Repare: o noticiário mal dá conta da vertigem do mundo, tamanha é a voragem destes tempos mais virtuais que reais. E a gente na alucinação de suportar o dia a dia, vendo tantos soçobrarem nas vagas da insensatez. E a gente luta para não pirar também, se ancorando como pode nos enganosos mares de Netuno. E busca beleza e amor — sugestões de Libra — como descansos na loucura do cotidiano. O amor pode dar algum trabalho, sempre dá, mas a beleza, ainda que forjada como mercadoria, também se revela gratuitamente por aí, flor a ser contemplada, fruta a ser mordida — enfim, beleza sempre rima com natureza.
Não precisamos ir longe para sorver a beleza natural. Pelas ruas centrais de Caxias do Sul, ladeando as pistas asfaltadas onde imperam automóveis reluzentes mas de cores algo melancólicas — muito cinza, muito preto —, prosaicos manacás já chamam a atenção pela floração curiosa. Ah, não conhece o manacá? É aquela arvorezinha de pequeno porte com flores que se alternam entre o branco, o rosa, o lilás e o roxo.
De novo o cronista reafirma seu gosto pela botânica e, depois de louvar o ipê amarelo, decreta a hora e a vez do manacá — aliás, quem decreta mesmo é a natureza. Pois é primavera, gente! Vibrar no ritmo da mais colorida estação também pode ser uma benfazeja âncora contra as forças do caos.
Vamos, então, ao manacá! O titio geminiano aqui já pesquisou o tema. E descobriu que há vários tipos de manacás, sendo mais comuns em arborizações urbanas e jardins o manacá-da-serra e o manacá-de-cheiro. Este último já explica no nome seu diferencial: um perfume sensacional, beirando o do jasmim. Mas há outra diferença entre as espécies, embora ambas exibam uma similar variação entre as cores das suas flores.
O manacá-da-serra exibe flores brancas, rosas e lilases, enquanto os tons das flores do manacá-de-cheiro vão do roxo ao azul e ao branco. E não, não são flores de cores sortidas no mesmo arbusto, como mais um capricho exibicionista da natureza. São mudanças de cores nas mesmas flores, em distintas sequências.
Tenho a sorte de ter um manacá-de-cheiro roçando o vidro da minha janela. Escrevo agora olhando para ele, já agradecendo pelo tema da crônica. Fui conferir: as flores brotam em roxo, viram lilases e, por fim, ficam brancas, até secarem. No manacá-da-serra, elas começam brancas e fenecem lilases. Seu nome científico é Tibouchina mutabilis, e aqui a mutação já soa literal.
Pelas associações espirituais das cores das flores e por esse incrível processo de mudança, o manacá costuma evocar nos místicos as mais transcendentais relações. Virou símbolo de transformação.
Algumas fontes pesquisadas dizem que a mudança de cores das flores se dá com o processo de polinização, após a visita de borboletas e beija-flores. Adorei isso! Na arte do encontro da flor com os bichos alados em busca de néctar, a própria flor já se anuncia diferente, transformada. Têm razão os místicos: essa arvorezinha sabe das coisas.
É planta comum na Mata Atlântica e gosta de muita luz, por isso floresce entre a primavera e o verão aqui nas bandas do sul. Com ou sem perfume, um manacá florido é sempre festa para os olhos. E com os olhos em festa, a alma abre suas janelas para a vida. Resulta expandida, mais amorosa até.
Eu disse no começo que o amor dá trabalho. Deve ser porque essa força que insiste em mover um mundo que insiste em ser egoísta tenha seu maior efeito na transformação que promove entre os envolvidos. O branco vira lilás, o roxo vira branco. E os manacás floridos ali nas ruas estão a nos mostrar o quanto isso é bonito.
Sim, indiretamente os danados estão a falar de amor também! Então, ó estressados motoristas de carros pretos e cinzas, só porque é primavera, estacionem ali na esquina e caminhem pelas ruas na trilha dos manacás em flor. Depois me digam se não foi um descanso na loucura do dia.