Cada um de nós mantém seus hábitos de leitura, aqueles apreendidos ainda na infância. Falo daquelas leituras que precisamos recorrer quando nos sentimos desamparados. Meus pais leem o Evangelho Segundo o Espiritismo. Sei de outras pessoas queridas que leem as escrituras sagradas. Há os que leem poesia e eu leio flores. A jardinagem faz bem para a alma. Ouvi isso num seriado do Netflix sobre a primeira viagem humana para Marte. Dentro da espaçonave um dos personagens consegue cultivar plantas. Plantas que serão plantadas em Marte. Voamos tão longe, seja na ficção ou na vida real. Nos reconfortamos das angústias dos tempos assistindo ou lendo algo que nos faça bem ou pelo menos nos faça esquecer do entorno e enquanto isso o Pantanal queima, como queima também a economia, a nossa paciência, o estômago, a cabeça, a raiva. Na verdade, já estamos ardendo no fogo do inferno. Ou fazendo uma alusão mais gastronômica e digerível, estamos sendo jogados para dentro da panela fervendo feito caranguejos e lagostas e tal como eles nem temos tempo de entender a causa da morte. Por isso volto para as flores. Hoje inicia a primavera.
Leio as flores como quem garimpa ouro. As flores nos ensinam sobre o tempo, o espaço, a vida, a morte e nesse processo ininterrupto, as alegrias e as tristezas. Então lembro de Clarice Lispector, todas as alegrias são arrogantes. Não, ela nunca disse isso, mas basta ler um conto e essa sensação se instala como um ensinamento a ser levado junto pelo resto da vida. Isso me remete aos meus alunos e pacientes: como posso ensiná-los a sentir tristeza? Os terapeutas e poetas devem entender sobre o que estou falando. Acho que quem cultiva flores, também. Isso porque a poesia nasce da tristeza. “Mas eu fico triste como um pôr de sol (...) quando esfria no fundo da planície e se sente a noite entrada como uma borboleta pela janela”, escreveu Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa. E conclui, “Mas a minha tristeza é sossego porque é natural e justa e é o que deve estar na alma...”.
A tristeza nos coloca em contato com a ferida da vida. É impossível manter-se alienado quando nos entristecemos, seja pela situação que estamos vivendo dentro de casa ou no país. Quando damos chance à dor da tristeza abrimos uma porta para o entendimento, aceitamos que não estamos bem, que precisamos de ajuda, que provavelmente teremos de mudar algo. A tristeza é revolucionária. Mas como não temos uma pedagogia que nos ensine a lidar com ela, nos assustamos. Ao nosso redor, as pessoas desejam que estejamos felizes o tempo todo e encaram nossa tristeza como se fosse uma doença. Mas ela, não necessariamente, é.
Além das flores, leio Rubem Alves. Uma vez estive numa palestra dele, foi um dos momentos mais encantadores de minha vida. Ele costumava dizer que se Deus existe, a beleza é o modo como se comunica conosco. Eu O encontro nas flores.