A Alice de Lewis Carroll está num País das Maravilhas um pouco diferente, lugar onde suntuosos labirintos são inspirados nas curvas da vida presentes no fantástico cinema de Federico Fellini. Assim é o romance norte-americano Em Busca de Fellini, que estreia na Sala de Cinema Ulysses Geremia nesta quinta. A “Alice” da vez, no entanto, se chama Lucy (Ksenia Solo) e dá vida ao estereótipo da menina sonhadora, de olhos profundamente azuis, franjinha e roupas retrô. Ela é como uma Amélie Poulain – bem mais inocente – que passou a vida toda protegida e um tanto reprimida pela mãe. A descoberta da filmografia de Fellini é o que liberta a personagem e a conduz numa jornada cheia de sonhos e alguns chacoalhões de vida real, numa interessante homenagem ao icônico diretor italiano.
A história da Alice no País das Maravilhas é um dos contrapontos propostos no filme para demonstrar o abismo entre a vida cor-de-rosa na qual a mãe de Lucy (vivida por uma Maria Bello pouco expressiva) queria mantê-la; e a vida como ela é de Nelson Rodrigues, digo, de Federico Fellini. Enquanto criança e adolescente mantida em casa, a protagonista passa o tempo escutando as aventuras de Alice narradas pela mãe e vendo clássicos do cinema americano recheados de romantismo. É uma sessão da obra-prima A Estrada da Vida, e sua estética neorrealista, que desperta a personagem para tomar as rédeas da própria vida.
Sem saber que a mãe também enfrenta seus dramas pessoais, Lucy decide ir até a Itália para encontrar Fellini e tirar as muitas dúvidas que surgiram a partir de seus filmes (vale dizer que o filme se passa em 1993, ano da morte do diretor). É a partir dessa jornada que começa a aventura fabulística da protagonista. Em meio às belas paisagens italianas – que podiam até ser mais exploradas pelo diretor Taron Lexton –, Lucy vai cruzar com diversos personagens que parecem ter saído diretamente dos filmes mais conhecidos de Fellini. Fica fácil reconhecer as referências ao casal icônico vivido por Marcello Mastroianni e Anita Ekberg em A Doce Vida (1960) ou ao dramático rosto de Giulietta Masina (estrela de Noites de Cabíria e A Estrada da Vida), por exemplo.
No intuito de facilitar a compreensão dos espectadores que não estão familiarizados ao cinema de Fellini, a edição insere trechos dos longas mais famosos do cineasta quando quer sugerir essas relações. O didatismo, porém, se mostra desnecessário.
Na Itália, Lucy descobre o amor, a violência e se perde em delírios “de mãos dadas” com seu cineasta preferido. É fato que a doçura quase excessiva da personagem por vezes dificulta sua conexão com o habitat burlesco de Fellini.
A verdade é que Em Busca de Fellini não vai mudar a vida do espectador da forma como o próprio Fellini fez com Lucy – e como ainda faz com tantas gerações –, mas uma homenagem é sempre válida e bem-vinda.
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