A gente cresce. Faz aniversário um ano após o outro e de repente, estamos com 40, 50 anos e nos damos conta de como passou rápido. Foi ontem que subíamos em árvores, jogávamos futebol na rua, pulávamos os muros da casa do vizinho para roubar laranja. Gosto de pensar que, de certa forma, essa criança que fomos continua ali, dentro de nós. De vez em quando costumo perguntar para a criança que fui como ela se sente com relação a adulta em que me tornei. Parece bobagem, mas é um bom meio de nos pensarmos eticamente. Também é um modo de realinharmos nossos desejos.
Desde pequenos o que mais queremos é nos manter vivos e sermos amados. Criamos estratégias para isso e nesse processo vamos construindo nosso bauzinho de neuroses. Descobrimos modos de nos defender, de nos proteger, de nos moldar aos desejos dos outros, de nos comportar e de sermos aceitos. Gosto muito de um verso da música do Nando Reis: pra você guardei o amor que aprendi vendo os meus pais. Sim, e isso serve para o bem e para o mal. Apesar da música ser romântica e trazer uma idealização do sentimento, dependendo de qual tipo de amor crescemos vendo, as coisas se complicam. Às vezes aprendemos a amar de um jeito torto e repetimos. Amamos aos gritos, em meio às brigas, aos silêncios que castigam, reafirmamos nossos sentimentos de rejeição e abandono.
Pascal Quignard, escritor francês, afirma que o amor só se vive na violência e na perda. Por quê? Porque nossa fonte de experiência é a perda, afinal, nascer é perder a mãe. É preciso ler essa afirmação de modo interpretativo e simbólico, para que consigamos nos dar conta de como o desamparo é algo primordial. Às vezes, sem nos darmos conta repetimos o sofrimento inicial e as perdas vão ritmando nossas vidas. E nos iludimos na ideia da delícia do reencontro após cada separação. Só que o reencontro é um momento que não dura para sempre. Logo reviramos nosso baú de neuroses infantis e por lá encontramos o ciúmes, a desconfiança, o medo de perder outra vez, de decepcionar-se. Isso tudo despedaça nossas expectativas. Afinal, nem nós, nem o outro consegue ser tudo aquilo que prometeu.
Somos contraditórios. Há um vão entre o que dizemos e o que fazemos. Isso também nos faz sofrer. Prometemos e não conseguimos cumprir. E porque não sabemos lidar com esses sentimentos, brigamos, criticamos, julgamos, nos amarguramos. Alguns, batem, apelam para a violência. Um desejo doente de que o outro sinta a dor que ele sente. Nossos sintomas constituem nosso modo de amar. E ali, na mágoa inconsolável da infância, reencontramos nosso primeiro modus operandi de existir.
Quantas vezes projetamos no outro algo que perdemos na infância?