A Cúpula dos Vinhedos, que formalmente teve início ontem, em Bento Gonçalves, na Serra, se realiza em um dos momentos mais sensíveis e desafiadores na trajetória de avanços e recuos do Mercosul. O grande desafio imediato do bloco será o de superar as divergências políticas entre os dois principais sócios e a falta de entusiasmo dos integrantes com a noção de um mercado comum no Cone Sul do continente. A troca de sinal ideológico na Casa Rosada, com a volta do kirchnerismo ao poder, indica que o espírito de facilitação do comércio, uma das razões da existência do Mercosul, pode dar novos passos para trás.
Seguem frescos na memória todos os obstáculos que as gestões dos Kirchner impuseram às exportações brasileiras. E o futuro presidente da Argentina, Alberto Fernández, já emitiu sinais de que não permitirá, por exemplo, grandes volumes de calçados brasileiros nas lojas locais, demonstrando interesse em proteger a sua indústria. Um tema de amplo interesse do Rio Grande do Sul e uma clara afronta aos princípios de criação do bloco, que seria o de uma facilitação da circulação de mercadorias, em benefício dos consumidores.
Faria bem o governo brasileiro se acenasse com a boa vontade de um entendimento dentro do bloco e uma postura mais favorável ao bloco
Por mais paradoxal que possa parecer, é a perspectiva de acordo de livre-comércio com a União Europeia que ainda faz viva a tênue chama que mantém o Mercosul aceso. E esta é uma das principais pautas do encontro na serra gaúcha. Mas as razões para se acreditar e trabalhar por dias melhores para o grupo vão além. Principalmente no caso de Brasil
e Argentina, pelo grande intercâmbio de mercadorias. Um é importante mercado do outro, especialmente do setor industrial, com difícil substituição.
O momento delicado, portanto, exige tato e serenidade. Se são necessários aperfeiçoamentos no Mercosul, que sejam feitos. Mas de forma acordada, sem rupturas. Como sinalizou o presidente eleito do Uruguai, Luis Lacalle Pou, disposto a dialogar com todos e colaborar com o restabelecimento da harmonia. Faria bem o governo brasileiro se, pragmaticamente, deixasse arroubos de lado e acenasse com a boa vontade de um entendimento dentro do bloco e uma postura mais favorável ao Mercosul. Mesmo que o Planalto demonstre interesse em maior autonomia para firmar acordos, há interesses comuns no bloco que poderiam ter defesa conjunta, como a decisão da Casa Branca de sobretaxar o aço e o alumínio dos dois países.
Como Fernández assume apenas na próxima semana e não vai a Bento Gonçalves, cabe aos canais diplomáticos operar para construir pontes danificadas pelos discursos inamistosos de lado a lado, de quem é apenas transitório. Quando se está em uma encruzilhada, a esperança é ainda ser possível escolher o caminho certo.