Nas férias reli Madame Bovary, de Gustave Flaubert. O texto fora publicado na França, em 1856, mesmo ano de nascimento de Freud. Voltar aos clássicos é sempre muito interessante, até porque voltamos, nós, modificados pela vida, experiências, novos conhecimentos, diferentes. A obra conta a história de uma mulher que deseja ser outra, que deseja viver algo para além do honroso papel que era concedido (ainda é?) de mãe virtuosa, esposa fiel e rainha do lar. Seus sonhos, seus paradigmas, suas transgressões que vão desembocar num final trágico nos ajudam a compreender os impasses femininos pelos quais as mulheres desde então são obrigadas a aceitar como único destino possível. É verdade que muito se evoluiu desde então, seja nos aspectos sociais, culturais e emocionais. No entanto, há uma longa jornada pela frente. Uma das perguntas norteadoras de todos os tempos é a que questiona o que quer uma mulher? Já ouviram? Mas o questionamento dentro desta pergunta é muito mais profundo e exige um mergulho reflexivo. Podemos começar nos perguntando, primeiro, o que é ser mulher, mas principalmente, segundo a psicanalista Maria Rita Kehl, o que um sujeito pode vir a tornar-se, sendo também mulher? São deslocamentos necessários e pertinentes, afinal, quando começamos a questionar aquilo que nos é dado como concluído, descobrimos que, talvez, exista ali apenas uma fina camada cultural e conservadora. Há anos formas de educação, religião, cultura vêm oferecendo modelos de como a mulher deve ser e se comportar. Dentro deste bojo gigantesco e asfixiante a questão da maternidade é outra vez tratada de modo idealizado, romantizado e como, talvez, um dos únicos meios indiretos da mulher se reconhecer. No entanto, se ela só produz, pela cultura, filhos, então ela é apenas mãe.
Penso que a riqueza da vida, das experiências de mundo depende das escolhas que cada sujeito realiza. Nossa história deixa para trás um rastro de identidade. No romance, Emma Bovary deseja uma vida mais rica de escolhas e ousa tentar desejar por si mesma. Sabemos que a sociedade de então tirará proveito desta mulher desejosa e sonhadora e que assim que as coisas se complicarem, a abandonarão. Afinal, a nossa verdade é dada pelo nosso desejo, tanto para quem ousa viver quanto para quem julga aquele que vive. O que é exaltação da ideia do mistério da feminilidade, talvez porque o mistério se produza a partir daquilo que o homem não quer saber sobre a mulher . Talvez também, deveríamos inverter a pergunta e questionar o que a cultura e a sociedade ganham ao ditar regras e modos de comportamento que devem ser seguidos pelas mulheres, afinal, a única diferença entre um homem e uma mulher é que ela é também mulher.