Não se trata da tormenta, da chuvarada entre raios e trovões que despenca nesses dias que ardem até provocar tempestades e ventos em fúria. É metáfora.
Alguém se importa com metáfora, poética, estética ou dialética, enquanto tomba o cipreste quase centenário do outro lado da rua, antes imponente e agora impotente diante do laço do vento?
Dizem que Iansã é o orixá feminino que controla os ventos e as tempestades. Dizem também que Santa Bárbara protege contra os raios da tormenta. Ambas vestem mantos vermelhos e empunham espadas. Devotos da santa seguram com fé a imagem dela contra o peito para cessar a fúria dos céus. Filhos e filhas de Iansã reverenciam a tempestade, porque vem dela o poder para apaziguar as aflições e conduzir as almas perdidas.
Em silêncio, trancafiado em suas tempestuosas divagações, um jovem tenta atravessar ventos raivosos. Corre, aflito, porque teme que a tormenta o devore. Ninguém vê, percebe ou sente a intensidade dos ventos. Só ele. Ali, fechado em si mesmo. Enquanto isso, seus companheiros de banda seguem tocando Astronomy Domine.
Empunhando a guitarra sem tocar um acorde sequer. Inerte e de olhos flamejantes, agarra-se à vida como se em instantes pudesse ser tragado por Zeus, o deus dos deuses, o deus do raio, do trovão e dos céus, na mitologia grega. Em transe, ele ouve os versos que escreveu antes da tormenta: “Júpiter e Saturno, Oberon, Miranda e Titânia / Netuno, Titã, estrelas podem apavorar”, em livre tradução.
Syd Barrett, o cara que batizou seus dois gatos de Pink e Floyd, que inspirou mais do que o nome de uma das bandas mais fantásticas dessa e de outras galáxias, que, acredito, compôs a trilha sonora da criação do Universo, cita Júpiter, talvez, pelo viés poético, como uma explicação metafórica de sua árdua jornada através das tempestades de vida e morte.
Júpiter é o deus do dia, do céu e do trovão, o rei dos deuses na mitologia romana, irmão gêmeo em similaridade divina com Zeus. E por tabela, Iansã e Santa Bárbara. Syd era o filho da tormenta. Não dos deuses espalhados pelas mais diversas dimensões. Syd, o atormentado, acorrentou-se na insensatez para não sair voando por aí. Perdeu-se na desilusão das alucinações, enquanto corria para não ser devorado pela tempestade e pelos ventos em fúria.
Há tempestades que passam pela nossa vida e que provocam estragos por todo o sempre. Outras, ajudam a sacudir a poeira que embaralha nosso olhar. No final das contas, pouco importa o sentido da tormenta. É inevitável, indomável, inquestionável e, talvez por isso, desperte, na mesma medida, pavor, espanto, e um tanto de encantamento.
Quem nunca sentiu aquele impulso de atravessar a tormenta de braços abertos, num desejo louco de se metamorfosear em vento? Syd, neste plano astral, teria completado 78 anos no último dia 6 de janeiro. Syd, contudo, preferiu ser vento e nos visitar a cada tormenta.