O que seria da literatura sem a singularidade dos universos ficcionais? Não por acaso, basta falarmos do colombiano García Márquez (1927-2014) para Macondo emergir com suas “vinte casas de barro e taquara, construídas à margem de um rio de águas diáfanas”, cenário dos conflitos de Cem Anos de Solidão. Ou então o sempre atual Erico Verissimo (1905-1975) e o vilarejo de Antares, que mesmo tão pequeno a ponto de não aparecer nos mapas, é palco das sete mortes do clássico Incidente em Antares.
É nesse mesmo embalo criativo que Paulo Ribeiro apresenta ao público a pacata Oaio do Sul, formada pelo encontro da população nativa com os imigrantes norte-americanos de Ohio. Uma cidade humana e culturalmente complexa, nem tão perto e nem tão distante da industrializada Eberlândia, com seus prédios a perder de vista entre avenidas de asfalto.
A referência a Macondo e Antares, que pode soar exagerada à primeira vista, surge logo na apresentação assinada por João Claudio Arendt para acompanhar o leitor nas 308 páginas de Hino aos Doidos de Oaio, obra com sessão de autógrafos neste sábado (15), na Do Arco da Velha Livraria & Café. Saem de cena Bom Jesus e Caxias do Sul, tão recorrentes em Paulo Ribeiro. É a vez de Oaio e Eberlândia, de figuras como o bicheiro Bombacha Azul e o nonagenário músico Mario Clemêncio.
— Eu não poderia consolidar minha trajetória literária sem consolidar meu próprio universo ficcional. Oaio não é Bom Jesus. Oaio é universal, tem vida própria. Claro que toda ficção vem recheada pela memória. Não é possível um escritor ter um imaginário 100% puro. Ele vem carregado com a memória, da mais remota às mais recentes — adverte o autor.
Em Hino aos Doidos de Oaio, os 20 capítulos são como curtas-metragens dirigidos pelo personagem Hudson Jaster, um cineasta com pinta de Orson Welles interiorano que ajuda a narrar a formação da cidade com sua câmera Mitchell. Na grande tela, são apresentados o terreno acidentado típico dos Campos de Cima da Serra, a fauna e a flora da região e as histórias da primeira geração de moradores.
Do ponto de vista narrativo, Ribeiro opta pela leveza, num texto que por vezes se confunde com a oralidade dos contadores de causos. De qualquer modo, sem abandonar a boa dose de experimentalismo que tão bem define sua trajetória.
— É uma escrita suave, mais humana, para cativar o leitor e apresentar a cidade, mostrar o personagem que procurava água usando uma forquilha de madeira, o senhor que conversava com um corvo... Ainda que eu não consiga fugir do experimentalismo, estou mais nas profundezas da alma, guiado por uma linha filosófica que é pessimista, satírica, desencantada.
Ribeiro, que completa três décadas de carreira em agosto, parece dispensar os momentos de ócio: já são 30 obras publicadas, somando 24 livros próprios e participação em seis antologias.
Mesmo com produção a todo vapor e recentes conquistas, como o Prêmio Vivita Cartier de 2018 por O Transgressor, ele não esconde certo pessimismo ao avaliar o próprio ofício, as oscilações do mercado editorial e o momento político brasileiro.
— Não vou soltar nenhum foguete (pelos 30 anos). A literatura é uma luta inglória, uma derrota invencível. Não por culpa minha, mas pelo contexto externo. O livro de papel está começando a se tornar inviável para os autores. Estamos perdendo essa luta.
PROGRAME-SE
:: O quê: lançamento do livro Hino aos Doidos de Oaio, de Paulo Ribeiro.
:: Quando: neste sábado (15), às 10h.
:: Onde: Do Arco da Velha Livraria & Café (Rua Dr. Montaury, 1570).
:: Quanto: durante o lançamento, livro à venda por R$ 25.
:: Informações: pelo telefone (54) 3028-1744.