Como é (ou era) a relação com a sua mãe? Como essa é uma pergunta íntima, a sua resposta pode ser sincera. Geralmente, quando mães e filhos lembram dos seus relacionamentos, sempre surgem duas narrativas diferentes. Às vezes parece estranho que ambos estejam falando sobre a mesma relação, acontecimentos, episódios, de modo tão diferente. Uma das coisas mais importantes que tenho aprendido nos últimos anos é ouvir. Às vezes ouço a mãe, às vezes ouço o filho, mas sempre procuro ouvir a criança que habita em cada um.
Tornar-se mãe e de certo modo, tornar-se pai também, é dar-se conta de que se vive num relacionamento, muitas vezes (quase sempre) conflituoso, frustrante e difícil. Claro que há amor, sem dúvida, se ele não existisse estaríamos todos internados em manicômios ou numa penitenciária. Sim, pois se sobrevivemos à família sobreviveremos a toda e qualquer coisa.
Há uma frase que já virou clichê em que Freud diz que a culpa é sempre da mãe. Fico pensando que talvez a culpa venha de uma idealização da maternidade. Essa coisa do ideal da unidade mãe-filho, do anseio utópico da reciprocidade e da busca pela alegria compartilhada, só aumentam a frustração dos seres humanos envolvidos. Sabemos que no dia a dia, lá no frigir dos ovos, ser mãe é um desafio. As dores no corpo durante a gravidez, o enjoo, as emoções e afetos que se alteram constantemente, o desejo de ser mãe e a culpa antecipada caso não seja uma boa mãe (mas o que é ser uma boa mãe?), as noites de sono acumulado, as fraldas, as cólicas, o peito que dói, o medo de não voltar para o mercado de trabalho, a ausência masculina no exercício da paternidade, a criança que não come, o mundo tecnológico entrando pela porta da frente e a convivência indo embora pela janela, as questões de ética, bom senso, amorosidade, a raiva, tudo isso somado a felicidade do primeiro dente, da primeira vez que a criança fala mamãe, os primeiros passos, a forma como segura o garfo e quando diz que ama.
Há, o tempo todo, sentimentos positivos e negativos permeando a relação e eles nunca vão desaparecer. O que acontece é que ao longo da vida aprendemos a conviver (ou não) com esses sentimentos tão contraditórios. Decidir ter filhos é decidir por viver e aprender a viver em uma relação dinâmica de conflitos entre as flutuações sentidas pela mãe e pela criança e que essa relação varia de filho para filho. O mais interessante disso tudo é o crescimento que pode surgir dessa experiência.
Conseguir ouvir-se, refletir sobre essa montanha-russa de emoções, ligar-se a elas, sofrer com elas, aprender com elas, gera no ser humano uma capacidade imensa de conseguir lidar com as frustrações que a maternidade traz. Ah sim, a mulher não nasceu para ser mãe, isso deve ser consequência do desejo dela. Já há dores demais para se tratar quando esse desejo é realizado, imagine ter filhos sem desejá-los?