Estamos no tempo das amoras. No entanto, amoras sem sol são azedas demais. Você pode tentar fazer uma calda ou um doce, mas lá no fundo fica o azedume de uma fruta (de)SOLada. Tipo gente mal-humorada. Sabe? Não tem notícia boa, novidade ou poesia que salve o sujeito do seu azedume. Tem gente que acorda assim, cítrico. Gente que demora a se açucarar, que precisa de horas, de muito silêncio até que consiga ajustar o ponto do cozimento interno. Precisa de fogo, calor, entendimento, aceitação e de repente começa a ficar menos ácido. Que coisa mais difícil conviver com gente ácida o tempo todo. Dá azia. Tudo bem, vá lá. Nem sempre conseguimos nos livrar do mau-humor, afinal a gasolina está um absurdo, já é quase Natal, parece que a pandemia terminou, tem uma galera de carro rebaixado que houve sempre a mesma batida, que entra dentro da cabeça da gente e não desgruda.
Se falo sobre as amoras sem sol é porque me identifico com elas. Tem dias que não tem como não acordarmos azedos. Entre o negacionismo, o machismo, os carnívoros chatos que enchem o saco dos vegetarianos, as máquinas de cortar grama no fim de semana e a tradução miserável da poesia de Elizabeth Bishop para o português, me reservo o direito de escrever hoje de modo mal-humorado.
Não, não é falta de paciência. Acredito que todos temos paciência em demasia, talvez essa seja uma das razões de nosso mau-humor. Para não brigar com o mundo, ficamos rabugentos. Para alguns de nós pode ser uma defesa, para outros uma reação e quando o mau-humor persiste e passa a atrapalhar a vida, pode ser uma patologia.
Algo interessante de nos darmos conta é de que o humor (seja bom ou mau) depende do contexto e do modo como interagimos com ele. De certa forma, o humor é fruto de um absurdo. Diante do que vemos, sentimos, percebemos, reagimos rindo ou ficando azedos. Depende do dia, dizemos. Depende de como entra em nós a situação. Tem dias que as coisas nos chegam tortas e viramos um tamarindo. Tem dias que mesmo quando as coisas se tornam desafiadoras, conseguimos sorrir e não nos deixar afetar.
Ok. Difícil é encontrar um outro que nos suporte, que entenda que tudo bem sermos assim, que não é nada com ele, mas que, infelizmente, por estar tão perto vai perceber nosso azedume de modo mais intenso. Isso quer dizer que nossas atitudes afetam o ambiente e aos outros e que sim, somos responsáveis por isso.
Talvez um modo sadio de lidar com a designação na qual descobrimos pertencer a categoria de frutas azedas, seja aceitar que sim, somos assim e, rirmos de nós mesmos. De séria e dura já basta a vida, as contas, as relações familiares, nossos desajustes internos e psíquicos. Toda vez que um sujeito azedo deita no divã, penso, que maravilha, hoje iremos falar sobre nossas propriedades nutritivas e nossa capacidade de estragar tudo, porque somos assim, ricos em vitamina C e com falta de açúcar. Um pouco de sol, poesia bem traduzida, uma xícara de café e terapia ajudam muito.