Uma doença fatal transforma o Brasil em uma terra pós-apocalíptica: não há mais governo, leis ou esperança. Calma, não estamos falando da pandemia de coronavírus, mas do pano de fundo de Corpos Secos (Alfaguara, 192 páginas), romance escrito a oito mãos, unindo a verve literária de Luisa Geisler, Marcelo Ferroni, Natalia Borges Polesso e Samir Machado de Machado.
Disponível para venda online desde segunda-feira (30), no site da Companhia das Letras, o livro conta a história de um surto que começou no Mato Grosso do Sul, após a reação inesperada de larvas ao uso de novos agrotóxicos. Quando infectados, os humanos deixam de ter atividade cerebral, mas seus corpos seguem vivos e sedentos por sangue — uma atmosfera que facilmente remete a Eu Sou a Lenda e a The Walking Dead.
A narrativa acompanha a jornada de quatro personagens, que após alguns meses do colapso tentam cruzar o país em busca de um suposto refúgio na Ilha de Santa Catarina. São eles: Mateus, um jovem aparentemente imune à nova doença; Murilo, uma criança que assiste sua mãe fazer de tudo para salvar a família do contágio; Constância, uma engenheira de alimentos que tenta entender o que está acontecendo com o mundo à sua volta; e Regina, uma dona de casa que vive sozinha numa fazenda, nos rincões do país, e precisa sair do isolamento para sobreviver.
Cada ponto de vista foi narrado por um dos escritores — o quarteto preferiu manter o mistério sobre quem escreveu os personagens. Essa, inclusive, é uma das boas sacadas do livro: é instigante ficar atento às sutilezas de cada história para tentar mapear as diferenças e as semelhanças de estilo.
— Antes de escrever, combinamos algumas diretrizes: quanto tempo duraria a história, para onde os personagens teriam que rumar, de onde surgiu a doença, como ela se manifestava… Organizamos tudo isso, em encontros virtuais, e depois fomos entregando cada capítulo e lendo a produção dos outros para conversar sobre a história. No fim, acho que a experiência deu certo. Tudo se encaixou para formar um único romance — conta Natalia.
E se “a vida imita a arte muito mais do que a arte imita a vida”, como disse Oscar Wilde, quis o destino que o romance sobre uma pandemia chegasse ao público ironicamente em meio à quarentena causada pelo coronavírus. Para Natalia, uma coincidência que “chega a ser surreal”.
— O Samir disse esses dias: “fomos atropelados pela realidade”. Apesar de ter essa proposta apocalíptica, é um livro que traz uma crítica social, ao falar sobre o colapso de algo que não deu certo nos últimos anos, como civilização. É uma obra que cabe, sim, uma leitura política — sugere a autora.
Mais que um romance apocalíptico, Corpos Secos serve de metáfora ao vale-tudo do Brasil contemporâneo, tão bem simbolizado pelo uso desenfreado dos agrotóxicos e pelos seres zumbis, desprovidos de racionalidade. Como pontua o prefácio, um trecho de Erico Verissimo retirado de Incidente em Antares, “cada um de nós tem nas suas mais remotas cavernas interiores um troglodita adormecido que, submetido a um certo tipo de estímulo, vem rapidamente à tona de nosso ser e se transforma num déspota totalitário capaz de todas as bestialidades”.
SERVIÇO
:: Título: Corpos Secos: Um Romance.
:: Autores: Luisa Geisler, Marcelo Ferroni, Natalia Borges Polesso e Samir Machado de Machado.
:: Selo: Alfaguara (Companhia das Letras).
:: Número de páginas: 192.
:: Preços: R$ 44,90 (versão física) e R$ 29,90 (e-book), à venda no site companhiadasletras.com.br.
:: Bate-papo no Insta: No dia 13 de abril, o quarteto participa de uma live no Instagram da Alfaguara (@editora_alfaguara). O bate-papo sobre a obra começa às 18h.
Leia também:
Em homenagem à Itália, artista Antonio Giacomin incentiva crianças a colorirem o Pinóquio
Produção da Netflix, "O Poço" tem ganhado popularidade por conta de suas metáforas político-sociais
Dica cultural para a quarentena, Sesc Caxias do Sul destaca seleção de 25 curtas-metragens paraibanos disponíveis online