* Jornalista
Após milhares de anos de dúvida, teorização e debates nos mais variados campos da ciência e da filosofia, parece que estamos mais próximos de acabar com a dúvida existencial: afinal, quem somos nós? Não por termos descoberto a solução do enigma, mas por estarmos cada vez menos interessados na pergunta. Se as mídias sociais já permitiam uma superficialidade, os recursos cada vez mais usados de stories e snaps (publicações que somem em 24 horas) nos levaram a potencializar a volatilidade e o senso de descartável.
Somos quem queremos parecer ser. Uma vida editada, filtrada. E, por que não, totalmente criada? No final de semana noticiou-se o caso de um fotógrafo de guerra fictício, apenas agora descoberto. O personagem inventado conseguiu enganar jornais e profissionais respeitados (que publicaram imagens roubadas) e "namorar" mais de cinco pessoas reais (com quem nunca se encontrou pessoalmente). O caso é um exemplo extremo, mas serve para ilustrar como um personagem pode ser criado e ganhar crédito sem nunca ter existido.
Ao olhar ao redor, percebemos pessoas aproximando e afastando celulares de pratos de comida e de bebês ou então falando para os aparelhos com orelhas e focinhos que acompanham seus movimentos na tela. Na ânsia, cada passo precisa ser registrado em imagens. Uma consequência é que não vivemos momentos pensando em criar memórias, experiências. Precisamos ser uma pessoa interessante de hoje até as próximas 24 horas. Se a versão atual não agradou, amanhã se muda o filtro. Ao citar o escritor Ralph Waldo Emerson, Zygmunt Bauman escreveu que "quando se esquia sobre o gelo fino, a salvação está na velocidade". Onde fica a essência (ou a verdade) nessas postagens? Uma vida sem passado é mais fácil de ser modelada.
A agilidade, antes imperiosa nas formas de consumo e de trabalho, estendeu-se aos demais campos da modernidade. Produzimos e consumimos fragmentos de realidade, numa velocidade tão grande, que nem sobra tempo para questionamentos ou avaliações. É possível, enfim, ser sem existir. O risco é só chegar ao fim da história, como o fotógrafo desmascarado, e descobrir que tudo foi uma farsa.