Há um certo tom imaculado que circunda a participação feminina em esportes como ballet, ginástica olímpica, patinação... Os movimentos precisos, os cabelos presos com gel, as roupas cintilantes, os sorrisos distribuídos às câmeras e aos jurados, enfim, tudo isso ajuda a compor um imaginário da perfeição, sem espaço para falhas. Nesse sentido, não é exagero dizer que a patinadora artística americana Tonya Harding foi uma exceção. Não só pela ousadia em se apresentar ao som de ZZ Top, gritar palavrões com os jurados, usar roupas que ela mesma costurava e afins; mas por toda tragédia pessoal que sua existência expôs ao mundo, ferindo profundamente o american way of life nos anos 1990. É a história incrível – e real – dessa forasteira do mundo idealizado da patinação no gelo que embala o longa Eu, Tonya, estreia desta quinta na Sala de Cinema Ulysses Geremia.
A impressionante trajetória de Tonya inclui relações muito difíceis com o primeiro marido e com a mãe, LaVona, e um escândalo mundial no mundo da patinação artística no gelo. As atuações marcantes de Margot Robbie (como Tonya) e Allison Janney (como LaVona) agigantam ainda mais a história. Margot foi indicada ao Oscar 2018 de melhor atriz, enquanto Allison levou para casa a estatueta de melhor atriz coadjuvante. Ela está realmente deslumbrante como a mãe “sem coração” da protagonista, e faz o espectador se afeiçoar por seu jeito sádico e sarcástico. O roteiro sugere a construção da trajetória cheia de humilhações e tragédias de Tonya a partir da relação bizarra dela com a mãe, e faz bastante sentido.
A cinebiografia assinada pelo diretor Craig Gillespie (mais conhecido pelo remake de 2011 de A Hora do Espanto) é baseada em entrevistas reais concedidas pela própria Tonya, seu ex-marido, seu guarda-costas e sua mãe. A reprodução cinematográfica dessas entrevistas concede um ritmo interessante ao longa e deixa o espectador se perguntando se realmente as pessoas envolvidas falaram e fizeram aquelas barbaridades – uma breve busca no YouTube pelas entrevistas originais garante a resposta positiva. Em alguns momentos, os personagens falam com a câmera, recurso que não costuma funcionar de forma positiva, mas aqui promove um bem-vindo tom confessional e humorado à história.
Para compor o longa, Gillespie usou uma linguagem tão frenética quanto a própria vida real. É como se os movimentos circulares e velozes de Tonya na pista de patinação no gelo conduzissem também sua trajetória fora do esporte. Abusando da câmera na mão, o diretor propõe uma dança acompanhando cada movimento dos personagens e dos objetos que, vez ou outra, são arremessados entre eles. A vida de Tonya foi marcada pela violência doméstica e o olhar do diretor dá um caráter videoclíptico para ela – fazendo valer a indicação ao Oscar de montagem –, embalado por uma trilha potente com artistas como Cliff Richard, Fleetwood Mac, Supertramp, Violent Femmes, etc.
Eu, Tonya é dessas histórias que desafiam o espectador a acreditar que a vida real pode ser tão cinematográfica. De qualquer forma, é a matiz demasiadamente humana sobre os personagens envolvidos que chama atenção. Numa das entrevistas interpretadas por Tonya logo no início do filme, a resposta da patinadora para a pergunta “que impressão as pessoas têm de você?” é “de que eu sou uma pessoal real”.
Veja o trailer:
Programe-se
:: O quê: cinebiografia Eu, Tonya, de Craig Gillespie.
:: Quando: estreia nesta quinta e fica e cartaz até o dia 15, com sessões de quinta a domingo, sempre às 19h30min.
:: Onde: Sala de Cinema Ulysses Geremia, no Centro de Cultura Ordovás (Rua Luiz Antunes, 312).
:: Quanto: R$ 10 e R$ 5 (estudantes, beneficiários ID Jovem, idosos e servidores municipais).
:: Classificação: 14 anos.
:: Duração: 120min.