Já me perguntaram como surge a ideia de uma crônica. Pra mim ela não “surge”, porque não é uma entidade, não se acessa uma ideia de crônica por transcendência ou paranormalidade.
A mediunidade passa longe da minha existência — talvez por birra, ou resistência. Até onde sei, Bará — o orixá mensageiro, o que abre os caminhos —, jamais me deu pistas de onde achar uma crônica. Tampouco o Espírito Santo, nem mesmo Nossa Senhora de Caravaggio. Também não tenho gurus espirituais, o que fecha todo canal (ou portal) de acesso sobrenatural.
Prefiro dizer, simplesmente, que a crônica nasce de um tropeço. Isso mesmo. Tipo a topada do dedo na quina do sofá (dolorida) ou a tropicada na calçada desnivelada (inesperada). Até porque, a crônica, apesar de enquadrar o banal, ao ser publicada e lida, invoca a persistência, confrontando o fugaz.
Já me disseram: “morri de rir com tua crônica” ou “morri chorando com a crônica da última quinta-feira”. Mentira. Não morreram, porque me escreveram. Não se tratava de uma carta mediúnica, ditada à mesa de um centro espírita. Eu também falo e escrevo usando esse exagero típico e cotidiano. Os professores de Língua Portuguesa chamam esse exagero (morri de rir, morri chorando) de hipérbole.
Também é um exagero dizer que tropeçando na calçada encontro a ideia de uma crônica. Menos ainda topando o dedão na quina do sofá. Desse jeito, no máximo arranca do meu ser uns dez ou doze palavrões.
Outro dia vi na tevê um repórter da Capital dizer que o clássico Gre-Nal é o maior do mundo. Hahahahahaha. Não né? Como é que um jogo entre Grêmio e Internacional vai ser o confronto mais sublime do planeta bola? Só se for no quintal de Porto Alegre. Passou do Mampituba, catarinenses dirão que o maior clássico é Avaí e Figueirense. Atravessando a fronteira, paranaenses dirão que o maior clássico é Coritiba e Athletico. E por aí vai...
Devotos colorados e imortais tricolores vão se enfrentar no sábado, às 16h, no Estádio Beira-Rio, na Capital dos gaúchos. Sendo considerado o maior clássico do Planeta Terra, o mínimo que se espera é que o evento paralise todas as guerras e batalhas mundo afora, pelo menos durante os 90minutos — fora os acréscimos.
— Nossa, que exagero, Mugnol!
Pois é. O banal também pode ser extraordinário.
E nem Bará, nem o Espírito Santo, nem Nossa Senhora de Caravaggio têm nada a ver com isso.