Um amigo meu acabou está no Canadá numa viagem de negócios. Um dos primeiros comentários dele sobre Calgary, província canadense de Alberta: “É incrível como tudo é silencioso aqui”. E o tom não era de crítica, parecia de alívio. Só quem já teve a oportunidade de estudar ou trabalhar numa cidade civilizada sabe como é a paz de poder passar um dia inteiro sem a opressão do barulho imposto pelos outros.
Calgary tem um milhão e 300 mil habitantes, praticamente o tamanho de Porto Alegre. Então, como pode passar esse ar de tranquilidade e de silêncio sendo uma cidade grande? Pois bem, o fator “civilidade” é o que determina a atmosfera urbana. Não só Calgary é silenciosa, mas também qualquer cidade do mundo onde realmente o direito de um acaba onde começa o direito de outro, e também onde leis, regulamentos, acordos, estatutos e códigos de conduta são respeitados pela sociedade, e os infratores devidamente penalizados.
Uma polêmica que surgiu recentemente numa rede social partiu do seguinte questionamento: por que brasileiro é tão barulhento? Por que aceitamos essa poluição sonora extrema nas nossas cidades? Por que o brasileiro fala tão alto e é tão expansivo – e, portanto, invasivo – sempre desrespeitando o espaço do outro? Antes que alguém venha justificar isso com a falácia de que o brasileiro é um povo “alegre” e “festivo”, peço que retomem o bom senso e entendam que nem todos os momentos da vida são de alegria e de festa. Há ocasiões especiais e muito específicas para celebrações.
Uma boa parte do nosso cotidiano é – ou deveria ser – de deveres, de estudo e de trabalho, de produção e de criação, e para tanto o silêncio e a tranquilidade são fundamentais. Ninguém realmente consegue se concentrar com o barulho do escapamento de uma moto fazendo “ra-ta-tan-tá” passando diante de seu escritório a cada 15 minutos, ninguém consegue sequer ouvir seus próprios pensamentos com os estrondos que vazam pelo telhado de alumínio de uma fábrica colada a uma área residencial. Mesmo que um cidadão esteja apenas cuidando de seus afazeres no centro, é coercitivo passar em frente a uma loja com suas caixas de som berrando o último “sucesso” sertanejo do momento ou se deparar com um locutor anunciando em 80 decibéis as ofertas da semana.
Pior ainda são as noites e os finais de semana em que até mesmo o direito inalienável ao descanso nos foi roubado há muito tempo por gente bárbara incapaz de respeitar sua comunidade. É a era do “tudo posso” e do “nada me atinge”, literalmente. A algazarra pode durar a madrugada toda e ninguém será multado ou sofrerá punição alguma. E quem reclama terá como resposta “se quer silêncio, vai morar no mato”.
Obviamente, é inimaginável um perímetro urbano totalmente silencioso, é inviável, mas existem maneiras de se reduzir a poluição sonora e de adotarmos um pouquinho mais de civilidade na vida em sociedade. Se uma Calgary existe, impossível não é. A questão é: como se chegar a isso?
[continua na próxima coluna]