, substância que ajuda a dar mais foco, mais motivação, aumenta o sistema imunológico e combate o estresse. Mas também há pessoas que têm grande dificuldade em escutar música e fazer outra coisa ao mesmo tempo.
A gente fica de outra forma quando está ouvindo uma música. Ela ajuda a te dar um ritmo para desenvolver as tuas atividades. Alguém que goste de música mais acelerada, que seja instrumental, pode conseguir ler mais rápido, por exemplo. Músicas mais minimalistas, que tenham constância e repetição, ajudam a deixar a mente mais tranquila para produzir. Tem que entender que tipo de música te deixa mais confortável e ir se experimentando.
Num sentido contrário, a música também pode dispersar a atenção ou atrapalhar a produtividade?
Pode atrapalhar o trabalho utilizar músicas que remetem a situações tristes, que vão lembrar coisas que tu não vais ficar legal. Porque a música reporta a situações, memórias. Se a pessoa se propõe a fazer algo com disciplina e está empenhada, ouvir músicas que remetem a lugares, situações e pessoas, e que trazem memórias, mesmo boas, ela pode perder o foco. Até mesmo em atividades cotidianas, como arrumar um armário ou qualquer tarefa rotineira, pode diminuir o ritmo se tu estás pensando em outra coisa.
Atividades em que você está produzindo linguisticamente, a letra da música pode atrapalhar. Por exemplo, se tu estás ouvindo uma letra que te faz cantar junto internamente. Por isso se sugere música instrumental, mas de preferência que não seja a versão de uma música que tenha letra e tu conheças. Hoje em dia há muitas possibilidades de consumir todo tipo de música, que nos propiciam experiências diferentes e que podem nos ajudar de diferentes maneiras.
Existe algum tipo de música mais recomendado para tarefas criativas?
O jazz, ou até a música instrumental brasileira, são estilos de música mais soltos e fluidos, que caminham mais. Eles ajudam na parte mais mental. Músicas que não são tão quadradinhas, que são menos previsíveis e harmonicamente mais complexas vão ajudar a tua mente a caminhar neste sentido. Mas isso não é uma regra, não estamos apresentando nenhuma pesquisa. É uma questão de bem estar psicológico. O ritmo é um elemento que tem mais a ver com o corpo, enquanto melodia é mais sentimento e a harmonia preenche mais o campo do mental.
E para tarefas mais exatas?
Para esse tipo de atividade eu gosto de sugerir a música minimalista. Há muitas playlists no Spotify ou no YouTube, basta pesquisar por esse termo. É composta por sons que se repetem, pulsações constantes, formando um ciclo que não é o cotidiano do que escutamos no rádio. Deixando claro que vai depender de pessoa pra pessoa. Ajuda a relaxar, é mais previsível e é interessante ao mesmo tempo. É uma música que está criando a ambiência, mas não está te dando o trabalho de entendê-la.
Hoje em dia há muitos sons de natureza, de chuva, de mar. Essas simulações são interessantes?
Elas podem ajudar. Vão trazer sensações de alívio, de tranquilidade. Não é uma música, mas são sonoridades, ruídos brancos. Não dá pra dizer que vai funcionar pra todo mundo. O som também pode ser agradável por um tempo e depois se tornar irritante. Depende também o volume, se é bom, se irrita. Depende de cada pessoa. Não tem receita de bolo, mas vale experimentar.
Crianças que estão passando o dia em casa. Como a música pode ajudá-las, tanto nas tarefas quanto nos momentos de lazer?
É importante ter momentos em que tu colocas música em casa e estabelece aquela hora para a família dançar, liberar geral. E ao mesmo tempo, quando está numa atividade como o tema de casa, colocar uma música que dê uma ambiência mais de tranquilidade. Ter esse momento de descontração com a música é muito bacana, e pode ser as que os pais gostam. É um momento para a família descobrir uma identidade sonora … seja mais rock ‘n’ roll, mais gaúcha, mais MPB. Algo que agrade a todos. Assim a criança também vai ampliando o seu repertório e conhecendo melhor o que os pais gostam.
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