Por Márcio Rodrigues, mestre e doutorando em Ciências Sociais
Brasil e Argentina vivenciaram nas últimas duas décadas conjunturas políticas bastante similares. A chegada de grupos progressistas ao comando dos países em 2003, com Lula e Nestor Kirchner, encerrou as experiências neoliberais experimentadas na década anterior. Alavancados pela vigorosa expansão da economia global e pela demanda por commodities agrícolas, esses governos avançariam em programas de transferências de renda e inclusão social, obtendo ampla popularidade e possibilitando a sucessiva renovação dos mandatos.
Porém, com o tempo, os ventos começaram a mudar. Equívocos na condução econômica após a crise mundial iniciada em 2008 e o avanço de denúncias e investigações sobre os governos, envolvendo inclusive Lula e a família Kirchner, ocasionaram uma crescente derrocada no cenário. Estes movimentos de desconfiança e rejeição por parte da população acabaram por fortalecer projetos antagônicos àqueles progressistas.
A Argentina elegeu ainda em 2015 o oposicionista Maurício Macri que tinha como lema o "fim de 70 anos de comando do peronismo/kirchnerismo", precedendo a um cenário que se repetiria no Brasil com o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e a consagração de Jair Bolsonaro à presidência da República, em 2018, num claro antídoto aos anos petistas.
Com uma nova disputa presidencial na Argentina se aproximando, sendo realizadas as primárias nacionais no próximo domingo (11), eis que chegamos agora ao primeiro ciclo eleitoral após o estabelecimento dos novos grupos no poder em um contexto de persistente crise econômica com amplos reflexos sociais. Este cenário fragiliza o antagonismo entre projetos econômicos que, aos olhos do eleitor, não solucionaram os problemas reais do país, e acaba por ter impacto direto no posicionamento das principais candidaturas.
Enquanto o governista Macri teve de aliar-se a setores centristas do peronismo para se manter viável na disputa, a oposicionista Cristina Kirchner abdicou do protagonismo no pleito para apoiar um moderado e crítico do seu governo, Alberto Fernández. Também está na corrida presidencial o ex-ministro Roberto Lavagna, que se apresenta como uma alternativa ao centro aos dois principais blocos.
O que a conformação das chapas demonstra até o momento é que o pêndulo se move não mais de um extremo para outro, mas sim para o centro. Os novos ventos que parecem soprar na Argentina irão novamente chegar ao Brasil? Impossível afirmar, porém, pelo histórico recente, cabe aos políticos brasileiros ficarem atentos aos sinais enviados pelos nossos vizinhos.